Teatro
TEATROS DE NORTE JÚNIOR: O QUE SE CONSTRUIU E O QUE RESTA (II)
Retomamos a referência e análise, já aqui oportunamente iniciada, dos teatros, cinemas e salões de espetáculo do arquiteto Norte Júnior.
Em sucessivos artigos, foram evocadas e analisadas salas determinantes, algumas ainda hoje em funções. Mas todas elas salvaguardadas pelo menos nas fachadas e/ou na arquitetura geral exterior e interior.
Recorde-se pois, para já, os sete edifícios de espetáculo ainda existentes, mesmo quando, repita-se, vocacionados hoje para outras atividades:
1 - Sociedade A Voz do Operário, Lisboa, 1912
2 - antigo Casino de Sintra (hoje Centro Cultural), 1923
3 - antigo Cinema Max (hoje Igreja) Lisboa
4 - antigo Cinema Royal, Lisboa
5 - Sociedade Amor da Pátria, Horta, Açores
6 - antigo Cine Teatro Carlos Manuel, hoje Centro Cultural Olga Cadaval / Auditório Jorge Sampaio, Sintra
Em artigo anterior efetivamente referimos com desenvolvimento o Carlos Manuel/Olga Cadaval e a Sociedade Amor da Pátria.
Hoje evocaremos o Max e o Royal.
E desde logo se refira que nenhuma destas salas mantem atividade de espetáculos. Terem mais ou menos sobrevivido as fachadas já é de assinalar, sobretudo no contexto da evolução urbana mas com diferentes destinos dos edifícios.
Iremos pois tratar dos dois cinemas ou cineteatros “de bairro” que marcaram a sua época numa cultura e arquitetura de Lisboa, e numa fase da arte do espetáculo e a arquitetura inerente que não distinguia, como depois o fez, os cinemas dos teatros.
O Cinema Max, ao tempo denominado Max Cine, foi inaugurado em 1929. Manuel Felix Ribeiro atribui a designação à popularidade que, mesmo na Lisboa desse tempo, gozaria junto do público cinematográfico o ator Max Linder: a explicação é coerente. E Felix Ribeiro evoca a sala, tal como se inaugurou e sobreviveu como cinema até aos anos 60: “simpática, sóbria, como igualmente acolhedora e ampla sala com uma capacidade de setecentos confortáveis lugares distribuídos pela sua plateia, pelo balcão e pelos camarotes-balcão”, assim mesmo…
Este cinema de bairro sobreviveu como tal cerca de 40 anos. Mas o destino do edifício é de certo modo inesperado: em 1968 a Paróquia de São João Evangelista adquire o edifício e transforma-o em Igreja e Centro Paroquial.
Mantem-se entretanto a estrutura do edifício, tal como designadamente José Manuel Fernandes o descreveu: “austero e modernista, impondo a sua volumetria num íngreme gaveto”.
Quanto ao antigo Cinema Royal, de que só resta a fachada, importa aí lembrar que se trata da primeira sala de espetáculos a explorar regularmente o cinema sonoro, isto a partir de 1930. O projeto é do ano anterior: mas nesse mesmo ano de 1929, como vimos aliás em artigo anterior, começava a edificar-se o Capitólio de Cristino da Silva. Lembremos o que nos diz a propósito Ana Tostões:
“Em 1929, o Cinema Capitólio enunciava as questões da mudança: um novo material, o betão armado, permitia construir um programa inédito com uma expressão baseada no novo gosto Déco inspirada nos modelos de vanguarda internacional do Movimento Moderno. Este ciclo modernista é marcado pelo início do projeto do Cine-Teatro Capitólio mas também internacionalmente pela Exposition des Arts Decoratives realizada em 1925 em Paris e que teve a maior divulgação entre nós”.
Ora bem: isto até se aplica aos dois cine-teatros de Norte Junior, edificados na mesma época.
Sabemos que Norte Junior marcou sobremaneira a arquitetura do seu tempo, numa preponderância desta linha Deco. Já aqui evocamos com destaque o Carlos Manuel / Olga Cadaval e A Voz do Operário. A essa origem arquitetónica comum se refere novamente José Manuel Fernandes, a propósito do Royal:
“A fachada apresenta certos pontos comuns com a da vizinha A Voz do Operário, já aqui comentada. Embora de menor escala, também aqui duas colunas «clássicas» definem um frontão, encimado pela estrela de cinco pontas, que simboliza as iniciativas do empresário Agapito da Serra Fernandes, o homem do «Estrela d’Ouro». Transformado num supermercado nos anos 80, dele subsiste apenas o átrio de entrada além da fachada com o seu relógio portuense e os seus vitrais «solares»”.
Mas refira-se ainda a dualidade de vocação de espetáculo do Royal, construído como cinema mas com estrutura adequada à potencialidade da exploração teatral. Di-lo designadamente Margaria Aicciaiuoli, no estudo sobre “Os Cinemas de Lisboa” que temos citado:
“De certa maneira, a sua pesada fachada sustentada por duas colunas jónicas que suportam um frontão onde figuravam as máscaras tradicionais do teatro, «a tragédia» e «a comédia» definia o cinema dentro de pressupostos que também podiam servir para referenciar o teatro, e a sua linguagem formal era governada por essa lógica”.
E nesse sentido a sala foi contruída…
E para terminar, tal como recordamos num estudo coeditado pelo CNC, e citando Pedro Ferreira Mendes, o mais antigo e exuberante edifício nunca foi construído: precisamente “Projeto de um Theatro - Arquiteto Sr. Manoel Norte Junior”, assim mesmo, datado de 1901.
Ana Tostões - “Sob o Signo do Império” in “Inquérito à Arquitetura do Século XX em Portugal”, 2006, pag. 20;
José Manuel Fernandes - “Cinemas de Portugal”, 1995, pag. 66 e 86; Duarte Ivo Cruz - “Teatros em Portugal - Espaços e Arquitetura”, 2008, pag. 64;
Margarida Acciaiouoli - “Os Cinemas de Lisboa - Um Fenómeno Urbano do Século XX”, 2012, pag. 89;
Pedro Ferreira Mendes - “Norte Júnior, um Século de Luzes” in “Arquitetura e Construção”, 2007, pag. 88.