Teatro
CINE-TEATRO GARRETT
O TEATRO GARRETT DA PÓVOA DO VARZIM:
UMA TRADIÇÃO DE DRAMATURGOS E ESPETÁCULOS
A Póvoa do Varzim tem uma tradição literária que passa pelo nascimento de Eça de Queiroz e de Gomes de Amorim, entre tantos mais, e passa também pelas descrições de Garrett.
Cita-se sempre, a propósito, a Memória ao Conservatório Real, “lida em conferência no Conservatório Real de Lisboa em 8 de maio de 1843” pelo próprio Garrett e que antecede a edição do Frei Luís de Sousa:
“Há muitos anos, discorrendo um verão pela deliciosa beira-mar da província do Minho, fui dar com um teatro ambulante de atores castelhanos, fazendo suas récitas numa tenda de lona no areal da Póvoa do Varzim - além de Vila do Conde. Era tempo de banhos, havia feira e concorrência grande; fomos à noite ao teatro: davam a Comédia Famosa não sei de quem, mas o assunto era este mesmo de Frei Luís de Sousa. (...) Fosse de mim, dos atores ou da peça, a ação não me pareceu nada com o que hoje a acho, grande, bela, sublime de trágica majestade.”
A Póvoa do Varzim constitui pois, e já nessa época assim era, um dos grandes referenciais de turismo, aí abrangendo a muito antiga corrente de turismo vinda de Espanha. E esse contexto reflete-se necessariamente na infraestrutura cultural e recreativa, para usar uma expressão antiquada mas em si mesma rigorosa.
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Atenda-se à época em que foi inaugurado o Teatro Garrett, e note-se a adequação do nome. Data, na sua primeira versão, de 1888, construído em dois anos: mais rigorosamente, a inauguração ocorre em 15 de agosto de 1890, num espetáculo a cargo do “grande Taborda”, como então se dizia - e de facto, trata-se de um dos atores referenciais da época.
Sousa Bastos, na minúcia pragmática do seu Dicionário do Teatro Português (1908), regista a infraestrutura cénica: “possui este Teatro vistas (i.e. cenários) de bosque, cárcere, convento, sala rica e casa pobre”: e mais informa que “tem 10 frisas, 22 camarotes e 612 lugares de plateia e galeria. Têm ali representado já muitas companhias de Lisboa e Porto, aproveitando principalmente a época balnear”.
O Teatro que hoje vemos sofreu sucessivas alterações e obras de adaptação em 1938, 1954, 1973, até que é adquirido em 1998 pela Câmara Municipal, que empreendeu obras de estrutura e modernização, até à (re)inauguração ocorrida em junho de 2014.
E das versões anteriores, conserva-se a fachada e a memória das lápides comemorativas de espetáculos com João Villaret, Vasco Santana, Mirita Casimiro, Raul de Carvalho, Alves da Costa, Amélia Rey Colaço, Laura Alves…
E pode agora evocar-se ainda um conjunto de salas que marcaram a sua época na Póvoa do Varzim: o Teatro Sá da Bandeira, Salão-Teatro, o Póvoa-Cine e outros de menor relevância.
Ora, importa então referir que a remodelação do Teatro Garrett, hoje “Garrett cine-teatro”, segundo projeto dos arquitetos Pedro Silva e Eurico Rebelo, conserva, devidamente modernizada, a estrutura evocativa das “versões anteriores”, mas numa perspetiva arquitetónica que valoriza a sala na sua expressão e função de teatro declamado. Desde logo no palco da sala principal, no fosso de orquestra, na régie e nas salas de ensaios e de espetáculos de câmara ou exposições. E na modernização do conjunto, mantendo, como fator decorativo, a evocação de uma ordem da camarotes.
E finalmente, a decoração é valorizada por um mural reproduzindo um poema de José Carlos de Vasconcelos:
Volto ao Garrett
para me sentar na plateia
num silêncio bem comportado
que o passado não se repete (…)