Património Material
Igreja de Miranda do Douro
A antiga Sé de Bispado, fundada em 1552, constituia uma das três catedrais das novas dioceses criadas por D. João III. O seu primeiro bispo foi D. Toríbio Lopes, esmoler da rainha D. Catarina, natural da cidade de Béjar, na província de Salamanca. A traça do edifício deve-se ao arquitecto Gonçalo de Torralva, segundo uma carta episcopal endereçada ao rei, em 1547, e o desenho do interior da igreja é, provavelmente, da autoria de Miguel de Arruda, sendo a obra dirigida por Francisco Velázquez. O local escolhido para a construção corresponde provavelmente ao da antiga Igreja de Santa Maria (edificação que se devera a D. Dinis). Um amplo adro lageado e balustrado antecede este monumento de grande envergadura. O edifício religioso mostra linhas sóbrias e verticais, com uma fachada renascentista flanqueada por duas altas torres rectangulares, com a parte superior vazada por sineiras, onde a simetria geral, é aí, perturbada devido à deslocação do vão à direita da frontaria e, por outro lado, pelo seu estreitamento. Esta assimetria é reforçada pela elevação de uma outra sineira, no eirado da torre, encostada ao parapeito e encimada por cinco pináculos, ocultando a pequena sineira cilíndrica que se encontra ao centro do eirado e igual à da outra torre ex-gémea. O corpo central da fachada é percorrido superiormente por uma platibanda de balustres sobrepujando o portal maneirista, justaposto em dois andares, tendo a porta um arco pleno, liso, e o janelão, que lhe fica por cima, uma moldura trabalhada singelamente; encontram-se ladeados por dois pares de colunas cada um. O frontão triangular que encima o conjunto é rematado por uma cruz de pedra que vence a balustrada e sobre a qual se eleva, ainda, uma outra cruz de ferro forjado. Rasgadas na fachada, distribuem-se de maneira uniforme, aos lados do portal, oito janelas, sendo de menores dimensões, as quatro do nível inferior. A planta, cruciforme, é formada por três naves; os arcos torais definindo cinco tramos e sustentados por pilares toscanos, formados cada um por quatro colunas adossadas, suportam uma ampla abóbada de granito, nervada. O transepto, com quase as mesmas proporções da nave central, tem cobertura do mesmo tipo e também cinco tramos. Entre diversas obras de valor artístico salienta-se o altar-mor com um excelente retábulo maneirista formado por notável conjunto de imagens bíblicas, de vulto e em alto-relevo, obra concluída em 1614, devido ao mestre galego Gregório Fernández, considerado por alguns como expoente máximo da Escola de Valladolid. Este trabalho é considerado como o primeiro sinal do barroco entre nós, visível nas imagens dos Apóstolos e da Assunção da Virgem. O retábulo contém imagens da autoria de outros artistas e está disposto em dois níveis, no superior está um Cristo Crucificado, tendo a Seus pés Nossa Senhora e S. João Evangelista; no frontão a figura de Deus Pai. Além deste, merece destaque o trabalho no altar em talha barroca, do Senhor da Piedade, onde é possível admirar-se um belíssmo Cristo na Cruz. Vários outros altares ostentam boa talha, pinturas e esculturas. O templo possui ainda um magnífico órgão da época joanina e um cadeiral maneirista, do séc. XVI. Outro motivo de interesse é a ingénua imagem do Menino Jesus da Cartolinha, de meados do século passado, dá corpo a uma lenda que remonta ao séc. XVII, mais concretamente as Guerra da Restauração, e que conta que um rapazinho de espada em punho (mais tarde reconhecido como sendo o Menino Jesus, por ter desaparecido), percorreu as ruas da cidade incitando os habitantes a fazerem frente aos espanhóis. A imagem encontra-se vestida de ricos e variados trajes (inclui uma cartola e uma espada à cintura) que, segundo a tradição popular, foram oferecidos por uma dama, como prova de amor e saudade pelo noivo que morrera numa batalha. Nas traseiras da sé entre jardins, podem ver-se os restos do antigo Paço Episcopal, destruído por um incêndio no início do séc. XVIII.
GIL, Júlio e CALVET, Nuno, As mais belas igrejas de Portugal, vol. I, Verbo, Lisboa, 1988.
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OLIVEIRA, Manuel Alves de, Guia Turístico de Portugal de A a Z, [Lisboa], Círculo de Leitores, 1990.