Teatro
Teatros de Empresas: Nova evocação do Teatro da Vista Alegre
Há cerca de um ano, referimos aqui a recuperação e próxima reabertura do Teatro da Vista Alegre de Ílhavo, então em processo de recuperação pela Câmara Municipal. Recordamos então que o edifício data de 1826, mas foi objeto de sucessivas obras de restauro, assinaláveis pelo menos a partir de 1851. E aí, referimos ainda que se trata de um exemplo referencial de sala de espetáculos construída e animada, ao longo hoje de quase 200 anos, quase todos como extensão da atividade de uma empresa, depois como centro da politica de património e de cultura da Câmara Municipal.
Ocorre que Ílhavo definiu agora um programa de ação cultural denominado “Projeto 23 Milhas”, que integra designadamente a Casa da Cultura e o Laboratório das Artes e o Teatro da Vista Alegre.
No artigo anterior, citamos a propósito um estudo publicado pela empresa, designado “A Fábrica da Vista Alegre - O Livro do seu Centenário, 1824-1924”. Aí se evoca a muito meritória tradição de edifícios e atividades de espetáculo.
Recorde-se:
«O primeiro teatro foi demolido e o que se construiu em 1851 tinha o pano-de-boca e o teto pintados por Rousseau. Quando foi aumentado, foram substituídas essas pinturas, que infelizmente desapareceram. O atual pano foi pintado por João Cazeaux, desenhador na Fábrica (…). No teatro representam empregados e operários da fábrica, que têm levado à cena muitas comédias e operetas. “Os Milagres de Santo António” é uma das peças que mais sucesso tem tido. Já se representou o “D. César de Bazan”. Alguns operários e operárias recitam poesias e monólogos»…
Esta “intervenção teatral” de uma empresa merece ser evocada. E nesse sentido, novamente remeto para o livro que intitulei “Teatros de Portugal – Espaços e Arquitetura”, coedição do CNC e da Mediatexto (2008), prefaciado por Guilherme d’Oliveira Martins, onde se referem algumas salas de espetáculo construídas no âmbito de empresas ou entidades ligadas, de uma forma ou de outra, à atividade económica industrial.
Citei designadamente, o chamado “Teatrinho” de Peso da Régua, do início do século passado, ainda ostentando sinais e elementos de uma certa Arte Nova, o qual em 1912 estreou também o então chamado animatógrafo. E na mesma linha de ligação a meios empresariais, referi diversos exemplos que evidentemente não esgotam nem de longe a convergência empresarial-cultural. Uns são mais antigos, outros muito mais recentes. Alguns deles, aliás, têm sido referidos nesta série de artigos.
Vejamos então:
Desde logo, a adaptação da antiga fábrica da Empresa de Moagem, no Fundão, edificada a partir dos anos 20 do século passado, e agora convertida num conjunto de duas salas de espetáculo, projeto do arquiteto Miguel Correia, equipamento inaugurado em 2007 com a designação de Moagem - Cidade do Engenho e Artes.
Mais antigo, o Teatro Stephens, da Fábrica dos Irmãos Stephens da Marinha Grande, datado de 1941, numa tradição industrial (e cultural) que vem do século XVI e foi restruturada por iniciativa do Marquês de Pombal, isto em 1748!... Daí para cá muita coisa obviamente mudou, mas manteve-se uma tradição: o Teatro Stephens atual data de 1940.
E temos ainda o Teatro Mascarenhas Gregório da chamada Fábrica do Inglês em Silves, esta fundada em 1894 e que, junto das instalações fabris propriamente ditas, instala em 1909 o Teatro (e cinema desde 1911), projeto do arquiteto Júdice da Costa, entre a Arte Nova e a chamada arquitetura do ferro, hoje também recuperada pela Câmara Municipal com intervenção do arquiteto José Pedro Castanheira e reinaugurado, como sala de espetáculos, em 2005.
E a propósito desta representatividade dos Teatros na expressão urbana e nas iniciativas locais, transcrevo uma passagem do Prefácio de Guilherme d’Oliveira Martins, acima citado. Aí se referem “as perspetivas patrimonial, arquitetónica, funcional, histórica e pedagógica e teatral, o que abre pistas muito fecundas para o melhor conhecimento do património cultural, quer para uma melhor compreensão da história do teatro em Portugal. E como é bem de ver, consegue-se deste modo encontrar a herança patrimonial como um fator de incentivos e de estímulo para iniciativas de futuro” (in “Prefácio – Teatros: Lugares de Vida” ob. cit. pág. 7).
E assim é com este Teatro da Vista Alegre, hoje municipalizado.
Designadamente, aludi no texto acima referido, ao teto com uma alegoria de Apolo e as Musas, e ao pano de boca com uma suposta evocação de Macau, tudo pintado por um mestre de oficinas da fábrica, de seu nome Victor Rousseau. Em 1905, havia aliás outro pano de boca, da autoria de João Caseux, também funcionário da empresa. E finalmente, antes do restauro atual, refiro um painel de outro mestre de oficina, Palmiro Peixe de seu nome.
O Teatro da Vista Alegre volta então à atividade. Será interessante ver o que se passa com outros teatros criados e edificados em empresas.