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Teatro

O Odéon, o “Animatographo do Rossio” e a centralidade urbana do espetáculo

País: Portugal
Distrito: Lisboa
Concelho: Lisboa

Odéon Animatógrafo do Rossio
Tipo de Património
Teatro
Descrição


No início do ano, evocamos aqui os cineteatros Ginásio e Odéon, ambos ostentando ainda nas imponentes fachadas a memória da centralidade dos espetáculos teatrais e cinematográficos de Lisboa. Recorde-se entretanto que havia já, há dezenas de anos, uma diferenciação estrutural: é que o Ginásio original está reduzido à fachada mas manteve, em termos de rentabilidade de edifício, uma atividade comercial e de serviços que pelo menos o torna socialmente e urbanamente funcional - o que porém não obsta a que se possa lamentar o facto de ter deixado de ser teatro e sala de concertos, como durante dezenas de anos foi.

O caso do Odéon era (e neste momento ainda é) diferente, na medida em que pelo menos a fachada e o interior, arruinado que esteja, não deixou de conservar até hoje a estrutura de sala de espetáculos mais ou menos original, a partir da inauguração em 21 de setembro de 1927, por iniciativa de Guilherme Soares, com um espetáculo marcante para a época e em rigor ainda hoje - nada menos do que a célebre (ou já não o será tanto?) “Viúva Alegre” dirigida por René Bouet.

Foi cineteatro durante anos. Jorge Pelágio evoca porém uma mudança na programação e na intervenção cultural-cinematográfica: “outras obras clássicas foram passadas na tela do Odéon”, mas a sua programação “foi declinando” (1)

Entretanto, as alterações arquitetónicas introduzidas sobretudo em 1931 não alteraram a estrutura da sala de espetáculos, que manteve até hoje o palco e mesmo um fosso de orquestra. E no artigo de evocação dos dois cineteatros, citado acima, recordei um espetáculo dos anos 50 dirigido e representado por Eurico Lisboa Filho, à época professor na secção de Teatro do então Conservatório Nacional.

Sobretudo utilizado como cinema, com sucessos de meses de exploração em certos filmes espanhóis nos anos 50/60, o Odéon mantinha uma atividade que muito contribuía para a centralidade urbana da cultura de espetáculo e que em rigor vinha do século XVIII com o primeiro dos sucessivos 5 Teatros e Cineteatros Condes, abrangendo depois, como aqui temos visto, o D. Maria II, o Coliseu, o Politeama, os sucessivos Éden Teatro e Cinema e até, noutro plano e noutra dimensão, o desaparecido Cinema Olímpia, em frente do Odéon e “absorvido” pelo Politeama com o qual confinava.

Um pouco mais longe situa-se, há mais de 100 anos, o chamado “Animatógrapho do Rossio”.

Vale a pena recordar, com citações a importância histórica e arquitetónica desta pequena sala, sobretudo notável pelo pórtico da fachada.

Num livro muito recente, que, também por isso, referimos aqui com desenvolvimento, Anísio Franco evoca em detalhe o Animatógrafo do Rossio no ponto de vista arquitetónico:

“Este foi o primeiro cinema do país a trazer para a fachada uma alusão específica à nova atividade de recriação pública: a apresentação de imagens em movimento. Inaugurado em 1907 a fachada era, esteticamente, tão nova como o próprio cinema, com os seus ornamentos a rivalizarem com o que de mais moderno se fazia. De estilo Arte Nova, imitam, nos seus elementos orgânicos de folhagem, as propostas que Hector Guimard havia feito para o metro de Paris. A diferença estava no material usado: em Paris utilizou-se ferro forjado; cá, madeira talhada e azulejos. As esbeltas figuras de cabelos esvoaçantes, que seguram lanternas de luz elétrica, concebidas por Miguel Queriol e pintadas por António Jorge Pinto têm como inspiração a obra de Mucha, o pintor de origem checa. As referências à luz elétrica remetem para os fenómenos da projeção que possibilitavam a magia do cinema. Por essa razão os azulejos serviam de cartazes publicitários àquilo que o público iria assistir no interior da sala (que hoje tem uma oferta bem diferente.” (2)

Marina Tavares Dias considera-a “porventura a mais genuína fachada arte-nova de Lisboa”. Cita especificamente “os relevos que enquadram a fachada” e “os azulejos em dois painéis que ladeiam a bilheteira (que) estão assinados M. Queirol e têm uma data: 1907”. (3)

Margarida Acciaiuoli desenvolve a análise do Animatógrafo do Rossio: “A sua decoração exterior promove um tratamento expressivo do lugar, conduzindo necessariamente a uma articulação mais expressiva das relações do cinema com a cidade. Aliás, ela procedia de uma experimentação que a «Arte Nova» trouxera e que se completava nos dois painéis de azulejos, da autoria de M. Queirol, que ladeavam a bilheteira”. (4)

Mas vejamos agora outra vez o Odéon. Tal como aqui já recordamos, as alterações introduzidas na fachada em 1931 juntamente com um balcão lateral pouco adequado ao espetáculo cinematográfico, reforçaram entretanto o ambiente também art deco que sobretudo hoje sobrevive no friso que domina o palco e que evoca as artes de espetáculo: pois tudo o mais constitui, no interior da sala, uma ruina...

Ora o que a imprensa divulgou muito recentemente foi a iminência de demolição do edifício, com eventual salvaguarda da fachada, para transformação num centro comercial que comporte uma zona habitacional.

É de elogiar o reforço habitacional do centro urbano. Mas mais uma vez ponderamos o desaparecimento da infraestrutura e da arquitetura de espetáculo, o que significará o desaparecimento do próprio espetáculo. E a adaptação, que neste caso aliás não é referida, de zonas de cinema e mesmo eventualmente de teatro-estúdio tem óbvios custos culturais: mesmo, repita-se, que se conservem as fachadas.

E termino com uma citação de José Manuel Fernandes sobre o Odéon. Refere-se às “impressivas galerias metálicas (…) salientes da fachada, muito decorativas com os seus rendilhados de vidros coloridos (que) quase o desenho «em clássico» do edifício”. E especifica que “o interior é notável pela sua cobertura em madeira escura, pelo palco de frontão «Art Deco», pelos bojudos volumes dos camarotes, pelo lustre central, irradiando néons” (5)

Pois bem: o “lustre central” desapareceu, a “cobertura em madeira escura” praticamente também. Resta neste momento o friso sobre o palco: e esperemos que reste ao menos a fachada!


Duarte Ivo Cruz
Julho 2016
 
Fonte de informação
Duarte Ivo Cruz
Bibliografia

 

  1. Jorge Pelaio - “Dicionário da História de Lisboa”, dir. Francisco Santana e Eduardo Sucena - verbete Cinemas, 1994 (pág. 282)
  2. Anísio Franco - “Caminhar por Lisboa”, Porto Editora, 2016 (págs. 46-47)
  3. Marina Tavares Dias - “Lisboa Desaparecida”, Quimera Editores (pág. 146)
  4. Margarida Acciaiuoli - “Os Cinemas de Lisboa”, Editorial Bizancio, 2012 (pág. 52)
  5. José Manuel Fernandes - “Cinemas de Portugal”, Edições INAPA, 1995 (pág. 44)
Data de atualização
02/08/2016
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