Há de facto qualquer coisa de “art deco” no Teatro Bernardim Ribeiro de Estremoz.
A fachada, rematada por um arco de bom lançamento decorativo e a alternância do grafismo da decoração, as máscaras que pontuam a grande janela da primeira ordem, o arco ladeado em cima por pequenas janelas também de decoração coerente com a fachada – tudo isto valoriza o Teatro Bernardim Ribeiro, numa cidade de grande beleza urbana.
Hoje municipalizado, em rigor sempre foi expressão cultural da própria cidade, através de um grupo de cidadãos que, em 1916, lançam a iniciativa. A inauguração ocorre 6 anos depois, a cargo, no ponto de vista do espetáculo, da então ainda recente companhia Rey Colaço - Robles Monteiro, com um programa bem evocativo: poemas de Bernardim, representação de “Manuela” dos Irmãos Quintero e sobretudo, para rematar o espetáculo, representação da peça “Entre Giestas” de Carlos Selvagem, escrita exatamente no ano em que se inicia a construção do teatro. Um peça recente, portanto. E ainda hoje uma excelente peça.
Ponderemos então o repertório da inauguração do Teatro, porque ele simboliza bem a ligação do edifício com a literatura dramática a que se destina. E desde logo porque a peça de Selvagem, não obstante se situar não no Alentejo mas na Beira, mais concretamente “na serra beiroa”, coloca em cena - e estamos em 1916 - um conflito sócio-cultural de confronto entre classes sociais rurais: a família do “lavrador abastado” e a "jornaleira”: e isto, num conjunto de personagens heterogéneo, numa sociedade em pela transição política mas ainda muito tradicional, com a ponderação influente do “Senhor Vigário”.
E com uma problemática económica bem sintetizada na fala final do protagonista António, filho do tal “lavrador abastado”, ao assumir o casamento com a Clara “jornaleira”:
“António (levando Clara enlaçada pela cintura) – E agora, Clara, outra vida começa!... Ambos pobres…!? Deixa-lo! O Alentejo é rico! Lá se arranjará a nossa casita… E os filhos que venham…!”. “( E desaparecem vagarosamente.)”
E já agora recorde-se que o espetáculo inaugural incluiu recitações de poemas de Bernardim Ribeiro, ditos por Amélia Rey Colaço.
Ora, os poemas de Bernardim, hoje pouco dirão na perspetiva da literatura portuguesa, e isto, não obstante, para analistas do nível de Vitorino Nemésio, que aqui citamos, assumirem uma qualidade “europeia”: “É certo que as Saudades têm uma significação ampla, portuguesa. Com elementos cultos do repertório europeu, Bernardim Ribeiro, alentejano, robusteceu a literatura de expressão e mensagem nacional. Numa das suas éclogas, porem, essa nacionalização passa pelo caminho da regionalidade”… (in “Alentejo – Terra e Literatura” - 1946).
E veja-se só um pequeno exemplo da poética de Bernardim:
“Dizem que havia um pastor / Antre Tejo e Odiana / Que era perdido de amor / Por uma moça Joana: / Joana patas guardava / Pola ribeira do Tejo: / Seu pai acerca morava / E o pastor, de Alentejo, / Era, e Jano se chamava”… (“Écloga Segunda”). E Urbano Tavares Rodrigues esclarece que “Também na Crisfal há alusões ao Alentejo, mas incaracterística”. (in “Antologia da Terra Portuguesa - O Alentejo”).
Ora bem: de transição arquitetónica mas de muito boa qualidade é o Teatro Bernardim Ribeiro de Estremoz, projeto de Ernesto da Maia e decoração de Benvindo Ceia, numa sala de 800 lugares entre camarotes, frisas, plateia e balcões, decorada com retratos de grandes nomes do teatro português: D. João da Câmara, Rosa Damasceno, Marcelino Mesquita, além de um fresco no teto do próprio Benvindo Ceia evocando o Triunfo. E ainda esclarece Fernando Mota de Matos que “os camarotes são divididos por painéis de pintura a óleo, figurando artistas e dramaturgos da época da edificação”. (in “Portugal Património” vol. VIII - 2008).
Restaurado em 1991 e recuperado de um incendio em 2003, o Teatro Bernardim Ribeiro de Estremoz merece a referência, e sobretudo a visita.
Duarte Ivo Cruz