Teatro
Evocação dos Teatros de Portalegre
A evocação de Portalegre como expressão, inspiração ou localização de uma tradição teatral alargada, envolve necessariamente, e desde logo, a referencia a José Régio e a Amélia Rey Colaço – por razões obviamente diversas mas em certos casos convergentes.
José Régio, como se sabe, foi durante décadas professor do Liceu de Portalegre. Não espanta por isso que grande parte da sua obra tenha sido concebida na cidade. Aí se integra a dramaturgia, com o circunstancialismo de três peças referenciais.
Em primeiro lugar, a criação textual e de espetáculo da sua primeira peça conhecida, “Sonho de uma Véspera de Exame”, escrita e representada em 1935 por alunos finalistas do Liceu no Teatro Portalegrense. E é de assinalar que entre esses finalistas-atores estava o futuro grande ator Artur Semedo: aí se terá iniciado uma notável carreira.
E por outro lado, no Teatro Portalegrense, Amélia Rey Colaço efetuou a sua ultima aparição em cena, em 1985, no espetáculo único de “El-Rei Sebastião”, de José Régio, evocação-homenagem ao dramaturgo, falecido em 1969.
E finalmente: Benilde, protagonista da peça de Régio “Benilde ou a Virgem-Mãe”, publicada em 1947, ouve as suas vozes numa casa “em qualquer solidão do Alto Alentejo”, onde se situa “uma casa sinistra”...
Assinale-se então que em 1858 inaugura-se em Portalegre o Teatro Portalegrense, projeto do Arquiteto José de Sousa Larcher: um exemplar notável da geração de teatros que foram sendo construídos no interior do país. Tinha entretanto precedentes: José Martins dos Santos Conde refere pelo menos duas salas, ambas com nome de grandes atrizes da época: Emília das Neves, denominada a “linda Emília” por Brito Camacho, e Beatriz Rente, esta “de olhos grandes e lânguidos” escreveu então Sousa Bastos.
Mas em 29 de setembro de 1953, Amélia e a Companhia Rey-Colaço – Robles Monteiro inaugura em Portalegre o Cine-Teatro Crisfal, projeto do Arquiteto Domingos Alves Dias e do Engenheiro Raul Dias Subtil. E o então já decadente Teatro Portalegrense acentua essa decadência: nos anos 80, um grupo desportivo nivelou o palco e a plateia, e “transformou” o teatro num insólito ringue de patinagem rodeado de frisas e camarotes!
Ora bem: em 2007 abre ao público o Centro de Artes e Espetáculos de Portalegre, segundo projeto dos Arquitetos Manuel Gonçalves e Patrícia Rocha Leite. Trata-se de um edifício de espetáculo, notável pela modernidade e pela dimensão, pois comporta um conjunto de dois auditórios de 500 e de 170 lugares, o que permite uma rentabilização que a proximidade com Espanha de certo modo internacionaliza.
É de assinalar aliás um certo contraste ou heterogeneidade arquitetónica nas zonas de espetáculo. E desde logo porque o Centro Cultural comporta como vimos duas áreas distintas. Tal como já escrevi, o auditório maior retoma, de certo modo, e dentro de certos limites, a tradição da sala à italiana, aqui dominada por uma decoração moderna que ainda assim evoca certa linha de continuidade. E no exterior, um conjunto arquitetónico de corpos sobrepostos que confere uma nota de modernidade no conjunto urbanístico em que o Centro de Artes e Espetáculos se edificou.
Evoco, como já tenho feito, duas referências, das inúmeras que na sua obra, José Régio faz a Portalegre, cidade onde viveu dezenas de anos.
Desde logo, o longo poema intitulado precisamente “Toada de Portalegre”, publicado em “Fado”:
“Em Portalegre, cidade/ do Alto Alentejo, cercada/ De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,/ Morei numa casa velha,/ Velha, grande, tosca e bela,/a qual quis como se fora/ Feita para eu morar nela”. E seguem mais 228 versos – “verso musical, de rumores solitários, de angústias a meia voz”, como nos diz Urbano Tavares Rodrigues.
E no dia 5 de março de 1965, José Régio escreveu: “De regresso enfim a Portalegre; e que alívio! Retorno a minha solidão tão cheia, depois daquela brilhante balbúrdia tão vazia, exceto quendo, apesar de tudo, a minha solidão nela se insinuava”.
E acrescento que hoje, José Régio não teria já qualquer pretexto para falar da “solidão” de Portalegre, a não ser da sua própria solidão!
Duarte Ivo Cruz