Teatro
A Tradição Setecentista do Teatro Variedades
É interessante constatar que, no ponto de vista histórico, o Teatro Variedades, edificado em 1923 no Parque Mayer e hoje praticamente abandonado na imponência do edifício original, não obstante a data de origem e as alterações nestes quase 100 anos decorridos, guarda uma tradição que remonta ao século XVII, mais ou menos no mesmo local, mas muito antes da abertura da Avenida da Liberdade e obviamente, muitíssimo antes portanto da implantação do próprio Parque Mayer.
É que, na potencialidade da zona urbana, à época obviamente muito diferenciada, ergueu-se, a partir de 1782, um Teatro, denominado Teatro do Salitre, na área que viria a ser urbanisticamente absorvida pela Avenida, mas que, repita-se, já definindo uma zona central do desenvolvimento. Aliás, sabemos bem que a Rua do Salitre começa junto ao Parque Mayer. Daí também que se remonte a tradição ao então chamado Teatro do Salitre.
Ana Isabel Teixeira de Vasconcelos historia essa tradição hoje com quase dois séculos: «Edificado em 1782 pelo arquiteto Simão Caetano Nunes, possuía “lotação para 900 espectadores, distribuídos por 21 frisas, 27 camarotes de 1ª ordem, 22 de 2ª, 207 lugares de plateia, 147 de superior 120 de geral e 60 nas varandas”.» E acrescenta: «Já no fim do século XVIII quando não havia atores em número suficiente para aguentar duas companhias, este teatro é preterido relativamente ao Condes que se apropria da designação de “teatro nacional”.»… (cfr. Ana Isabel P. Teixeira de Vasconcelos “O Teatro em Lisboa no Tempo de Almeida Garrett” ed. MNT 2003 pág.25 e nots. cits.).
Sousa Bastos, escrevendo na transição dos séculos XIX/XX descreve os dois teatros. No que respeita ao Teatro do Salitre, dá-o como inaugurado em 27 de novembro de 1752, “tomando parte no espetáculo o célebre equilibrista Tessi, mandado vir expressamente do estrangeiro como grande novidade da época” (in “Dicionário do Theatro Português” 1908, pág. 362).
E remete para 1858 a inauguração do chamado então Theatro das Variedades e referindo que naquele ano «formou-se uma associação para com este título explorar o antigo Theatro do Salitre»: e acrescenta, noutra obra. que «a peça de abertura, que teve extraordinário agrado e alcançou grandes receitas, foi a mágica em 3 atos e 19 quadros arranjada por Francisco Palha e Joaquim Augusto de Oliveira, a “Lotearia do Diabo”. No papel de Abdalah obteve enorme sucesso o ator Izidoro»… (cfr. Sousa Bastos “Carteira do Artista” ed. 1898 pág 55/56).
E ainda, José Augusto França refere um Novo Teatro das Variedades, inaugurado no Rato em 1880 (cfr. José Augusto França “Lisboa História Física e Moral” ed. Livros Horizonte 2008 pag.613).
Mas voltemos à inauguração do atual edifício novamente chamado Teatro Variedades.
Num estudo intitulado precisamente “O Parque Mayer – Cinquenta Anos de Vida”, Albano Zink Negrão historia a inauguração desse Teatro. E logo se define uma “vocação revisteira”, chamemos-lhe assim, desse novo Variedades. O estudo referido sublinha então, e de certo modo sublima essa constante de espetáculo que, ao longo de dezenas de anos, sempre dominou o próprio Parque e os seus Teatros – e isto, não obstante a tradição cinematográfica do Capitólio e as temporadas de teatro declamado que lá tiveram lugar e que aqui já temos evocado, desde Maria Della Costa/ Sandro Polónio a Amélia Rey Colaço. Ou a menor atividade do então chamado (e hoje desaparecido) Teatro ABC ou a atividade do Teatro Maria Matos.
O Teatro Variedades foi, salvo raras exceções de espetáculos alternativos, um teatro de revista. Vejamos o que diz Zink Negrão:
«Em 8 de Julho de 1926, com a revista “Pó-de-Arroz”, abria as suas portas o “Variedades”, construído no local onde tinha existido um dos dois lagos dos Jardins Mayer. Sob o pseudónimo de “Troianos” se ocultaram os nomes dos autores da revista “Pó-de Arroz”, espetáculo em dois atos e dez quadros, com musica de Tomás del Negro e Raul Portela».
Cita um notável elenco, a começar pelo “grande Vasco Santana” assim mesmo referido. E acrescenta que neste espetáculo de estreia do Teatro, «o Compère não podia ter sido melhor: nem mais nem menos do que Augusto Costa, o popularíssimo “Costinha” que, na revista, dava pelo nome insólito de “Zé Pom-Pom”.» Estava-se em 1926! (ob. cit. pag.17).
E Marina Tavares Dias recorda outros espetáculos: «No futuro pertenceriam ao Variedades alguns dos maiores sucessos do Parque Mayer: “Arre Burro”, com Beatriz Costa, “Olaré quem Brinca?” com Mirita Casimiro, “Alto lá com o Charuto”, com Vasco Santana, etc., etc., etc.» (cfr. Marina Tavares Dias “Lisboa Desaparecida” vol. 9 Ed. Quimera 2007 pág. 74).
Ora bem: não se põe em dúvida a qualidade do elenco da revista de estreia do Teatro Variedades. Mas certamente se porá em dúvida a qualidade da revista em si. Luis Francisco Rebello cita a crítica de Avelino de Almeida publicada na época em “O Século”: «pela ausência de graça, pela pobreza de fantasia, pela falta de originalidade, pela monotonia que a caracteriza, uma das mais lastimosas coisas que no género ultimamente vira»!... (in ”História do Teatro de Revista em Portugal” vol. 2 – “Da República até Hoje”, Publicações D.. Quixote 1984 pág.84).
Na mesma obra, Rebello procede ao levantamento de muitas dezenas de revistas levadas à cena no Variedades, com sucesso e com qualidade, e de muitas centenas de autores, atores, encenadores, músicos, que as criaram e/ou nelas atuaram, e que ainda pude diretamente testemunhar e aplaudir.
Hoje, o Teatro Variedades continua encerrado, mas cercado por tapumes – o que mais justifica a pergunta que aqui se formula: o que se vai passar com o Teatro Variedades?
Duarte Ivo Cruz