Teatro
O Teatro Taborda, um sobrevivente
Em 31 de dezembro de 1870, inaugura-se em Lisboa, na Encosta do Castelo um teatro a que foi dado o nome de Teatro Taborda. Não será o único e não seria o último: já aqui falamos do Teatro Taborda de Cernache do Bonjardim, e Sousa Bastos, no Dicionário de Teatro Português, escrevendo em 1908, assinala mais dois, em Oeiras e em Abrantes. Precisamente em Abrantes nasceu em 1846 o ator Francisco Taborda que lhes deu o nome – e Sousa Bastos não lhe poupa elogios: “incomparável, carater de ouro, artista sublime, joia mais preciosa do palco português, a mais veneranda relíquia da arte nacional”… nada menos! Viria a falecer em 1909.
O certo é que o Teatro Taborda corresponde ainda à geração de salas de espetáculo que, na sequência da fundação do Teatro D. Maria II em 1843, foi marcando zonas urbanas com especificidades e vida própria acentuada pelo local em que se insere.
O Teatro Taborda teve, ao longo de século e meio, uma atividade no mínimo irregular. Construído sobre antigas instalações conventuais cuja origem remontava ao século XVI, a iniciativa deveu-se a um grupo heterogéneo de “capitalistas”, chamemos-lhes assim, que constituíram uma chamada Sociedade Taborda, e encarregaram um arquiteto de renome da época, Domingos Parente da Silva, de elaborar e executar o projeto, enriquecendo-o, no que respeita ao espetáculo, com cenários de Rambois e Cinatti, recuperados do velho Teatro das Laranjeiras, entretanto destruído por um incêndio.
Fernando Midões, num texto livro sobre o Teatro Taborda, editado em 2006 pela Câmara Municipal de Lisboa, recorda com detalhe a inauguração, ocorrida, como vimos, em 31 de dezembro de 1870:
“A festa, muito à maneira da época, e devido à extensão do programa, durou até de madrugada. Iniciou-se com uma surpresa, a do «Hyno da Sociedade», oferta do Prof. Augusto de Carvalho ao que se seguiram: declamações de poesia («A Sociedade aos seus Convidados» de José Inácio de Araújo, recitada por Jesuíno Chaves) o drama em três atos «O Mundo e o Claustro» de Thomaz Lino da Assumpção e duas comédias («A Gramática» e «O Claustro»)”.
Tudo isto entremeado por números musicais diversos: não admira que o espetáculo, segundo crónicas da época, tenha terminado de madrugada!
É interessante recordar, entretanto, que o edifício desde origem foi utilizado, como até hoje aliás, numa heterogeneidade de funções, desde restaurante a centro de convívio e estrutura de atividades sociais. A implantação num bairro histórico com uma magnífica vista panorâmica de Lisboa, pode prejudicar a exploração teatral propriamente dita, mas valoriza a rentabilidade social, digamos assim: foi e é também um restaurante desde há muitos anos. E essa estrutura diversificada permitiu a rentabilização do edifício e, repita-se, dura até hoje.
O Teatro Taborda sobreviveu assim ao longo de dezenas de anos, mesmo sem grande projeção artística, numa exploração irregular que talvez se percebe melhor na perspetiva da expressão urbana da Lisboa, tal como se foi desenvolvendo ao longo do século XX, pelo menos no que respeita ao espetáculo teatral.
Sofreu obras de alteração interna a partir de 1909. Manteve-se numa exploração irregular, de que dão notícia placas evocativas de espetáculos e atividades designadamente da Academia de Recreio Artístico em 1924, ou da Banda da GNR em 1926.
A CML adquire-o nos anos 60 mas a atividade manteve-se intermitente.
Até que em boa hora é recuperado no início dos anos 90, através de projeto dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu da Costa Cabral, tendo recomeçado a laborar, depois das obras de recuperação, em 1 de junho de 1995. Instala-se lá, e mantém um programa de renovação, o Teatro da Garagem, companhia experimental, fundada em 1989 e até hoje dirigida por Carlos J. Pessoa.
O que queremos agora salientar é que o Teatro Taborda conserva a estrutura original, na harmonia arquitetónica e no ambiente dos pequenos teatros de bolso do século XIX, como ainda subsistem alguns, mas infelizmente poucos, através do país - como temos vindo a referir: plateia enquadrada por duas galerias, devidamente reformuladas e abertas mas mantendo a estrutura correspondente à arquitetura de frisas e camarotes que marcaram e marcam os grandes e os pequenos teatros da época, mesmo que já não funcionem como tal...
Duarte Ivo Cruz