"É de Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos que vos quero falar"

Teatro

EVOCAÇÃO DO CINEMA E TEATRO CAPITÓLIO

País: Portugal
Distrito: Lisboa
Concelho: Lisboa

Capitólio Capitólio (exterior) Capitólio (entrada) Capitólio (acesso lateral) Capitólio (fachada) Capitólio (interior)
Tipo de Património
Teatro
Descrição

Evocamos aqui o Capitólio, sala referencial do Parque Mayer: e evocamo-lo como cinema e teatro, e até como sala de concertos, pois a rentabilidade artística exige uma abrangência de funções que se espera possa perdurar, uma vez concluídos os trabalhos de recuperação em curso. E desde logo se porá uma questão prévia - a saber, qual o destino artístico dessa tradicional sala de espetáculos, inaugurada em 1931 e classificada como Imóvel de Interesse Público em 1983.

Trata-se, para já, de um projeto do arquiteto Luís Cristino da Silva, datado de 1925: de notar que os trabalhos de construção arrastaram-se até pelo menos 1930. No local existia nos anos 20 uma denominada Esplanada Egípcia.

O projeto inicial impôs-se, na época e ainda hoje, pelo estilo: “verdadeiro acontecimento arquitetónico que marca o início da arquitetura modernista em Portugal” diz José Manuel Fernandes. 

“Marca a rutura enunciando as grandes questões da mudança que se operava na arquitetura portuguesa: um novo material, o betão armado permitia construir um programa inédito (teatro, cinema, cervejaria) com uma expressão localizada entre o novo gosto Décor e um purismo nacionalista que se referenciava claramente nos movimentos da vanguarda internacional do movimento moderno”, diz Ana Tostões.

“Um dos primeiros exemplares da arquitetura modernista edificados em Portugal”, diz Sandra Leandro, que destaca designadamente “na volumetria prismática (…) a eixo, um pilar envidraçado onde se inscreve o nome em grandes letras nascendo da pala cuja marcação horizontal encima a porta principal, num jogo de grafismo e luz”.

Realce-se entretanto que logo em 1935/36 o edifício tinha sofrido uma vasta intervenção, ainda segundo a traça de Cristino da Silva, designadamente pela integração, num mesmo espaço de espetáculo, dos dois espaços autónomos do projeto inicial. O acesso fazia-se por meio de um tapete rolante. E daí resultou uma vasta sala de espetáculos, com camarotes, plateia e balcão, face a um palco que permitia inclusive a realização de concertos sinfónicos.

E a propósito, e porque muito me interessa também no plano familiar, cito Jorge Trigo e Luciano Reis: “Em 1944 e 1945, foram realizados alguns espetáculos pela Orquestra Filarmónica de Lisboa, dirigida pelo Maestro Dr. Ivo Cruz. Designados de Concertos Populares, foram organizados no intuito de contribuir para uma larga divulgação da música sinfónica entre todas as camadas sociais da cidade de Lisboa”.

Noutro plano de espetáculo, os mesmos autores referem as temporadas de zarzuela, realizados em 1944/45/46 por uma companhia de Barcelona.

Em qualquer caso, o Capitólio a partir dos anos 40, concentrou a sua atividade preferencialmente no cinema. M. Félix Ribeiro já assinala no entanto que, na versão original “o edifício era constituído por dois pavimentos – um destinado à sala de espetáculos propriamente dita (…) e outro, onde se achava localizada a esplanada com 32 camarotes distribuídos à volta do recinto, um pequeno palco e um espaço reservado à orquestra, pois o local era inicialmente, destinado a espetáculos de variedades nos meses de Verão”.

E durante muitos anos, o chamado Terraço do Capitólio, depois Mayer Cinema, projetava filmes, protegendo os espectadores com uma cobertura mais ou menos improvisada: e episodicamente fez-se lá teatro.

Destaco entretanto duas grandes fases da atividade do Teatro Capitólio, e a designação é propositada, porque de dois grandes momentos de teatro se trata.

Desde logo, a primeira (e inesperada) representação de Bertold Brecht em Portugal.

Em 1960, a Companhia de Maria della Costa - Sandro Polónio leva á cena, no Capitólio, “A Alma Boa de Setsuan” de Brecht. Desde logo causou alguma estranheza a peça ter sido autorizada, atendendo à época… Mas em qualquer caso, logo num dos primeiros espetáculos (ou terá sido na estreia?) um grupo organizado manifestou-se não contra o espetáculo mas contra a peça - e não pela peça, mas pela ideologia do autor…

Ora sucede que por coincidência, estudante que era na época na Faculdade de Direito e no Conservatório, assisti ao espetáculo imediatamente a seguir à sessão das “manifestações anti-Brecht”. E recordo até hoje que, antes do pano subir, Sandro Polónio irrompeu pelo palco e fez um apelo: deixei-nos fazer o espetáculo! Foi delirantemente aplaudido. E a temporada de Maria della Costa no Capitólio prosseguiu.

A segunda fase da atividade do Capitólio que quero aqui recordar decorreu dos incêndios que atingiram os teatros da Empresa Rey Colaço - Robles Monteiro - o D. Maria II em 2 de dezembro de 1964 e o Avenida em 13 de dezembro de 1967.

A empresa muda-se para o Teatro Capitólio, onde estreou “A Volúpia da Honra” de Pirandello em 23 de janeiro de 1968. E no Capitólio se mantem até 1970, ano em que se mudou para o Teatro da Trindade. Vale a pena então recordar o repertório do Capitólio - Teatro Nacional.

Peças portuguesas: “Frei Luís de Sousa” de Garrett, “Os Visigodos” de Jaime Salazar Sampaio, “A Esfera Facetada” de Nuno Moniz Pereira, “O Pecado de João Agonia” de Bernardo Santareno, “O Cravo Espanhol” de Romeu Correia.

Peças de autores estrangeiros: “A Volúpia da Honra” de Pirandello, “A Locomotiva” de André Roussin, “As Três Perfeitas Casadas” de Alejandro Casona, “Tango” de Slawomir Mrozek, “O Segundo Tiro” de Robert Thomas, “A Celestina” de Rojas, “Tchau” de Marc-Gilbert Sauvajon.

Isto, além de algumas reposições.

Estes dados, recolho-os no recente livro de depoimentos de Amélia Rey Colaço, da autoria de Vítor Pavão dos Santos. E vou lá buscar estratos do depoimento de Amélia relativos ao Capitólio:  

“O Teatro Capitólio também era do Vasco Morgado, mas dele só tive atenções, vontade de colaborar. (…) Depois do incêndio do Teatro Avenida tive, mais uma vez, de recomeçar. Mas tenho sempre uma certa coragem de enfrentar a realidade mesmo dura como esta era, que está no meu gene, não tenho disso nenhum merecimento, nasci assim. Fazia-me uma certa impressão o ambiente do Parque Mayer, não o nego, mas senti sempre o afeto das pessoas que me rodeavam, e isso foi muito reconfortante. E o Teatro Capitólio era um bom teatro, eu até tinha um bom camarim, com casa de banho privativa, umas certas comodidades, e lá tivemos um grande êxito”.

Era o “Tango” de Mrozek, espetáculo que deu muito que falar!

E para terminar: em 2008, num estudo editado pelo Centro Nacional de Cultura evoquei o então encerrado Capitólio, dizendo que “marca efetivamente uma expressão inovadora, por exemplo na fachada dominada pela coluna ou torre central”. E recordei que “Cristino é ainda autor do aparatoso pórtico de entrada do Parque Mayer”.

Ambos os elementos arquitetónicos subsistem.

Mas vamos ver como ficará o Teatro Capitólio.
 

Morada
Travessa do Salitre, 35 - Parque Mayer
Lisboa
Fonte de informação
Duarte Ivo Cruz
Bibliografia
José Manuel Fernandes - “Cinemas de Portugal” ed. INAPA 1995;
Ana Tostões - “Arquitetura Moderna Portuguesa – Os três Modos” in “Arquitetura Moderna Portuguesa 1920.19702 ED. MC – IPPA 2003;  
Sandra Leandro –“Cinema-Teatro Capitólio” in “Portugal Património” vol. VII ed. Circulo de Leitores 2007;
Jorge Trigo e Luciano Reis – “Parque Mayer” vol. 1 ed. Setecaminhos 2004;
M. Félix Ribeiro – “Os Mais Antigos Cinemas de Lisboa” ed. IPC-Cinemateca Portuguesa;
Vítor Pavão dos Santos – “O Veneno do Teatro ou Conversas com Amélia Rey Colaço” Bertrand ed. 2015;
Duarte Ivo Cruz – “Teatros em Portugal – Espaços e Arquitetura”  ed. Mediatexto e Centro Nacional de Cultura 2008.
Data de atualização
16/12/2015
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