Teatro
Sociedade de Instrução Tavaredense
Referência a uma Associação Teatral Centenária
A cultura e a prática teatral, no que respeita à criação de infraestruturas e à produção de espetáculos, é pródiga em surpresas, quando assumida numa perspetiva de análise que transcenda o imediatismo da atividade profissional em termos globais. O que significa, portanto, que o espetáculo teatral transcende em si mesmo o âmbito imediato do exercício da profissão e da produção profissional. Os grupos de amadores, por esse país fora, constituem assim uma expressão muito marcante da cultura e da prática teatral.
É evidente que o profissionalismo surge num plano abrangente, sobretudo no que respeita a atores, encenadores e técnicos do espetáculo: e a montante, encontramos uma função didática e cultural que subjaz e viabiliza o espetáculo em si, seja ele amador, seja ele profissional, para usarmos uma classificação imediatista, digamos assim. E vale acrescentar que quem anda neste mundo da criação/produção cénico-dramatúrgica terá sempre presente a realidade do meio teatral português, onde tais classificações, por motivos que todos conhecemos, são no mínimo subtis e quantas vezes meramente formais!
Vem tudo isto a propósito de uma entidade que, no plano de exercício cultural/ não profissional de ação ligada ao teatro, atinge, há mais de um século, um notabilíssimo nível e mérito. E mais: desenvolve a sua atividade teatral a partir de uma infraestrutura notável também no ponto de vista de espaços edificados. Trata-se da Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT), fundada em 1904 em Tavarede, concelho da Figueira da Foz: a qual, concretamente desde esse mesmo ano, mantem uma tradição de espetáculos teatrais de amadores, que dura até hoje, o que é realmente notável.
E pomos o maior destaque e elogio no termo e na expressão “amador”, aqui plena e exuberantemente justificada. É que efetivamente os atores que mantêm o grupo de teatro são amadores no duplo e integral sentido do termo: não são artistas profissionais, mas são artistas que amam, produzem e realizam, de forma digna e qualificada, a arte do teatro.
Em 2004, a SIT publicou um vasto volume de cerca de 300 páginas profusamente ilustradas, evocativo da ação centenária da agremiação. Sobressai a tradição de atividades teatrais, desde logo iniciadas. A inauguração deu-se precisamente com a estreia de um espetáculo a partir de duas comédias e um entreato cómico, tudo fruto de produção local: como de produção local foi o espetáculo seguinte, agora com uma opereta, da autoria de um compositor e maestro, de seu nome João Nunes da Silva Proa. E desde aí, e até hoje, encontramos centenas de produções teatrais e musicais, alternando autores-amadores com grandes nomes do teatro, sobretudo mas não só, do teatro português.
Citamos designadamente peças de Salvador Marques, Luis Maria Bordalo, Mark Twain, Manuel Laranjeira, Camilo, Bento Mântua , Octave Feuillet, Julio Dinis,, Ramada Curto, Jorge Ohnet, Pinheiro Chagas, Carlos Selvagem, Marcelino Mesquita, Manuel Frederico Pressler, Gil Vicente, Henrique Lopes de Mendonça, Rui Correia Leite, Alice Ogando, Garrett, Vasco Mendonça Alves, D. João da Câmara, Alexandre Casona, Luis Francisco Rebello, Shakespeare , Gervásio Lobato, Pirandello, Molière, Diego Fabri, Alves Redol, Camões, Molière, Marivaux, Henrique Galvão, Alfredo Cortez, Maria Rosa Colaço, Fernando de Passos, Adolfo Simões Muller, Gervásio Lobato, Bernardo Santareno, Anton Tchekov, José Régio…
Esta lista não é exaustiva, longe disso. E mais: acresce ainda uma larga referência a peças de teatro declamado e de teatro musical, de autores e temas ligados diretamente à região. Tudo isto referido, analisado e ilustrado numa excelente edição de Vítor Medina. (cfr. “Sociedade de Instrução Tavaredense – Cem Anos”).
Importa então recordar que a SIT se instalou, em 2004, num edifício conhecido como a Casa do Ourão ou Casa do Terreiro. Objeto de obras sucessivas, o edifício seria melhorado e como que reinaugurado em 1965, numa abrangência cultural que assume especial relevância da sala de espetáculos e na biblioteca, em fase aliás de nova remodelação. Trata-se, com efeito, de um excelente edifício de teatro, de convívio social e de cultura popular.
Em 1968, Luis Francisco Rebello referiu a ação da Sociedade de Instrução Tavaredense como a expressão de um ”verdadeiro amor pelo teatro”. De lá para cá, esse amor pelo teatro desenvolveu-se e consolidou-se: João Miguel Amorim, Vice Presidente da SIT e diretor cénico do grupo de teatro, que me acompanhou na visita, informou que no último triénio registou-se uma média de algo como 3 mil espectadores/ano.
O que é realmente notável.
Duarte Ivo Cruz