Teatro
TEATRO GARCIA DE RESENDE
O TEATRO GARCIA DE RESENDE DE ÉVORA:
UM CASO EXEMPLAR DE ARQUITETURA OITOCENTISTA
por Duarte Ivo Cruz
Restam pouco teatros oitocentistas em Portugal. E dos que restam, na sua estrutura básica, a maioria foi alterada quantas vezes a pretexto de uma modernização/adaptação ao cinema - ou mais simplesmente para rentabilizar, em termos urbanísticos e comerciais, a invejável implantação nos centros urbanos.
O Teatro Garcia de Resende, bem implantado no centro de Évora, hoje municipalizado e explorado desde 1975 pelo CENDREV, começou a ser construído em 31 de outubro de 1881, numa cerimónia pública de lançamento da primeira pedra, iniciativa de um proprietário local, José Ramalho Dinis Perdigão, segundo projeto do Engenheiro Adriano Augusto da Silva Monteiro. Seria inaugurado em 1892 e municipalizado em 1943. Nos anos 60/79 do século passado alterou-se a fachada que faz hoje lembrar o São Carlos. Esteve desativado e serviu para guardar os carros de lixo, no que não é caso único… e também de eventual estúdio da Emissora Nacional.
Trata-se de um dos poucos teatros remanescentes que mantem a sua estrutura interna de frisas e camarotes. E mais ainda: o pano de boca e a decoração da sala conservam a traça do grande cenógrafo Luigi Manini, que tanto trabalhou para o D. Maria e para o São Carlos. A decoração tem a traça de António Ramalho e de João Vaz. E o espetacular pano de boca, da autoria de Ramalho, evoca precisamente o jovem pajem Garcia de Resende com uma guitarra, numa fantasia algo manuelina.
A grande sala, na sua estrutura à italiana, ostenta um arco triplo evocativo da tradição de arquitetura mourisca do Alentejo. E o teto manteve a decoração original, numa complexa composição pictórica de figuras alegóricas que envolvem o nome do teatro. Da mesma forma, mantêm-se as pinturas do foyer.
Bem se compreende entretanto, num ponto de vista histórico, a homenagem oitocentista a Garcia de Resende. O Cancioneiro Geral contem alguns dos iniciadores do teatro português, a começar pelo próprio Gil Vicente, pela pena de Henrique da Mota, esse também um verdadeiro dramaturgo, o qual, no chamado “Processo de Vasco Abul”, texto iniciático do teatro português, inclui Mestre Gil como personagem; e também Sá de Miranda está representado no Cancioneiro, bem como, em diálogos encenáveis, autores como Jorge da Silveira, Nuno Pereira, Luis Henriques ou Duarte de Brito. E ainda o próprio Garcia de Resende nas poderosas Trovas à Morte de Inês de Castro, verdadeira iniciação da vastíssima dramaturgia inesina.
E de tal forma o teatro impressionou os contemporâneos, não obstante os modelos muito mais antigos do D. Maria ou do São Carlos, que Fialho de Almeida o elogiou, designadamente, realça “uma espécie de arcaria gótica de bom gosto” e salienta o “trabalho delicado, sóbrio e elegante” da decoração atribuída ao ebenista Leandro Braga, a qual, diz-nos Fialho, “deixa uma impressão de riqueza e de nobreza e esparsa”.
Isto, não obstante considerar a sala “defeituosamente alta”… ou não fosse Fialho de Almeida encontar defeitos em tudo!
Sousa Bastos - “Dicionário do Teatro Português” 1908;
Tulio Espanca - “A Cidade de Évora _ Boletim Cultural da CME 1982-1983; Duarte Ivo Cruz - “Teatros de Portugal” 2005;
Álvaro Duarte de Almeida e Duarte Belo - “Portugal património” vol, VIII 2008