Núcleo Arqueológico
Estação Arqueológica do Creiro
Primeiras referências antes da primeira intervenção arqueológica
Localizada em pleno Parque Natural da Arrábida, no sopé da encosta sul da Serra da Arrábida, a estação arqueológica do Creiro foi pela primeira vez assinalada por António Inácio Marques da Costa em 1907 num esboço de uma carta arqueológica relativa a estações Pré-históricas e Romanas nos arredores de Setúbal. Contudo, nesse esboço, nada mais era referido sobre o arqueossítio em questão para além da sinalização “R”, que indicava assim a existência de uma jazida romana no local assinalado.
Só meio século mais tarde, mais precisamente em 1964, é publicada uma notícia sobre o Creiro, fruto essencialmente da descoberta de manuscritos inéditos de António Inácio Marques da Costa que referiam o seguinte: “Na margem esquerda de uma linha de água que desce da Serra da Arrábida até ao mar, próximo deste e a leste da praia do Portinho, vimos alguns tanques de alvenaria em ruínas, forrados de uma camada de argamassa signina, muito semelhante às cetárias existentes próximo da foz das Rasca.” (TAVARES DA SILVA, Carlos; SOARES, Antónia Coelho, 1987).
Até à primeira campanha arqueológica desenvolvida no local, pelo MAEDS em 1987, constatou-se a existência de vários fatores que condicionaram ao longo do tempo o estado de conservação da estação, tais como os naturais processos de erosão e, sobretudo, devido às mais recentes construções humanas de casas nas zonas envolventes ao arqueossítio, algumas delas possivelmente construídas sobre algumas estruturas romanas ou usando materiais construtivos dessas mesmas estruturas. Por fim, a existência de um parque de estacionamento sobre o espaço arqueológico também contribuiu certamente para a sua degradação.
Integração do Creiro no panorama regional
Com as primeiras intervenções arqueológicas e com o subconsequente processo de investigação surgem os primeiros dados concretos em termos da datação do período de ocupação do local e sobre a integração desta estação no panorama regional da ocupação romana.
A estação arqueológica do Creiro é de um dos mais antigos complexos industriais de produção de produtos piscícolas da zona de Setúbal, fazendo parte da Cetóbriga romana juntamente com outras fábricas destes produtos, como a existente na Comenda; com alguns locais de produção anfórica; e com os centros urbano-industriais das margens direita e esquerda do Sado, correspondendo à atual cidade de Setúbal e península de Troia, respetivamente. Todo este aglomerado fez parte do mais importante complexo industrial de produção de preparados piscícolas de todo o império romano ocidental (TAVARES DA SILVA, Carlos, 2002).
Caracterização da estação arqueológica
A Estação Arqueológica do Creiro foi marcada por três fases de ocupação, dentro das quais existiram várias fases de construção.
A primeira fase de ocupação, correspondente, obviamente, à primeira fase de construção, teve lugar durante um período do Alto Império romano, sensivelmente no terceiro quartel do séc. I d.C. Durante esta fase foram construídas a grande maioria das estruturas existentes neste complexo industrial, incluindo 9 cetárias, 4 de planta quadrangular e 5 de planta subrectangular, com dimensões compreendidas entre 1 e 2,6 metros de largura/cumprimento e 0,5 a 1 metro de profundidade. Estas salgadeiras estavam revestidas por um opus signinum, como forma de impermeabilização, composto por gravilha argamassada, cal hidráulica e areia. As arestas das supracitadas cetárias eram feitas em “meia-cana”, ou seja, eram arredondadas, uma vez que se tornavam assim muito mais higiénicas, evitando sempre que possível as arestas vivas.
Durante esta primeira fase de ocupação/construção foram também erguidos armazéns, a casa do proprietário (ao lado das cetárias) e possivelmente casas dos trabalhadores, um pequeno pátio dentro da fábrica propriamente dita, uns balneários dependentes de um sistema de canalização que transportava a água de um poço existente ao lado dos armazéns, por debaixo do complexo fabril, até a uma cisterna onde a água era armazenada. De seguida era transportada para um tanque (caldeira), possivelmente de metal, onde a água era aquecida. O aquecimento dos balneários era feito através do tradicional sistema de hipocausto (hypocaustum): estrutura existente no subsolo, composta por uma fornalha (praefurnium) que aquecia o ar, em que este por sua vez, percorrendo o subsolo (estando o chão do balneário suportado por pilares e arcos - pilae, suspensurae), aquecia o piso do balneário e consequentemente a caldeira onde a água era aquecida e os quartos de banhos quentes (caldarium). Hoje em dia ainda se encontram visíveis vários pilares de sustentação do pavimento por entre os quais o ar quente circulava, a fornalha, e, exteriormente ao hipocausto mas integrado no sistema balnear, encontram-se um tanque de banhos frios revestido a mármore (frigidarium) e uma estrutura circular cuja funcionalidade não é totalmente conhecida.
Ainda antes do culminar desta primeira fase de ocupação, que se deu nos finais do séc. I d.C. devido ao progressivo desenvolvimento de caráter industrial e portuário que se fez sentir nas atuais margens do Sado, deram-se algumas remodelações no complexo industrial (a denominada segunda fase de construção), em que, para além das várias alterações que possam ter existido, a com maior relevância prende-se com o facto de sobre um pátio já existente terem sido construídos dois tanques. Contudo, estes tanques tinham algumas diferenças relativamente às cetárias da primeira fase de construção. Eram morfologicamente diferentes, menos profundos, e o seu fundo era nada mais nada menos que o pavimento do antigo pátio, constituído por elementos mais rudes e não tão bem argamassados, tornando-o menos impermeável, levando a crer aos arqueólogos que a função destes novos tanques seria a de armazenamento de sal ou/e de peixe e não a de produção de preparados piscícolas.
Tendo a primeira fase de ocupação terminado no final do séc. I d.C., só por volta de meados do séc. IV d.C., durante o Baixo Império, o local volta a ter nova ocupação humana – a segunda fase de ocupação, na qual ocorre uma terceira fase de construção. São feitas sobretudo reparações nas estruturas, uma vez que durante o período de abandono a erosão climatérica deve ter danificado algumas estruturas. Denota-se também um menor cuidado nos materiais de construção usados, sendo eles mais rudes e arcaicos, como por exemplo a utilização de um opus signinum com muitos fragmentos cerâmicos. É feita também uma reciclagem dos materiais da primeira e segunda fases de construção, integradas na primeira fase de ocupação. Durante esta época é também feito um novo orifício no pátio já anteriormente referido para o escoamento das águas pluviais e provenientes das limpezas efetuadas na fábrica, um novo sistema de canalização e uma das cetárias é transformada em vazadouro, uma vez que aquando das escavações arqueológicas ela se encontrava com um enchimento formado não por derrubes mas sim por um depósito de detritos diversos, detritos estes que se tornaram essenciais para a datação desta segunda fase ocupacional.
Estas características acima assinaladas são bastante representativas e também o fruto do declínio do expansionismo romano e do próprio Império.
Com o culminar da ocupação romana do complexo fabril do Creiro nos finais do séc. IV d.C. ou inicio do séc. V d.C., dá-se, séculos mais tarde, um acontecimento de assinalável interesse histórico, que é a terceira fase de ocupação do local, desta vez muçulmana, que à data da escavação arqueológica realizada em 1987, se tornava no primeiro achado feito na região de Setúbal relativo ao período muçulmano Almóada (TAVARES DA SILVA, Carlos; SOARES, Antónia Coelho, 1987).
Restauros efectuados no início da década de 1990 pelo MAEDS; Intervenções periódicas de salvaguarda e limpeza da estação arqueológica pela mesma entidade.
TAVARES DA SILVA, Carlos; SOARES, Antónia Coelho. Escavações arqueológicas no Creiro (Arrábida), Campanha de 1987 in Setúbal Arqueológica, vol. VIII, 1987, pp. 221-237
TAVARES DA SILVA, Carlos – Setúbal na Rede: Onde nasceu Setúbal? [online]. Disponível na Internet em http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=8646, 2002.