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Jacarta (SundaCalapa/Batávia)

País: Indonésia
Distrito: Aveiro
Concelho: Águeda

Tipo de Património
Descrição

Na megapolis de milhões de habitantes que é hoje Jacarta encontra-se uma das principais joias da presença portuguesa na Indonésia: o padrão que foi colocado em 1522 junto da costa desta cidade, que então era denominada Sunda Calapa.

Tal monumento com cerca de 700 kg de peso e 1 m e 98 cm de altura, e entre 42 e 35 cm de largura e espessura, marcava a localização onde os portugueses pretendiam erguer uma fortaleza, cuja autorização havia sido concedida mediante um tratado ali assinado por Henrique Leme em 21 de Agosto do referido ano. Em uma das frentes tinha uma esfera armilar, a divisa de D. Manuel, e uma inscrição, na outra tinha as armas do rei de Portugal e uma inscrição, elementos que foram propositadamente picados, havendo ainda em um dos lados uma cruz que também foi picada. 


                   Padrão no Museu Nacional de Jacarta

No Museum Nacional, detentor de coleções muito ricas e variadas, encontram-se entre outras preciosidades relacionadas com Portugal uma bela garrafa de porcelana chinesa da dinastia Ming com 25 cm de altura. Na sua decoração salientam-se as representações de quatro esferas armilares, o que aponta para a possibilidade de se tratar de uma peça encomendada do reinado de D. Manuel, a qual poderá datar de entre 1517 e 1520, período em que uma missão portuguesa liderada por Tomé Pires tentava ser recebida pelo imperador chinês. Conhecem-se outras porcelanas semelhantes mas não iguais a esta. Esta peça foi encontrada em Tobelo, na ilha de Halmahera, no norte das Molucas, não se sabendo as circunstâncias em que ela ali foi parar.


                                     Museu Nacional de Jacarta

Nas coleções deste vastíssimo museu há ainda outras peças de muito interesse que testemunham as relações de Portugal com a Indonésia, de entre as quais é de realçar um sino, no qual se lê a legenda: «Este sino foi mandado fazer pelo vice-rei da Índia para o rei de Matarão em 1633». Nesse tempo o governante português era D. Miguel de Noronha, 4º conde de Linhares, o qual por este gesto revela o interesse em manter boas relações com o poderoso rei de Matara.

De assinalar ainda a existência de um prato de porcelana chinesa de finais do século XVI com motivos portugueses - duas naus com canhões e uma rosa-dos-ventos - o qual foi encontrado em Martapura, a sul de Kalimantan. De um outro prato mais antigo com a representação de esferas armilares, que ali também foi assinalado por António Pinto da França, não se sabe presentemente do seu paradeiro. No museu conservam-se ainda algumas moedas portuguesas de vários períodos, a mais valiosa das quais é um cruzado de ouro de D. Manuel. De um conjunto de canhões por estudar numa das arrecadações do museu é possível que alguns sejam portugueses.


              Sino no Museu Nacional de Jacarta

Em vários locais da Indonésia há notícia de se terem encontrado canhões portugueses, preciosos testemunhos que revelam uma presença militar, que era complementar da económica, mas ainda não foi possível proceder ao seu inventário. António Pinto da França recolheu ainda algumas indicações que não puderam ser confirmadas como as de que no centro de Java, em Solo, há um canhão tido por português denominado Setomi, que seria corrupção de São Tomé.

De entre as peças de artilharia portuguesa que ficaram na Indonésia aquela que é mais e significativa é o notável canhão com 3 m de cumprimento, feito em Macau na década de 30 do século XVII por Manuel Tavares Bocarro, o qual se encontra atualmente exposto em Jacarta na praça Fatahilla.

 
                     Praca Fatahilla (e Museu Histórico de Jacarta)

Considerando que o padrão de 1522 colocado em Sunda Calapa é o testemunho mais antigo da presença portuguesa na Insulíndia, e como tal pode ser considerado o símbolo alfa dessa presença na Indonésia, o mencionado canhão de Bocarro bem se pode considerar como que o símbolo ómega do domínio português na região, pois ele veio de Malaca, de onde foi levado para a vitoriosa Batávia, após a queda daquela cidade em 1641 às mãos dos holandeses. O canhão esteve na fortaleza holandesa de Batávia virado para o mar até que foi abandonado após a destruição dessa construção em 1809. A figa que se encontra em tão notável monumento levou a que a população local tivesse acreditado que ele tinha poderes para favorecer a fecundidade nas mulheres, originando várias lendas sobre ele, tendo ficado conhecido pelo nome de «miriam si djagur. É de assinalar que na língua indonésia miriam significa canhão, alegando-se que tal palavra derivaria do facto de quando os portugueses o disparavam dizerem: «por Santa Maria».
O canhão tem a inscrição latina: ex me ipsa renata - Fora de mim renasço.

Na praça Fatahilla, frente ao canhão de Bocarro, encontra-se o Museu Histórico de Jacarta, o qual está instalado na antiga câmara municipal de Batávia que também servia de prisão. O edifício atual data de 1707-1710 e nele encontram-se várias peças de interesse, com particular destaque para o mobiliário e para uma réplica do padrão de 1522 a que já nos referimos. Deste museu até ao sítio onde o padrão original foi encontrado a distância é pequena, pois dista poucas centenas de metros do cruzamento das ruas Jl Cengkeeh e Jl. Kali Basar Timur I, sítio que nos inícios do século XVI estava junto à costa, onde os portugueses pretendiam construir um forte, para se protegerem a si e aos habitantes de Sunda Calapa (calapa significa coqueiro em língua malaia), que era então o principal porto do reino de Pajaran, que os portugueses denominavam apenas de Sunda, cuja capital se situava no interior, numa cidade então denominada Bogor. Este reino era então hindu e esperava que a sua ligação aos portugueses reforçasse a sua segurança face ao expansionismo do reino islâmico de Demak, que então o ameaçava, pois ele já tinha conquistado Cirebon e iria em breve conquistar Banten. Os receios do reino de Sunda justificavam-se, pois tropas do reino de Cirebon, vassalo do de Demak, comandadas por Fatahilla, conquistaram a povoação portuária de Calapa em 1526. A identificação do referido dirigente islâmico tem sido alvo de várias interpretações, sendo o seu nome escrito por João de Barros sob a forma Falatehan.
Atualmente o local onde foi colocado o padrão está bastante para o interior, pois a costa está a cerca de 300 metros da torre de vigia do porto.

Considerando o interesse deste porto o capitão de Malaca, Jorge de Albuquerque, enviou a esse local Henrique Leme para ali encetar negociações que pudessem conduzir a um acordo que permitisse aos portugueses o estabelecimento nesse local de uma fortaleza-feitoria onde fosse possível fazer comércio. Aquele fidalgo procedeu a essas diligências junto dos representantes locais do rei de Sunda - Sang Hyang - conhecido por Surawisa (1521-1535), o qual foi denominado pelos portugueses sob a forma de Samião. As negociações obtiveram os resultados pretendidos e foi então assinado um tratado que se conserva em Lisboa no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Gaveta XV, 8-2), o qual apresenta o seguinte texto:

Em XXI (21) dias do mês de Agosto da presente era de MCXXII (1522) anos, neste porto de Sunda, estando aí Henrique Leme capitão na dita viagem onde veio enviado per Jorge de Albuquerque, capitão de Malaca, com embaixada a el-rei de Sunda, a fazer concerto e trato de pazes e amizade ao dito rei de Sunda lhe aprouve da dita embaixada e assim de todo concerto e amizade que o dito Henrique Leme com ele fez e concertou e assim lhe aprouve e houve por bem lhe outorgar uma fortaleza a el-rei nosso senhor em sua terra. E pêra isso enviou um seu mandarim principal, per nome mandarim Padam Tumungo, e com ele outros dous mandarins honrados, a saber, um deles per nome Samgydepaty e outro Benegar, e assim o xabandar da terra, per nome Fabiam, e assim outros muitos homens honrados, ao qual mandarim deu todo seu poder pêra que acabasse e concertasse e amostrasse o lugar onde o dito Henrique Leme lhe parecesse bem se haver de fazer a dita fortaleza pêra el-rei de Portugal. O qual mandarim Padam Tumungo e assim os outros sobreditos mandarins e homens honrados todos juntos com o dito Henrique Leme, no dito dia, foram arvorar um padrão de pedra no próprio lugar onde se a dita fortaleza haja de fazer, que é na boca do rio, à mão direita defronte da barra, a qual terra se chama Calapa, onde assim o dito padrão fica arvorado com as armas del-rei nosso senhor, com seu letreiro ao pé delas.
E assim mais aprouve ao dito rei de Sunda no concerto e contrato que assim fez com o dito Henrique Leme, de sua própria e livre vontade, dar em cada um ano a el-rei nosso senhor, do dia que se a dita fortaleza começar a fazer em diante, mil sacos de pimenta em lugar de paz e amizade, os quais sacos hão de ser dos acostumados da terra, que pesa cada saco dez mil e seiscentos caxas da Java, que fazem os ditos mil sacos cento e sessenta bares pouco mais ou menos.
E de tudo isto o sobredito Henrique Leme mandou a mim Baltasar Mendes, escrivão do navio São Sebastião, que, como oficial de el-rei nosso senhor que era, fizesse este assento e desse aqui minha fé de tudo o conteúdo neste assento, assim como se passara e ficava concertado. Ao que tudo, eu, sobredito escrivão, (fui) presente e fiz este assento em meu livro, por mim assinado de meu sinal acostumado.
Testemunhas que no presente foram: Fernão de Almeida, capitão de um junqueiro e feitor da Fazenda del-rei nosso senhor na dita viagem; e Francisco Anes, escrivão de seu cargo, e Manuel Mendes, e Sebastião Dias do Rego, e Francisco Dias, e João Coutinho, e João Gonçalves, e Gil Barbosa, e Tomé Pinto, e Rui Gonçalves, e João Rodrigues, e João Fernandes, e João da Costa e Pedro Eanes, e Manuel Fernandes, e Diogo Fernandes, todos homens de armas, e Diogo Dias e Afonso Fernandes, outrossim homens de armas, e Nicolau da Silva, mestre do dito navio, e Jorge de Oliveira, piloto, e outros muitos.
Feito no sobredito dia, mês e era.
Baltasar Mendes, João Gonçalves, João Fernandes, Bastião Coutinho, Tomé Pinto, Francisco Dias, João da Costa, Manuel Fernandes, Diogo Dias, Jorge de Oliveira, Fernando de Almeida, Francisco Anes, Rui Gonçalves, Pedro Anes, João Rodrigues, Afonso Fernandes, Diogo Fernandes.

O projeto de cooperação dos portugueses com o reino de Sunda, foi frustrado, pois, como vimos, as forças deste reino foram derrotadas em 1526 pelas forças dos muçulmanos de Demak e Cirebon sob o comando de Fatahilla, um homem que ficou famoso por ter conseguido derrotar em 1527 uma expedição portuguesa comandada por Francisco de Sá. Desde então ele teria mudado o nome do local de Sunda Calapa para Jayakarta (=Jacarta). Uma interpretação para este nome indica que ele significaria vitória completa.

O referido Francisco de Sá ainda tentou construir uma fortaleza na região de Banten onde colocou dois padrões em 29 de Julho e Agosto de 1527, cujo paradeiro atual se desconhece, mas acabou também por não lograr os seus intentos. Os portugueses mais tarde começaram a fazer comércio de maneira informal nesse porto e em outros da ilha de Java, de entre os quais se pode destacar o de Gresik.

Um dos episódios que ilustra tal situação foi narrada por Fernão Mendes Pinto na sua Peregrinação ao indicar que ele e um grupo de quarenta portugueses foram em 1544 fazer comércio a Banten e tiveram de invernar aí. Tal ocasião serviu de pretexto para que eles participassem como mercenários numa campanha militar em que o senhor local se juntou ao sultão de Demak com o objetivo de conquistar a cidade hindu de Passuaram.

A primeira fortaleza de um povo ocidental que foi construída na ilha de Java foi feita pelos holandeses em Jacarta, onde chegaram em 1596. Depois de vários episódios dominaram-na e aí construíram uma fortaleza em 1619 passando-a a chamar Batávia. Tal construção foi substituído em 1627 por outra fortaleza maior, a qual acabou por ser destruída em 1807, sem que dela ficassem vestígios. Ambas as construções estavam situadas frente à atual torre de vigia do porto, poucas centenas de metros a norte do local onde os portugueses haviam planeado a sua construção. Nas proximidades da área onde ela se encontrava os holandeses ergueram entre 1652 e 1771 os armazéns da Companhia das Índias Orientais (VOC), que atualmente estão em parte transformados no Museo Bahari, o Museu Marítimo, onde se encontram várias maquetas de barcos antigos e tradicionais e mesmo pequenas embarcações além de testemunhos de atividades marítimas

Na mesma zona, a ocidente da ponte sobre o grande canal chamado Kali Besar, situa-se a referida torre de vigilância do porto (Menara Syahbandar), que foi construída em 1839. Do alto deste monumento, que entretanto está a ameaçar ruína, alcança-se uma vista da parte antiga de Jacarta, que corresponde à antiga Sunda Calapa, a qual terá sido transformada em Jacarta por Fatahila e em Batávia pelos holandeses, tendo esta cidade suplantado progressivamente Malaca até que as forças da VOC a conseguiram conquistar em 1641. Com a independência em 1949 Batávia voltou a chamar-se Jacarta.

Do tempo dos holandeses há ainda em Jacarta alguns edifícios interessantes, sendo um dos mais curiosos o oitocentista Café Batávia, situado na praça Fatahilla.


                     Interior do Café Batávia em Jacarta

De entre as construções da Batávia holandesa relacionadas com os portugueses apenas se pode assinalar a gereja portugis, atualmente denominada gereja Sion, que foi construída em 1693-1695 para a comunidade relacionada com Portugal, mais propriamente com os mestiços e outros populações asiáticas que tinham sido convertidas ao catolicismo pelos portugueses, fossem eles indianos, ceilonenses, malaios ou de outras origens, pessoas essas que vieram para Batávia no rescaldo da conquista de Malaca em 1641 e da perda de Ceilão e de outras áreas da Índia na década de 50 do século XVII. Muitas delas seriam libertos e por tal motivo foram chamados mardijkers, palavra malaia que servia para denominar as pessoas que eram livres, pois teriam estado anteriormente na condição de escravos junto dos portugueses. A igreja situa-se fora da área abrangida pelas antigas muralhas que envolviam parte da cidade e as suas características seguem as normas da arquitetura holandesa. Houve em Jacarta uma outra igreja portuguesa que estava no interior muralhado, chamada binnenkerk, a qual ardeu em 1808. Ambas as igrejas eram protestantes, pois os holandeses não toleravam a prática do catolicismo em Batávia, tendo por isso os antigos católicos interessados em permanecer nessa cidade de se converter à nova forma de cristianismo.

Nas proximidades da igreja do Sion está a Jl. Roa Malaca Selatan, que evoca Malaca como local de proveniência desses portugueses, sendo de apontar a alusão à palavra portuguesa Rua para denominar a expressão equivalente em indonésio, a qual é repetida.

Morada
Ilha de Java
Jacarta
Bibliografia
 in série de guias "Portugal e o Mundo: o Futuro do Passado - 1 - Indonésia"
António Pinto da França, José Manuel Garcia, Helena Vaz da Silva, CNC - 2002
Data de atualização
18/03/2015
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