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Museu Nacional Machado de Castro
O Museu Nacional Machado de Castro, MNMC, reabriu ao público no dia 11 de dezembro, numa cerimónia que encerra o ciclo de recuperação a que se comprometeu, orientado pele requalificação e ampliação que agora o apresenta como um grande museu, digno do património que lhe está confiado e preparado para cumprir a sua missão, como uma referência da museologia portuguesa.
Ao visitante o Museu oferece informação escrita (em painéis e desdobrável), áudio (audioguias) e audiovisual (filmes, depoimentos e visita virtual). Disponibiliza igualmente quiosques com conteúdos multimédia relativos a cada um dos núcleos expositivos, bem como mesas interativas e uma sala multimédia no final do percurso de visita.
As obras de ampliação e requalificação constituem não só a maior transformação a que foi submetido ao longo da sua história, mas também uma das mais importantes intervenções ocorridas em museus portugueses e, seguramente, a mais espetacular, pela forma como articula e dialoga com a envolvente urbana e com as coleções que abriga.
O valor patrimonial e científico do edifício, e o seu acervo imóvel constituido por diversos núcleos museológicos de indiscutível importância, seja pela qualidade estética de um elevadíssimo número de espécies – elevando-se a mais de uma centena as peças classificadas como de Interesse Nacional, designadas também por ‘Tesouros Nacionais’. Entre as coleções, destacam-se as de ourivesaria e escultura, constituindo, esta última, um núcleo de referência obrigatória, sendo o museu frequentemente identificado como o museu da escultura nacional.
Um importante espaço cultural nacional implantado num concentrado conjunto urbano contendo vestígios arquitetónicos visitáveis com mais de ... dois mil anos de história.
O MNMC foi inaugurando em 1913, tendo-se tornado um museu nacional em 1965.
Depois de um período de vários anos encerrado ao público para profundas obras de renovação, conforme projeto de arquitetura do Arquiteto Gonçalo Byrne e projeto gráfico da FBA, o museu reabre em dezembro de 2012.
Joaquim Machado de Castro
“Cavalleiro da Ordem de Christo, Esculptor da Casa Real e Obras Públicas. Nasceu em Coimbra aos 19 de junho de 1731”. Conhecido como escultor de Lisboa, Machado de Castro é todavia natural de Coimbra, à qual deveu, além do berço, a formação humanista que recebeu dos Jesuítas. Esses valores, bem como a aptidão para a arte que descobriu com seu pai, Manuel Machado Teixeira, mestre de nome na cidade, e o contacto direto com o italiano Alessandro Giusti, fizeram dele o maior e mais culto dos escultores portugueses do seu tempo.
Machado de Castro repôs a tradição da escultura em pedra, numa época em que em Portugal predominava a escultura em madeira, e corporizou um grande esforço no sentido da dignificação da escultura e do seu ofício. Foi o primeiro escultor português a escrever sobre escultura e traçou as coordenadas essenciais de uma metodologia: toda a obra deve começar por um projeto, com elaboração de desenho e modelo, antecedendo a execução.
Da sua vasta produção destacam-se, além dos trabalhos que executou, diversos estudos, desenhos e modelos preparatórios, e uma obra literária ímpar: escritos e teorizações sobre escultura que reafirmam constantemente o seu caráter intelectual.
O NOVO MUSEU
Dotar o edifício de condições de acessibilidade total e conquistar uma dimensão de proximidade com o público, aproximando este lugar do que terá sido o fórum inicial, foi a sugestão programática a que o arquiteto deu forma modelar.
As áreas de exposição permanente e de acolhimento aos visitantes concentram-se no edifício requalificado, classificado Monumento Nacional. O visitante ou frequentador dos espaços do museu poderá pois desfrutar livremente dos horizontes que se alcançam sobre a cidade e o rio, tendo à disposição uma cafetaria/restaurante, uma loja e uma pequena sala de exposições temporárias, em áreas de total gratuitidade.
O atual corpo norte do Museu, que funciona como charneira entre a parte conservada, integralmente, da residência episcopal e o novo corpo construído de raiz, corresponde à delicada intervenção que resolveu o problema da Capela do Tesoureiro e permitiu conferir fluidez e clareza ao circuito de visita. Este espaço, transfigurou-se no cofre de alguma da mais magnífica escultura monumental portuguesa.
A escultura – a mais vasta, globalmente a mais valiosa e mais exigente das coleções do Museu – pela sua tridimensionalidade, exige mais espaço e maior encenação, e a sua maior relação com a arquitetura, possibilita um percurso continuado e unitário. Constituirá a exposição mais longa da diacronia do monumento, desde o século de Augusto à atualidade. Esta zona do Museu é um dos pontos altos da visita.
A componente de obra nova desta intervenção, que corresponde à ampliação de espaços, aplicou-se à fachada poente do edifício existente. Permitiu dotar o museu de áreas de duplo pé direito, para albergar peças de grandes dimensões, facilitar a circulação e acessibilidade de pessoas e obras de arte, libertando o edifício matricial das áreas técnicas.
A apresentação de alguns núcleos museológicos, com especial ênfase para a escultura, pela presença integradora da Capela do Tesoureiro para a escultura retabular renascentista, ou pela forma de apresentação da Última Ceia de Hodart, em ambiente quase oficinal, é particularmente inovadora. Neste último caso, o visitante é convidado a seguir as várias fases do trabalho de restauro desta obra e a participar, de forma interativa, neste processo de descoberta.
A comunicação com os diferentes públicos, visando uma maior acessibilidade intelectual constitui ainda o problema crucial da museologia e encontra-se em qualquer parte do mundo em fase experimental. Com efeito, as novas tecnologias abrirão novos horizontes e possibilidades mas, não podem ser utilizadas como um fim em si mesmas, por isso, o museu aposta fortemente na sua introdução na exposição permanente, de forma bem programada e original.
O Museu reabriu, embora parcialmente, em 2009, apresentando como única estrutura visitável o Criptopórtico, que passará a constituir um circuito autónomo de visita. Pela primeira vez, o público teve acesso à totalidade da construção, enriquecida pelas recentes descobertas e pelas novas interpretações que elas possibilitam, as quais também contemplam o fórum, de que já não restam vestígios à superfície, mas que é agora apresentado em reconstituição 3D.
Instalado num edifício carregado de história, ele próprio uma peça museológica, o museu passa, a partir de agora, a dispor das condições indispensáveis, para ser entendido como espaço de encontro entre a memória e a contemporaneidade.
Ana Baltazar Alcoforado
Diretora do Museu Nacional de Machado de Castro
MUSEU E COLEÇÕES
Em 1911, por decreto de 26 de maio, o Governo da 1ª República criava, em Coimbra, um dos primeiros museus estatais do país, fora da capital. Atribuiu-se-lhe o nome de Machado de Castro por proposta do diretor fundador, António Augusto Gonçalves, como forma de homenagear esse grande vulto da escultura nacional, nascido em Coimbra em 1731, e com o qual se identificava numa veemente preocupação didática.
Maioritariamente, as coleções procedem da região de Coimbra, dos mosteiros, conventos e igrejas extintos politicamente em 1834, mas também dos colégios universitários e do bispado.
O seu património móvel constitui diversos núcleos museológicos de indiscutível importância, sobretudo pela qualidade estética de um elevadíssimo número de espécies – elevando-se a mais de uma centena as peças classificadas como de Interesse Nacional, designadas também por ‘Tesouros Nacionais’. Entre as coleções, destacam-se as de ourivesaria e escultura, constituindo, esta última, um núcleo de referência obrigatória, sendo o museu frequentemente identificado como o museu da escultura nacional.
Este acervo compreende valiosas peças-chave da produção nacional e importações que são verdadeiros testemunhos emblemáticos do que foram a ação mecenática da Coroa portuguesa e o poder temporal da Igreja ao longo dos séculos representados.
Em certo sentido, pode considerar-se que estes núcleos, a que se juntam outros igualmente importantes de pintura, cerâmica e mobiliário, têxteis e tapeçaria, formam um conjunto fechado, unitário, identitário. Uma identidade que pode considerar-se sublinhada pelo próprio edifício. O destino dado ao edifício, convertendo o outrora Paço Episcopal em Museu, não poderia ser mais afortunado. De facto, em poucos museus é tão estreita a harmonia entre o edifício e as coleções. Podemos mesmo considerar que, no plano artístico, o edifício constitui a primeira ‘obra de arte’ da coleção.
Mas esta dualidade manifesta-se ainda no plano das ideias e das instituições, dada a vocação predominantemente religiosa do edifício e das coleções. A intensa atividade doutrinal, ideológica e mecenática do local teve a sua tradução plástica e visual nas obras de arte que se contemplam no Museu – desde as representações simbólicas do românico ao intimismo do gótico tardio, desde o naturalismo do séc. XVIII, até à exaltação mística das esculturas barrocas.
Essa afinidade básica entre edifício e coleções expressa-se ainda em pequenos aspetos ou detalhes, em pequenos encontros ou confluências: a ausência da separação entre o sagrado e o profano, entre o sério e o cómico, tão próprio dos clássicos e da mentalidade renascentista, expressa em seres fantásticos nos portais, nos relevos escultóricos, na pintura, na tapeçaria.
As coleções remetem para todos os outros monumentos importantes da cidade, num cruzamento de referências e percursos, em muitos sentidos, enriquecedor.
O novo projeto expositivo
No recente projeto expositivo, procurou-se combinar a natureza e cronologia das coleções, vastas e diversificadas, com a índole de cada espaço, não raro, marcado pela simultaneidade de arquiteturas de diferentes épocas. Assim, de um modo dinâmico, o visitante descobre um sem número de tesouros artísticos.
No subsolo, encontra o criptopórtico romano. No ambiente mágico das galerias abobadadas, pode ver a lápide que, em 1888, confirmou a localização de Aeminium e os retratos imperiais descobertos na escavação.
No piso 0, expõe-se a escultura portuguesa, do séc. XI ao séc. XVI, enquadrada pelas sucessivas presenças arquitetónicas da Igreja de S. João de Almedina e pela capela renascentista que em 1967 foi transferida para este local. À exceção do monumental crucifixo de madeira, datado do séc. XIV, todas as peças são lavradas em pedra. É uma coleção excelente em relação a qualquer dos períodos ilustrados, com peças como o Agnus Dei da escola românica de Coimbra; o Cavaleiro Medieval e a Virgem do Ó, de Mestre Pero; o Cristo Morto no túmulo; o Anjo Heráldico de Diogo Pires-o-Moço; a Virgem da Anunciação atribuível ao círculo de Chanterenne. Esta coleção reúne, ainda, o maior e mais significativo conjunto de obras da oficina de João de Ruão, incluindo a produção retabular.
No piso -1 mostra-se o conjunto escultórico de terracota – Última Ceia - concluído em 1534, por Hodart para o refeitório do Mosteiro de Santa Cruz. Apesar de barbaramente mutilada, esta obra única da arte portuguesa apresenta-se agora surpreendentemente recuperada.
Um piso abaixo, encontra-se a escultura de madeira dos sécs. XVII e XVIII, da qual se salientam o monumental retábulo de N. Senhora da Conceição, de Manuel da Rocha, a Pietá de Frei Cipriano da Cruz, Sta. Clara e S. Francisco, de autor desconhecido, mas preciosos testemunhos do período áureo do barroco nacional.
No mesmo edifício, no piso 1, situa-se a galeria dedicada às obras importadas do norte da Europa, graças ao mecenato concedido por D. Manuel e D. João III, bem como as aquisições no mercado livre ou as encomendas feitas a Olivier de Gand pelo bispo D. Jorge de Almeida.
No corpo norte do paço, apresenta-se pintura portuguesa, datada do séc. XV ao séc. XVIII. A emblemática Senhora da Rosa e o tríptico de Santa Clara são as peças mais antigas da coleção. Vicente Gil e seu filho Manuel Vicente, Cristóvão de Figueiredo e o seu parceiro Garcia Fernandes ilustram as produções de Coimbra e Lisboa da primeira metade do séc. XVI.
Na segunda metade estão representados Manuel Vicente e Álvaro Nogueira, os maneiristas, Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, Bento Coelho da Silveira e Josefa de Óbidos cujas obras se inscrevem já claramente no período proto-barroco e André Gonçalves e Pedro Alexandrino que ilustram o barroco pleno.
Segue-se a coleção de ourivesaria, portuguesa e estrangeira, distribuída por três núcleos: o primeiro, medieval, compreende 17 peças de valor tão especial como o cálice de D. Gueda Mendes ou o legado da Rainha Santa ao Mosteiro de Santa Clara. O segundo reflete a lenta assimilação do espírito renascentista e a rápida abertura ao maneirismo. Por fim, o núcleo mais extenso e diversificado em termos de tipologias funcionais, o que se explica pelo aparato cenográfico de que os atos litúrgicos se revestem a partir do séc. XVII e que atingem a máxima expressão com o triunfo do barroco.
Na ligação ao corpo seguinte, situa-se a secção de cerâmica, inteiramente dedicada à faiança portuguesa, da segunda metade do séc. XVI ao séc. XIX.
Um dos produtos a destacar, pela sua originalidade, é o pequeno grupo de azulejos identificado como elementos de um monumental conjunto para ensino de geometria, física e astronomia no Colégio das Artes.
Dois azulejos de fabrico coimbrão e os desenhos de G. Elsden, que eles reproduzem, em conjunto com o livro, relativo às obras da Universidade de Coimbra, evocam a Reforma dos Estudos devida ao Marquês de Pombal.
Nos corpos este e sul, aqueles em que a escala e a articulação das divisões da residência episcopal se manteve menos alterada até aos dias de hoje, apresentam-se as coleções de têxteis e mobiliário. Nas primeiras salas, é possível seguir a evolução da paramentaria religiosa, do séc. XVI ao séc. XVIII.
Na antiga capela episcopal encena-se, com peças de ourivesaria, paramentaria e mobiliário, o ambiente que terá conhecido em finais do séc. XVIII.
Nos espaços seguintes, sublinha-se a importância da persistência das tradições culturais e do seu encontro com outras culturas para a criatividade artística. Tetos artesoados de fabrico mudéjar, tapetes persas, exemplares holandeses de guadamecil, arcas, cofres e cadeiras portuguesas com revestimento de couro lavrado, recordam a matriz islâmica.
Uma cómoda e um jogo de canapé e cadeiras, do 2º quartel do séc. XVIII, evocam a influência francesa no mobiliário e nos hábitos dos portugueses, especialmente no reinado de D. José.
No final desta secção, uma coleção de esculturas de marfim, contadores, mesas, panos bordados e uma estante de missal pertencente às chamadas “lacas jesuíticas”, testemunham as produções luso-nipónica e indo e sino-portuguesa.
Ainda no corpo sul, podem ver-se algumas das melhores peças que Camilo Pessanha e Teixeira Gomes doaram ao MNMC.
Ana Baltazar Alcoforado
Estudou História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e foi conservadora responsável pelas coleções de Escultura e Mobiliário do Museu Nacional de Machado de Castro. Especializou-se em Gestão da Administração Pública e é autora de diversas publicações relativas às coleções do Museu e outras publicações especializadas, incluindo a obra Frei Cipriano da Cruz em Coimbra (Coimbra, 2003) da qual é coautora. Participou, como investigadora e/ou comissária, na produção de diversas exposições, na conceção de guiões e de catálogos e outro material de divulgação. Realizou ações de formação, apresentou comunicações e orientou projetos de investigação, no âmbito da História da Arte (arquitetura e escultura) da Museologia e da Gestão do Património. É, desde 2008, diretora do Museu Nacional de Machado de Castro.
outubro a março – das 10:00h às 12:30h e das 14:00h às 18:00h
abril a setembro – das 10:00h às 18:00h