"É de Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos que vos quero falar"

Teatro

CENTRO CULTURAL ANTÓNIO ALEIXO

País: Portugal
Distrito: Faro
Concelho: Vila Real de Santo António

Tipo de Património
Teatro
Descrição

Em Vila Real de Santo António, o Mercado é reinaugurado em 1992, como Centro Cultural António Aleixo, mantendo a estrutura original mas integrando a sala de teatro.

O POETA E A CIDADE

Já tivemos aqui ensejo de referir a instalação de um teatro num antigo mercado: tal é de facto o caso, e não é o único, do antigo mercado de Leiria, onde hoje encontramos o Teatro Miguel Franco, espaço teatral devidamente adaptado, como já foi referido. E o mesmo ocorre em outras instalações devidamente modernizadas e adaptadas, sem por isso deixarem de ostentar a estrutura e o desenho arquitetónico original, só que devidamente rentabilizado num contexto de comércio geralmente de boa qualidade, mas também, em certos casos, de atividade cultural.

Hoje precisamente, trazemos a “transformação” do antigo Mercado Municipal de Vila Real de Santo António no atual Centro Cultural António Aleixo (1899-1949), homenagem adequada à alta qualidade deste “poeta popular de rara espontaneidade e modelar expressão conceituosa”, escreveu Luiz Francisco Rebello, assinalando que nas peças “a forma vicentina revive com uma fluência e uma naturalidade de que poucos epígonos de Mestre Gil terão sido capazes” (in “100 Anos de Teatro Português 1980-1990”- Brasília ed.).

E de facto, as peças que Aleixo, designadamente “Auto da Vida e da Morte” (1948), “Auto de Santo Aleixo” (1949), “Auto do Curandeiro, “Auto do Tio Joaquim” e mais alguns estratos dramáticos para além da restante obra publicada antes e depois da sua morte, revelam uma qualidade literária de cariz popular mas de grande sensibilidade poética. Cita-se designadamente o conjunto de textos reunidos em 1969 sob o título geral de “Este Livro que vos Deixo” e mais alguns inéditos.

Veja uma breve citação do “Auto da Vida e da Morte”:

“VIDA FUTIL (teatral) – Sabes quem sou? Sou a vida; O mundo de mim se ufana/ E sou por ele mais querida/ Porque sou a vida humana./ Eu sou a vida, rainha/ Da vida dos animais, Porque de todas a minha/ É que sabe e pode mais./ Basta pra ser definida/ da deles irracionais/ ser humana a minha vida”.

E também do “Auto do Curandeiro”:

“CURANDEIRO (falando sozinho enquanto remexe nos sacos e desfaz embrulhos) – Minha querida profissão!/ Tiro as almas do inferno/ Mas arranjo pró inverno/ Inda me sobre pró verão.”

No “Auto do Tio Joaquim”, são identificados e descritos detalhadamente 10 personagens, sendo o protagonista um “velho operário (pedreiro) alquebrado pelo peso dos anos, mas possuindo ainda um olhar vivo e uma expressão convincente. De 70 anos ou talvez menos”.

E finalmente, esta descrição dos personagens do “Auto da Vida e da Morte”:
“MORDOMO - Homem de idade (rigorosamente vestido à século passado) – VIDA FÚTIL – Mulher ou homem de meia-idade (trajando luxuosamente) – MORTE (vestido preto, justo ao corpo, com o esqueleto pintado) – TEMPO – Figura característica – VIDA ÚTIL – Jovem em mangas de camisa”.

Ora bem: sabemos que Vila Real de Santo António é um caso curioso de urbanização planeada e erguida em poucos meses por iniciativa do Marquês de Pombal. Os primeiros documentos reportam a 1773. Em 27 de Abril de 1774, diz-nos Francisco Xavier Ataíde de Oliveira, “foi publicado um decreto em que D. José diz saber por informações que o Priorado de Cacela, com a sua comenda, se achava muito decadente e quase extinto, e por isso ordenava que fosse transferido para Vila Real de Santo António”. E transcreve outro decreto, este datado de 12 de Dezembro de 1755, portanto pouco mais de um mês depois do terramoto, onde se amplia o concelho de Vila Real, integrando nele a Camara de Vila Nova de Cacela:

“Atendendo à informação que tive da pouca povoação que existe na Vila de Cacela: Sou serviço de abolir a camara da mesma Vila como se nunca tivesse existido. – E unir o termo da sobredita Vila ao da nova Vila Real de Santo António à última das quais também se acha já unida a Paróquia que havia em Cacela. A Mesa do Desembargo do Paço o tenha assim ordenado e faça executar com os despachos necessários. Pancas em 12 de dezembro de 1755. Com a rubrica de Sua Majestade Fidelíssima”.

Ataíde Oliveira descreve os festejos que assinalaram, em 1776 o aniversário do Marquês de Pombal – 13 de Maio. Duraram as festas três dias. E no segundo dia (14 de Maio) à noite houve iluminações na praça outeiro, poesias laudatórias e apologéticas ao rei e ao ministro”. E as festas terminaram “às duas horas da noite”!...

 Na mesma obra encontramos referências a diversos teatros ou a atividades de espetáculo em Vila Real de Santo António. Assim em 1907, é assinalada a existência de nada menos do que 3 “empresário(s) de espetáculos públicos”. Em 1908 regista-se que “há meses foi inaugurado no Clube Democrático um pequeno teatro muito elegante (…) em que os atores são os próprios sócios com essa especial vocação”. E mais diz que a vila tem “duas filarmónicas, teatro”. (in “Monografia do Conselho de Vila Real de Santo António” 1908, ed. Algarve em Foco).    

O Mercado Municipal foi inaugurado em 1927, num projeto do arquiteto Morando Severo, “segundo o modelo-tipo aplica em muitos dos seus congéneres nacionais” escreveu Fernando Mota de Matos (in “Portugal Património” vol. IX ed. Circulo de Leitores): assemelha-se a diversos centros comerciais da época – e já aqui citamos o de Leiria, que hoje alberga também um Teatro. Em Vila Real de Santo António, o Mercado é reinaugurado em 1992, agora como Centro Cultural António Aleixo, mantendo a estrutura original mas integrando a sala de teatro.  

E terminamos esta evocação com uma referência de Miguel Torga a Vila Real de Santo António: “É impossível. Edificar uma cidade com carater em cinco meses é o mesmo que fazer um ninho de andorinha num segundo. Para que uma terra tenha cunho e magia, unidade e variedade dentro do seu todo inteiro e marcado, é preciso ser segregado pelos homens pedra a pedra, rua a rua, cornija a cornija, com a fé e a paciência com que se escreve um longo poema ou se constrói uma religião”…  (in “Diário” vol. 5)

Fonte de informação
Duarte Ivo Cruz
Data de atualização
11/11/2015
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