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Teatro

O Teatro da Vista Alegre e outros teatros de empresas: da indústria aos municípios

Tipo de Património
Teatro
Descrição
No passado mês de fevereiro publicámos uma notícia detalhada da recuperação e próxima reinauguração do Teatro da Vista Alegre de Ílhavo, exemplo referencial da arquitetura de espetáculo do século XIX, construído que foi em 1826, e objeto de pelo menos cinco fases e obras de restauro e sucessiva modernização, de 1851 até ao ano corrente. É efetivamente, repita-se, um exemplo referencial de sala de espetáculos construída e animada, ao logo hoje de quase 200 anos, como extensão da atividade de uma empresa, neste caso, a Vista Alegre.

Em 1924, a empresa publicou um vasto estudo, designado precisamente “A Fábrica da Vista Alegre – O Livro do seu Centenário – 1824-1924”. Aí se destaca o papel e a funcionalidade dos sucessivos teatros da empresa:

“O primeiro teatro foi demolido e o que se construiu em 1851 tinha o pano-de-boca e o teto pintados por Rousseau. Quando foi aumentado, foram substituídas essas pinturas, que infelizmente desapareceram. O atual pano foi pintado por João Cazeaux, desenhador na Fábrica (…). No teatro representam empregados e operários da fábrica, que têm levado à cena muitas comédias e operetas. Os Milagres de Santo António é uma das peças que mais sucesso tem tido. Já se representou o D. César de Bazan. Alguns operários e operárias recitam poesias e monólogos, sendo por estas recitações que começam os principiantes”.

Quer dizer: uma verdadeira escola de teatro!    

 O teatro é hoje gerido pela Câmara Municipal de Ílhavo mas mantem memória e atividade do Grupo de Teatro Ribalta, exemplo exponencial de atividade cénico-cultural de empresa. No texto referido acima, Duarte José e João Anjos, antigo e atual presidentes do Grupo de Teatro, enfatizam a atividade do grupo, agora realçada pela intervenção e gestão da Câmara Municipal, presidida por Fernando Caçoilo, o qual cita ainda os centros culturais de Ílhavo, Gafanha da Nazaré e Costa Nova.

Em 2008 publiquei, numa coedição do CNC e da Mediatexto, um livro, que intitulei “Teatros em Portugal - Espaços e Arquitetura,” prefaciado por Guilherme d’Oliveira Martins, onde se referem algumas salas de espetáculo construídas no âmbito de empresas ou entidades ligadas, de uma forma ou de outra, à atividade económica industrial.

 Cito aí, designadamente, o chamado “Teatrinho” de Peso da Régua, do início do século passado, ainda ostentando sinais e elementos de uma certa Arte Nova, que em 1912 estreou também o então chamado animatógrafo. E na mesma linha de ligação a meios empresariais, agora em épocas mais recentes, referi nesse estudo diversos exemplos que evidentemente não esgotam a convergência empresarial-cultural. Vejamos:

Desde logo, a adaptação da antiga fábrica da Empresa de Moagem, no Fundão, edificada a partir dos anos 20 do século passado, e agora convertida num conjunto de duas salas de espetáculo, projeto do arquiteto Miguel Correia, equipamento inaugurado em 2007 com a designação de Moagem- Cidade do Engenho e Artes. Ou o Teatro Stephens, da denominada Fábrica dos Irmãos Stephens da Marinha Grande, datado de 1941, numa tradição industrial (e cultural) que vem do seculo XVI e foi restruturada pelos irmão Guilhbeare mediante iniciativa do Marquês de Pombal, isto em 1748.Daí para cá muita coisa obviamente mudou, mas manteve-se uma tradição: o Teatro Stephens atual data de 1940.

E temos ainda o Teatro Mascarenhas Gregório da chamada Fábrica do Inglês em Silves, esta fundada em 1894 e que, junto das instalações fabris propriamente ditas, instala em 1909 o Teatro (e cinema desde 1911), projeto do arquiteto Júdice da Costa, entre a Arte Nova e a chamada arquitetura do ferro, hoje recuperada pela Câmara Municipal com intervenção do arquiteto José Pedro Castanheira e reinaugurado, como sala de espetáculos, em 2005.

Desenvolveremos, em próximos artigos, a referência a estes e a mais teatros construídos no âmbito de empresas, pois outros há por esse país fora: e é meritório assinalar as ligações à atividade industrial local, como meritório é constatar a intervenção das Câmaras Municipais respetivas.

E a propósito desta representatividade dos Teatros na expressão urbana e nas iniciativas locais, transcrevo, uma passagem do Prefácio de Guilherme d’Oliveira Martins, acima citado:
“O percurso seguido neste livro pelo seu autor permite ligar as perspetivas patrimonial, arquitetónica, funcional, histórica e pedagógica e teatral, o que abre pistas muito fecundas para o melhor conhecimento do património cultural, quer para uma melhor compreensão da história do teatro em Portugal. E como é bem de ver, consegue-se deste modo encontrar a herança patrimonial como um fator de incentivos e de estímulo para iniciativas de futuro” (in “Prefácio – Teatros: lugares de vida” ob. cit. pág. 7).

E assim é: em “Teatros em Portugal – Espaços e Arquitetura” recordo as origens deste Teatro da Vista Alegre e os aspetos específicos do edifício. Alude-se ao teto com uma alegoria de Apolo e as Musas, e ao pano de boca com uma suposta evocação de Macau, tudo pintado por um mestre de oficinas da fábrica, de seu nome Victor Rousseau. Em 1905, damos notícia de outro pano de boca, agora da autoria de João Caseux, também funcionário da empresa. E finalmente, antes do restauro atual, refiro um painel de outro mestre de oficina, Palmiro Peixe de seu nome.

O Teatro da Vista Alegre volta agora à atividade. Será interessante ver o que se passa com outros teatros criados e edificados em empresas.

Duarte Ivo Cruz

Fonte de informação
Duarte Ivo Cruz
Data de atualização
31/03/2016
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