Património Material
Igreja Matriz da Luz de Tavira
A autoria da igreja foi recentemente atribuída por Vítor Serrão, baseado em documentação fidedigna, ao arquitecto quinhentista Miguel de Arruda. Erigida durante o reinado de D. João III, conserva quase totalmente a traça primitiva, tendo a torre sineira sido refeita após o terramoto de 1755. Estilisticamente pode considerar-se do primeiro Renascimento clássico, apesar de conter um ou outro pormenor anterior ou mais recente. A frontaria, virada a poente, é rematada por um triplo frontão debruado com uma moldura estreita, tendo ao centro um arco pleno, (encimado por uma cruz de ferro já existente em 1651), que repousa sobre duas cornijas, cada uma com o seu pequeno frontão triangular muito agudo, ligados ao arco central por ornatos lavrados, constituídos por duas palmas de grandes dimensões, que se abrem a partir de um enrolamento em espiral. Esta solução, pouco usual, obedeceu à necessidade de esconder os telhados das naves laterais. Destaca- se na frontaria o pórtico rectangular renascença, de inusitada decoração, com várias molduras enquadradas por duas finíssimas pilastras jónicas e frontão triangular com o tímpano rasgado por um óculo circular. Do frontão eleva-se um espaldar em cantaria à vista, que termina, na face superior, em curva e contracurva sinuosa, com volutas nos dois extremos. O espaldar integra dois plintos, na vertical das pilastras, que suportam urnas esféricas donde saem labaredas. Na parte central, um nicho rectangular cujo entablamento é constituído por uma alta arquitrave, rematada por um semicírculo concheado que sustenta, por sua vez, uma caveira e tíbias esculpidas, abriga uma imagem de jaspe de Nossa Senhora da Luz. Ladeando o nicho, e unindo-o aos plintos, dois invulgares ornatos desenham volutas. Separadas da composição do portal, mas junto das urnas esféricas, duas gárgulas terminam em cabeças de leão. Na fachada sul abre-se um portal de gosto manuelino, provavelmente tardio. A verga da porta é em arco abatido e integra duas finas arquivoltas lisas, assentes em capitéis de decoração vegetalista, ao que se sobrepõem duas outras arquivoltas em arco de carena, sendo a exterior, mais grossa que as restantes, em corda torcida, cujo arco conopial termina em florão. Entre estas duas arquivoltas destaca-se um friso de parras e cachos de grande efeito decorativo. De acordo com testemunhos documentais, na fachada norte abria-se outro portal, diferente daquele que hoje se pode ver, de modesto desenho classicista. Acima dos beirais das fachadas sul e norte correm pequenas ameias com os merlões constituídos por pináculos. A torre sineira já referida é coberta por um coruchéu ogival e nos seus cunhais erguem-se pináculos. O seu interior é prenchido por uma escada helicoidal, de perfeito traçado. O vasto interior é de três naves de quatro tramos, que originam um espaço unitário de excelentes proporções. Os arcos de volta redonda são suportados por altas e esbeltas colunas com capitéis sóbrios, que também sustentam as nervuras e arcos da abóbada. As naves são cobertas por abóbadas artesoadas: a central, de volta redonda, e as laterais, de ogiva, arcaísmo que se deve provavelmente à melhor forma de cobrir estas naves, muito mais estreitas que a central, e todas com os arranques dos arcos à mesma altura. Nas naves laterais, as nervuras e arcos do lado da parede partem de mísulas. Numa das colunas, próxima da porta principal, encontra-se uma invulgar pia de água benta, circundante. Duas outras pias servem as entradas laterais: junto da porta lateral manuelina há uma pia de água benta do mesmo estilo e, perto da outra porta lateral há uma pia de mármore branco de feição classicista. Na capela-mor, onde existem duas pequenas portas manuelinas e a cobertura é de abóbada nervada, o retábulo, maneirista, em talha dourada de fino lavrado, data do séc. XVI e enquadra o nicho com a imagem de Nossa Senhora da Luz, e quatro tábuas, provavelmente já seiscentistas, "A Adoração dos Pastores", "S. Pedro e S. Paulo", "O Papa S. Gregório Magno" e "Santo Estevão". Nos degraus da capela-mor e cobrindo o pavimento dispõem-se alguns azulejos quinhentistas do tipo aresta hispano-árabes, de fabricação sevilhana tardia. Nos altares secundários podem ver-se imagens de várias épocas, algumas representando figuras de devoção popular. Destaca-se ainda uma custódia, anterior a 1621, do tipo cálice-templete.
GIL, Júlio e CALVET, Nuno, As mais belas igrejas de Portugal, vol. I, Lisboa/S. Paulo, Editorial Verbo, 1988.