Teatro
Cine-Teatro Eden
O que resta do Eden?
A pergunta é pertinente, e mais se justifica no quadro das visitas que o Centro Nacional de Cultura está a efetuar no eixo urbano central de Lisboa, e designadamente na Avenida da Liberdade.
O que resta então do Eden? Sem dúvida apenas a fachada, tal como “sobreviveu” às sucessivas alterações/demolições deste notável Cine-Teatro que vinha do início do século passado, e que, durante décadas, manteve, em sucessivas adaptações e alterações, uma estrutura interna de espetáculo e de cultura, entretanto desaparecida: ao menos a fachada subsiste.
Evidentemente, há, neste processo, componentes e variantes que transcendem em si mesmas os critérios de conservação arquitetónica: mas no caso do Eden-Teatro e Cinema, amplamente se justificava essa conservação, desde logo pela qualidade arquitetónica, insista-se nela, mas também pela expressão urbana, social e cultural decorrente da tradição e da própria localização.
E não se diga que o eixo Rossio-Restauradores-Avenida de Liberdade merece hoje menos atenção e menos consideração. Os programas em curso do CNC são nesse aspeto extremamente relevantes.
O Éden, ou a área urbana que ocupa, começou por albergar uma sucessão de espaços de vocação de espetáculo, designadamente, de teatros mas também de cinemas, em edifícios provisórios desde o início do século passado. José Manuel Fernandes refere «uma sala de cinema “fim de século” (em 1918)» (in “Cinemas de Portugal” ed. INAPA 1995); Margarida Acciaiuoli por seu lado refere que «em 1928, uma vistoria da Inspeção Geral dos Teatros, empenhada na sua ação fiscalizadora, deteta anomalias no Eden-Teatro, um recinto inaugurado em 25 de setembro de 1914, na Praça dos Restauradores, depois de três pareceres negativos que consideravam a sala de teatro- cinema como “uma obra desastrada e perigosa» (in “Os Cinemas de Lisboa – Um Fenómeno Urbano de Século XX” Bizâncio ed. 2012).
A primeira peça em 1914 foi “O Burro do Senhor Alcaide” de Gervásio Lobato. E refira-se que em 1911 tinha sido inaugurado no local, um pequeno cinema denominado Chantecler, integrado no antigo Eden e mais tarde “autonomizado” com a denominação de Cinema Restauradores. Como tal funcionou de 1935 a 1968.
O certo é que existiu no local uma tradição de recintos mais ou menos improvisados para espetáculos de teatro e/ou de cinema. E essa tradição ganha um registo consolidado em finais da década de 20 quando Cassiano Branco projeta e inicia as obras de construção deste ambicioso cine-teatro na Praça dos Restauradores.
Só que o projeto de Cassiano acaba por ser alterado logo na fase inicial dos trabalhos de construção. E de tal forma que, em 1931, o arquiteto desliga-se da empreitada, entretanto já em fase de iniciação no terreno. E as obras prosseguem sob a orientação e de acordo com projetos revistos pelo arquiteto Carlos Florêncio Dias, o qual, note-se bem, não renega mas adapta a traça original, com alterações tanto internas como na fachada mas sobretudo viabilizando a construção e assim salvando o investimento respetivo, que já era significativo…
Independentemente do contributo arquitetónico de cada um dos arquitetos, o que se deve enfatizar é a grandiosidade e a qualidade exterior do edifício, e a capacidade de adaptação do interior, face à necessidade de ajustar a estrutura da sala de espetáculos aos compromissos anteriores no que respeita à estrutura comercial pré-existente.
Ou por outras palavras: havia de conciliar um grande Cine-Teatro com os estabelecimentos comerciais já existentes na zona térrea do edifício, que deveria corresponder ao foyer de entrada e de acesso, isto, na fase de início da construção. E essa circunstância determinou uma estruturação interna do Cine-Teatro, designadamente na “deslocação” da plateia para uma área ao nível de um primeiro balcão: e as frizas ao nível de camarotes. E a arquitetura interior de grandes salas de espetáculo da época mantinha a estrutura tradicional de frisas, camarotes, plateia e um ou dois balcões: assim foi pois com o Eden, mas à custa de uma estrutura complexa de acesso através de escadarias e elevadores.
Entretanto, a fachada valorizou sobremaneira a zona urbana, e conciliou-se totalmente com o estilo arquitetónico diferente do vizinho Palácio Foz. O friso de dez baixos relevos de Leopoldo de Almeida valorizou a fachada do Eden: mas a própria estrutura arquitetónica, com a sucessão de janelões, singularizou o projeto e valorizou também a Praça dos Restauradores.
E não obstante o Eden ter sido, ao longo de décadas, sobretudo cinema, não obsta a que lá se tenha produzido teatro de qualidade. E aí, evoco designadamente, a partir de um texto que na época publiquei, a realização de temporadas de teatro infantil e juvenil, que se conciliavam com a exploração cinematográfica dominante. Recordo a propósito a critica que escrevi em 1968, sobre uma peça infanto-juvenil de Norberto Ávila, “A Ilha do Rei Sono” encenada por Couto Viana, interpretada por Maria Albergaria, Maria Emilia Batista, Luis Cerqueira, Eduardo Silveira e outros, com cenários de Juan Sotulho: isto no Eden, aí realmente o Cine-Teatro que a designação da fachada ainda hoje mantém.
Mas desde 1993 que não é nem cinema nem teatro!
O que resta então do Eden?
Duarte Ivo Cruz