Teatro
Os Teatros Oitocentistas – Evocação de Diogo Bernardes em Ponte de Lima
Aqui temos encontrado e analisado sucessivas gerações de teatros, cinemas e cineteatros ao longo do país, numa expressão contínua de centros de espetáculo: e é interessante verificar como a arquitetura teatral soube atualizar-se, em duas vertentes complementares: ou pela construção de edifícios originalmente vocacionados para o espetáculo, que em Portugal, no que foi construído e sobreviveu, origina-se o Teatro de São Carlos, inaugurado como sabemos em 17….; ou pela recente instalação de áreas de espetáculo em edifícios de vocação habitacional ou comercial, como ocorre na maior parte das mais recentes salas chamadas “de bolso”, em espaços antes vocacionados para garagens. E uns e outros temos aqui referido.
Ora, é caso para dizer: sendo certo que qualquer espaço de espetáculo é em si mesmo meritório, a recuperação de velhos teatros históricos, em meios socio-urbanos mais pequenos e mais descentralizados, constitui fator de relevo tanto no aspeto da produção cultural em si mesma, como no aspeto da conservação de edifícios valorizadores da tradição urbana dos meios respetivos.
Referimos hoje, precisamente, mais um exemplo flagrante desta valorização urbana decorrente da sobrevivência e recuperação de um teatro oitocentista, mantido na essência geral da sua arquitetura oitocentista, mas agora utilizado numa expressão constante e bem atual de espetáculo. Trata-se do Teatro Diogo Bernardes de Ponte de Lima, projetado a partir de 1893, inaugurado em 19 de Setembro de 1896 e adquirido pela Câmara Municipal em 1992: voltou a funcionar, depois de obras de recuperação, alguns anos depois.
Segundo Sousa Bastos, o teatro terá sido “edificado por meio de ações, todas elas passadas entre os habitantes da vila”, assim mesmo: o projeto é do Arquiteto (ou engenheiro, segundo sousa Bastos) António Adelino de Magalhães Coutinho, e segue a estrutura dos edifícios de espetáculo da época, que, neste caso ainda hoje, em boa hora, se conserva: plateia, frisas, duas ordens de camarotes, geral e galeria.
É o que se lê numa publicação da Câmara Municipal, abaixo citada, e que historia e documenta o historial do Teatro, assinalando a reabertura em 4 de março de 1999. E vale a pena recordar o anúncio de inauguração, data como referimos em 19 de setembro de 1896. O espetáculo é de assinalar: nada menos do que «a ópera-cómica portuguesa sob a direção de Francisco Cruz (com) a ópera cómica em 3 atos e quatro quadros “Os Sinos de Corneville”» de… …A estrutura interna do teatro e preços respetivos, que vale a pena recordar, - é como segue:
«Frizas da frente com 6 entradas, 3$000. Ditas de lado, idem ,2$5000. Camarotes de frente idem, 3$000. Ditos de lado, idem, 2$5000. Ditos de 2ªordem, idem, 1$5000. Superior 500. Geral 400. Galerias de frente 240. Ditas de lado 140. Entradas avulso, 200 reis»… E recorda Adelino Tito de Morais, na publicação citada, que o cinema mudo inicia-se no Teatro Diogo Bernardes em 1921, e o cinema sonoro em 1934.
Nos anos 80 o Teatro encerra. Mas em boa hora a Câmara Municipal adquire-o e a partir de 1996 inicia a reabilitação, segundo projeto do arquiteto Luis Faro Viana, que descreve as adaptações efetuadas: e sempre em boa hora, acrescentamos nós, essa reabilitação/modernização respeitou e recuperou a traça inicial desde teatro oitocentista, de excelente qualidade.
Finalmente: Diogo Bernardes dedicou ao Rio Lima uma obra poética notável e uma expressão literária que em si mesma valoriza, hoje como no século XVII, a cidade que o inspirou. Pois, tal como escreveu Ester de Lemos no Dicionário de Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira, “o que melhor distingue Bernardes é a melancolia vaga e doce, um pouco à Bernardim; a aceitação cristã resignada, da morte entendida como porta para a vida; a profunda religiosidade que o aproxima por vezes do seu irmão Frei Agostinho da Cruz” (pág. 98).
E o próprio Diogo Bernardes evoca e qualifica o Lima em numerosos poemas: “Lima, que neste vale murmurando/Em quanto o sol se esconde em Ocidente/ A tua natural vizinha gente/ Fazes adormecer com teu som brando”; Águas do claro Lima que corria/ Pera mim, noutro tempo, claro e puro,/ eu correr vejo agora turvo, escuro,/ Quem afogou em vós minha alegria?”; “Num solitário vale fresco e verde/ Onde como veia doce e vagarosa/ O Vez, no Lima entrado, o nome perde.”: ou “Cantava Alcido um dia ao som das águas/ Do Lima, que mais brando ali corria”…
Duarte Ivo Cruz