Teatro
O Capitólio Renovado
Justifica-se esta nova referência ao Capitólio, que há pouco mais de um ano já aqui foi analisado: e justifica-se porque o Cinema e Teatro Capitólio reabriu ao público, no final de novembro último, numa expressão arquitetónica que, em boa hora, mantém a fachada imponente de Cristino da Silva – mas, desde já se diga, profundamente alterado no interior, na sequência aliás de mudanças e “atualizações”, chamemos-lhes assim, presumivelmente motivadas por finalidades de rentabilização da sala de espetáculos.
Como veremos adiante, a sala chegou a ter frisas e camarotes, há muito desaparecidos mas que amplamente se adequavam e justificavam no projeto original, este de 1925, tendo o edifício sido inaugurado em 1931.
Não deixa de ostentar a expressão epocal do conjunto do edifício, a partir, insista-se, da fachada em si, com a sequência de janelões destacados e com o nome dominante na vertical. Mas as paredes laterais são hoje envidraçadas de alto a baixo, protegidas do exterior por cortinados negros, que quando encerrados isolam a sala, mas permitem, quando não encerrados, a observação do exterior. Quando lá estivemos, no primeiro dia de reabertura recente ao público, havia “espetadores” que, do lateral do edifício, espreitavam a sala e o palco…
E precisamente, o que até hoje singulariza o Capitólio é essa fachada dominada por uma coluna central, a que já chamamos torre e que, em boa hora conservada, marca um estilo epocal adequado e de excelente qualidade arquitetónica. Isso é reconhecido pelos maiores especialistas, tal como já aqui referimos em citações extensas que agora resumimos: “rutura enunciando as grandes questões da mudança que se operava na arquitetura portuguesa” (Ana Tostões), que o considera “um programa inédito”; “um dos primeiros exemplares da arquitetura modernista edificados em Portugal”( Sandra Leandro), “verdadeiro acontecimento arquitetónico que marca o início da arquitetura modernista em Portugal” (José Manuel Fernandes).
E acrescentamos agora referências antes não transcritas.
Margarida Acciuoli em “Os Cinemas de Lisboa – Um Fenómeno Urbano do Século XX”, historia e analisa todo o processo urbano e arquitetónico de construção do Capitólio no contexto do próprio Parque Mayer, a partir de 1920, na sequência da morte de Adolfo de Lima Mayer, proprietário do edifício onde se instalou a Embaixada de Espanha e dos jardins circundantes, que deram origem ao Parque e à sucessão de teatros e cinemas que foram sucessivamente construídos, o Teatro Maria Vitória, o Teatro Variedades e o Teatro ABC. Isto para além, acrescente-se, de instalações e áreas de recreio que iam desde um ringue de patinagem até edifícios onde se praticava a luta livre, e ainda numerosos restaurantes e até uma instalação de venda de livros…
E recorda que ainda nos anos 30 o Capitólio é modificado com a introdução de frisas em 1932 e de camarotes (depois suprimidos) em 1935. De qualquer maneira, sempre manteve a sua estrutura interna polivalente de teatro, cinema e, no terraço, ao ar livre, um recinto cinematográfico, o Terraço do Capitólio. Margarida Acciuoli detalha a modernidade do edifício:
“No interior, a tão celebrada circulação ascendente feita por um tapete rolante de madeira, que era então uma novidade absoluta em Lisboa, conduzia o público a um átrio de acesso à esplanada onde se tinham colocado espelhos deformantes que remetiam para a ilusão que o cinema oferecia; e no exterior o uso da iluminação, através de um pano envidraçado que sublinhava a fachada elevando-se como um «farol» chamava a atenção dos transeuntes e reorganizava a perceção, transpondo o sentido do cinema para a forma e estrutura do edifício”.
Por meu lado, escrevi que “o Capitólio define um estilo. Arquitetonicamente e não obstante as sucessivas alterações, o Capitólio marca efetivamente uma expressão inovadora por exemplo na fachada dominada pela coluna ou torre central, que aparece recorrentemente em outros edifícios de teatro, e por semelhança no hoje arruinado Teatro Rosa Damasceno de Santarém” - que já aqui evocamos e descrevemos.
Ora bem: o Capitólio alcançou de certo modo a sua mais vasta e significativa expressão cultural de teatro e espetáculo quando, de 1968 a 1970, acolheu a Empresa Rey Colaço – Robles Monteiro, transformando-se assim em Teatro Nacional, na sequência dos dois incêndios que, em 1964 e 1967, destruíram o Teatro D. Maria II e o Teatro Avenida.
Num livro muito recente, Joana d’Eça Leal evoca as grandes linhas do repertório que Amélia Rey Colaço levou para o Capitólio, nos anos em que funcionou como Teatro Nacional:
“Entre 1968 e 1970 a companhia continuaria a tentar manter-se à altura do seu nome, apresentando Pirandello, Garrett, e estreando vários textos de autores portugueses como «Os Visigodos» de Jaime Salazar Sampaio, «A Esfera Facetada» de Nuno Moniz Pereira, «O Cravo Espanhol» de Romeu Correia ou ainda «O Pecado de João Agonia» de Bernardo Santareno. Estes contrastavam com os ligeiros «O Segundo Tiro» de Robert Thomas, «Tchau» de Sauvajon, ou «A Celestina», um dos papéis de Amélia Rey Colaço que a própria considerava mais conseguidos.» E acrescenta que “a companhia teria, talvez de forma inesperada, um enorme sucesso neste período, com «Tango» do polaco Slawomir Mrozek, estreado em 29 de novembro de 1968”.
Para terminar: encerrei o artigo da rubrica Teatros do ano passado, com esta frase final: “vamos ver como ficará o Teatro Capitólio”. Ora está agora à vista. E há que elogiar a salvaguarda da fachada e a extensão do palco. Já as laterais em vidro me parecem questionáveis.
E vamos ver que acréscimo cultural comportará.
Duarte Ivo Cruz