Centros Históricos
Centro Histórico de Santarém
Cidade de grande antiguidade possui uma valiosa situação geoestratégica, que a par de outros motivos, como o clima ameno e a paisagem envolvente de grande beleza, tornaram o lugar muito cobiçado por pré-romanos, romanos, bárbaros, mouros e cristãos. Era considerada "paraíso deleitoso" pelos árabes, ideia a que não é alheia a situação geográfica do lugar, num planalto sobranceiro ao rio Tejo, que qual Nilo português, é sinónimo de abundância, pois as suas cheias inundam as extensas lezírias em redor, tornando-as muito férteis. Por outro lado, o "espírito do lugar" ou Genius Loci, que ressalta da amálgama de aspetos que se conjugam num todo, - desde a articulação entre a Natureza (planalto e rio) e a construção urbana realizada, passando pela relação entre os diferentes núcleos urbanos (bairros do planalto e polos da zona ribeirinha), que revelam de forma invulgar como o homem se integrou e serviu de elo catalisador neste meio geomorfológico, ou ainda, pela especificidade da sedimentação temporal que a arqueologia testemunha -, marca inequivocamente os critérios já mencionados. A tudo isto se conjuga o importante conjunto patrimonial de Santarém, que com as suas muralhas, monumentos e ruas, constitui memória dos mais relevantes acontecimentos da História de Portugal.
CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA
Pré-história e Proto-história
A ocupação humana de uma região generosamente favorecida pela natureza, não podia, logicamente, deixar de ser aproveitada desde os tempos mais recuados. Com efeito, do Paleolítico Antigo, foram encontrados artefactos em pedra nos terraços fluviais quaternários de Vale do Forno; as escavações arqueológicas efetuadas (Milharós) revelaram a presença de belos bifaces do tipo evoluído - Micoquense. A ocupação seguinte mais significativa diz respeito ao período Mesolítico, sendo internacionalmente conhecidos os concheiros, localizados nas margens das ribeiras de Muge e Magos e na Fonte Moça em Almeirim. Cronologicamente incluídos no Bronze Final, foram achados, próximo de Alpiarça, diversos materiais, integrados na chamada Cultura de Alpiarça.
Em Santarém, recolheu-se algum espólio proveniente da Alcáçova, nomeadamente cerâmica, que indicia uma ocupação da época Calcolítica e que se encontra depositada no Museu Municipal; sabe-se também que foram recolhidos diversos machados em pedra polida no antigo convento de S. Domingos e na colina de Nossa Senhora do Monte, que datam do Neolítico Final ou do Calcolítico. Encontram-se em Lisboa, no Museu Nacional de Arqueologia, dois machados em bronze que foram achados junto ao antigo convento de S. Bento, e que mostram afinidades com a Cultura de Alpiarça. As condições naturais de defesa do monte onde se situa a Alcáçova, dominando o rio Tejo e as extensas e férteis lezírias, fizeram do lugar um oppidum desde a Idade do Bronze Final e do Ferro. Sabe-se pelos testemunhos arqueológicos encontrados neste lugar, que a sua população tinha contactos com comerciantes orientais, de origem fenícia ou púnica, os quais demandavam a fachada atlântica e vias fluviais desta finisterra ibérica.
Da romanização às invasões árabes
No séc. II, a cidade de Morón (possivelmente Chões de Alpompé) próxima de Scallabis (Santarém), foi importante na conquista e estratégia militar romana na Lusitânia. Foi aí que Decimus Iunus Brutus governador da Hispânia Ulterior, estabeleceu o seu acampamento militar. Após as campanhas de Júlio César, e pacificado o território entre o Tejo e o Douro é fundada a colónia de Scallabis. Na época de Augusto, a cidade passa a deter grande importância também no aspeto administrativo e judicial. A atestar esse significado está a elevação a sede de conventus da Lusitânia, que incluía, entre outras, na sua circunscrição, cidades como Olisipo (Lisboa), Sellium (Tomar) e Conímbriga (Condeixa). Outro aspeto que é de ter em consideração é a situação geográfica de Scallabis, que constituía um ponto de cruzamento de várias vias romanas, respetivamente Olisipo-Emerita Augusta (Lisboa-Mérida) e Olisipo-Bracara Augusta (Lisboa-Braga). Apesar da importância que detinha neste período, os vestígios arqueológicos até ao momento encontrados têm sido poucos. Entre outros, foi posto a descoberto na área da Alcáçova, o podium de um templo romano (séc. I a.C.), bem como diversas cisternas e inscrições.
Ao declínio do império romano, segue-se um período em que se fazem sentir os efeitos das invasões bárbaras. No ano 460, os Visigodos, sob o comando de Sunerico, depois de prolongado cerco da urbe, fazem-na capitular. A cidade continua a deter importância neste novo contexto.
Com a chegada das forças do Islão à Península Ibérica, Shantarin (designação árabe de Santarém) é tomada em 714 por Abd al Aziz, e durante quatro séculos manter-se-á na posse islâmica. Nos séculos XI e XII acentua-se o desempenho estratégico da urbe. Disputada a sua posse por parte de árabes e cristãos, constituía neste período uma fronteira ocidental no rio Tejo, entre aquelas duas civilizações. Em 1093, D. Afonso VI de Leão conquista a cidade e passado pouco tempo, em 1095, outorga o primeiro foral desta povoação. No ano seguinte, a urbe é incluída no recém-criado Condado Portucalense (na origem do reino de Portugal), ficando a sua tutela sob a responsabilidade do conde D. Henrique de Borgonha e de sua mulher D. Teresa filha do monarca D. Afonso VI. Mas, com a chegada dos almorávidas, sob o comando de Seyr Ibn Abu Bakr, é reconquistada em 1111.
Durante a dominação islâmica, sobretudo nos séculos XI e XII, Shantarin constituiu um centro intelectual e artístico de assinalável importância, que numa certa medida chegava a rivalizar com Córdova - principal núcleo civilizacional do islame na Península Ibérica. Em Santarém nasceram ou viveram poetas e prosadores como Ibn Sara, Ibn Bassam, entre outros. A comunidade moçarabe, apesar de manter a religião cristã, embora estivessem submetidos aos muçulmanos, também desempenhou um papel de relevo em diversas áreas. Pode afirmar-se que a civilização islâmica marcou profundamente esta cidade, e influenciou também, a partir desta urbe, a poesia portuguesa nos séculos seguintes (XIII e XIV) quando já estava consolidado o reino português.
Santarém na História de Portugal
Só em 1147, Santarém voltará a pertencer à cristandade, após ser conquistada pelo primeiro rei português - D. Afonso Henriques -, filho do conde D. Henrique. Este monarca, em 1179, concede privilégios à população de Santarém através de carta de foral. A cidade desde a sua conquista serve de apoio estratégico a novos avanços das forças cristãs mais para Sul, tornando-se num bastião de cruzada. Desse auxílio resulta, por exemplo, a posse de cidades como Lisboa, Beja e Évora. Foram ainda tentadas algumas ações militares levadas a cabo pelos almóades em 1171, 1184 e 1190, no sentido de reaver a cidade de Santarém, mas os objetivos não são conseguidos, mantendo-se a urbe cristã. A partir daí ficou reforçada a fronteira cristã na linha do Tejo e principiou efetivamente a regressão islâmica a Sul deste rio. D. Sancho I, filho de D. Afonso Henriques, oferece bens à Ordem de Santiago, ficando esta encarregada de defender a cidade. Por outro lado, em 1198, confirma o foral dado por seu pai. Durante o seu reinado, no início do séc. XIII, chegam a esta região as ordens mendicantes que iriam ter uma notável ação na edificação de numerosas igrejas e conventos, que marcaram de forma inequívoca o património gótico não apenas de Santarém, mas, também, do território nacional.
Entre 1273-1274 e em 1284, são aqui constituídas Cortes para solucionarem vários problemas, reinava nesta altura D. Afonso III. Em 1320, D. Dinis recebe em Santarém a Bula Pontifícia que criou a Ordem de Cristo, em substituição da Ordem dos Templários. Novas Cortes de Santarém são realizadas em 1331, 1334 e 1340, no reinado de D. Afonso IV, filho de D. Dinis. Foi nos Paços Reais, que D. Pedro I ordenou a execução dos assassinos da sua amada, D. Inês de Castro. No reinado seguinte, D. Fernando acolhe-se nesta cidade, quando em Lisboa a arraia miúda se insurge contra o seu casamento com D. Leonor Teles que representava os interesses de Castela. Em 1373, após as guerras entre Portugal e Castela, o rei português assina aqui um Tratado de Paz, com o rei D. Henrique II de Castela. Em 1383, são reunidas novamente Cortes em Santarém, a fim de ser jurado o casamento efetuado entre a filha legítima de D. Fernando e de D. Leonor Teles, com D. João I rei de Castela. Com a morte de D. Fernando fica a reger o reino a partir de Santarém, D. Leonor Teles, a qual depois é obrigada pelo genro a abdicar do cargo a favor de sua filha D. Beatriz. Santarém, tal como Lisboa, por esta altura aclama o Mestre de Avis, solução encontrada para se opor à ameaça do reino vizinho, sendo por esse motivo alvo da ocupação do exército castelhano. A urbe é escolhida pelo rei de Castela, para sede da sua estratégia em Portugal nos anos de 1384-1385, passando inclusive a ser cunhada moeda castelhana. Depois de 1385, com a derrota dos exércitos castelhanos em Aljubarrota, Santarém é recuperada pelo Mestre de Avis - D. João I, fundador da nova dinastia portuguesa. Face à possibilidade de nova ameaça castelhana, em 1411 são reunidas Cortes novamente. Em 1434, ocorre outra reunião para o juramento ao rei D. Duarte. Durante o período das Descobertas, Santarém deu o seu contributo nesta empresa, com a participação de homens e haveres; salienta-se João de Santarém como navegador e mercador que atingiu S. Jorge da Mina em 1471. D. João II, cuja estratégia foi determinante no desenvolvimento da expansão portuguesa, encarregou nos Paços de Santarém, em 1487, Pero da Covilhã e Afonso de Paiva de demandarem a Índia por terra e encontrarem o lendário reino de Prestes João (Etiópia). Foi ainda o morador de Santarém - Pedro Álvares Cabral -, que descobriu o Brasil (1500). Entre as campinas de Omnias e o Alfange, morreu vítima de uma queda de cavalo, em 1491, o herdeiro e filho único de D. João II. Por essa razão virá a ser rei D. Manuel I, que em 1506 outorga foral novo ao concelho de Santarém. Em 1580, aberta a crise de sucessão motivada pela fatídica empresa no Norte de África (1578), da qual não regressa D. Sebastião, que deixa vago o trono, D. António Prior do Crato é aclamado rei em Santarém, no mosteiro de S. Bento. Contudo, nesse mesmo ano, depois da batalha de Alcântara, D. António é derrotado, e o rei espanhol Filipe II (Filipe I de Portugal) ocupa o trono português. Após 60 anos de subordinação a Espanha, Portugal vê restaurada a sua independência, sendo santarenos alguns dos conjurados. Em 1647, a nova dinastia de Bragança, iniciada com D. João IV, doa o Paço Real de Santarém à Companhia de Jesus, para aí ser construído a Igreja e Colégio. Durante as invasões francesas, Santarém é ocupada (cerca de quatro meses) pelas forças de Massena, em 1810, após este não ter conseguido romper as linhas de Torres (cintura fortificada da região de Lisboa). Outros episódios passados em Santarém, enquadram-se nas guerras entre liberais e absolutistas, tendo o chefe desta última fação, D. Miguel, estabelecido aqui o seu quartel-general. A elevação de Santarém a cidade em 24 de dezembro de 1868 contou, nessa atribuição, com o papel decisivo de um dos mais ilustres filhos desta terra e que aqui se encontra sepultado - Sá da Bandeira.
CENTRO HISTÓRICO DE SANTARÉM
A cidade de Santarém, sede de concelho e capital de distrito da província do Ribatejo (região onde hoje a agricultura e a criação de gado são os principais vetores de riqueza), adquiriu uma importância devida à sua localização geográfica, situada em ponto estratégico sobre a margem direita do rio Tejo e que lhe serviu em tempos pretéritos, de charneira entre o Norte e o Sul, do ponto de vista político-militar e económico. Paralelamente, foi-se desenvolvendo uma invulgar sedimentação histórico-cultural que se reflete, naturalmente, no seu património. O Centro Histórico da cidade de Santarém ocupa uma área de 1,43 Km², onde se incluem, atualmente, quatro freguesias: na parte alta - Marvila, S. Nicolau e S. Salvador -, e na parte baixa - Santa Iria da Ribeira de Santarém. A zona histórica é delimitada a Norte pelo Monte e Bairro de S. Bento; a Oeste pelo Monte da Senhora do Monte, Vale da Oliva, Bairro do Trigoso, Vale de Taré e Bairro dos Combatentes da Grande Guerra; a Sul pelo Vale de Rei e Outeiro da Forca; a Este pelo rio Tejo.
Núcleos Urbanos
Embora a fixação do lugar se fizesse preferencialmente no planalto, por razões não só de defesa, mas também de salubridade (a base é formada por planícies de aluvião, que quando invadidas pelas águas do rio formavam paúis, nas partes mais baixas), contudo existiam alguns núcleos urbanos ribeirinhos. Estes tornavam-se necessários porque eram o elo de ligação com a parte alta, cuja autonomia dependia da sua existência, e porque daí os produtos eram levados por via fluvial, para dentro e fora do reino (Santarém foi de modo geral um centro exportador de produtos agrícolas devido à grande fertilidade das vastas planícies aluviais). As encostas não foram aqui, de maneira geral, sítio de fixação, devido ao tipo de terrenos argilosos, de barrocas, sujeitos a escorregamentos e erosão, ao contrário do que acontece com outras cidades também com colinas, mas cujas encostas não são formadas por terrenos deste tipo como, por exemplo, Lisboa, Porto ou Coimbra. Assim, em Santarém, o homem foi moldando o lugar, por meio de obras de aterros e terraplanagens, criando calçadas (exemplo da Atamarna) e escadarias que ligavam os núcleos urbanos da parte alta e baixa. Naturalmente, a localização dos pólos da urbe fez refletir a posição ou hierarquia social dos seus habitantes. Na parte baixa existiam dois locais - o Alfange e a Ribeira de Santarém (Sesirigo) -, respetivamente, o pequeno bairro piscatório onde se situava o mais antigo cais ribeirinho, e o grande arrabalde junto do rio que se dedicava às atividades comerciais e ofícios. Na parte alta destacavam-se: a cidadela ou Alcáçova mourisca, sobre antigo oppidum ou Acrópole, importante pela sua função militar (bastião avançado sobre o Tejo) e também religiosa; e Marvila, grande núcleo extramuros (a Norte e a Ocidente), onde se fixaram aristocratas e burgueses.
Ribeira de Santarém
Conjunto muralhado
No séc. XIII, a estrutura urbana e muralhada da parte alta e baixa de Santarém já se encontrava praticamente delineada, mantendo-se sem grandes modificações até meados do séc. XIX. O conjunto muralhado constitui, quer pela extensão do seu perímetro (da ordem dos 8.800 metros), quer pela quantidade e qualidade dos elementos nele incorporados - torres, portas e postigos -, um caso raro no contexto das urbes muçulmanas do al-Andalus ou das urbes medievais portuguesas fortificadas.
O inexpugnável sítio da Alcáçova ou Cidadela, como foi referido, era o local militar por excelência ligado ao planalto por um esporão central, entre dois cavados entalhes - o vale de Atamarna, a Norte, e o vale de Alfange, a Sul -, e constituía uma guarda avançada relativamente ao núcleo urbano ou Vila Alta propriamente dita. As muralhas da Cidadela são genericamente do período muçulmano e incluem várias torres de configuração redonda (6) e quadrangular (6), duas portas orientadas sensivelmente no sentido Nascente/Poente e quatro postigos repartidos a Nordeste e a Sudoeste. De uma das torres, conhecida por Alharfa, segundo as fontes escritas, eram lançados os condenados, depois de decapitados, pela encosta para o rio Tejo. As portas estabeleciam ligação com os núcleos ribeirinhos: a Porta do Sol ligava ao Alfange; e a Porta da Alcáçova ou de Santiago, que além do acesso à Vila, permitia também ligar à Ribeira de Santarém. Alguns panos de muralha da Alcáçova ao longo do tempo foram destruídos ou alvo de obras de conservação e reconstrução; apesar disso, mantém de modo geral a sua homogeneidade, à exceção de um pequeno troço abaluartado e de uma guarita, onde se notam tipologias de período bastante posterior (seiscentista). No Planalto, correspondente ao núcleo urbano de Marvila ou Vila Alta (antiga medina muçulmana), não existem as formidáveis condições naturais de defesa da Cidadela, pelo que foi necessário encontrar meios construtivos adequados, do ponto de vista militar, para o proteger. Edificou-se na época medieval, com esse objetivo, uma Cerca muralhada, e dois núcleos acastelados: a Alcáçova Nova - recinto fortificado ou Castelo da Vila - onde a partir do séc. XIII, diversos reis portugueses tinham o Paço, que ficava onde hoje se ergue o Colégio e Igreja dos Jesuítas; e o designado Castelo de Valada, onde existia uma Porta com o mesmo nome, que ligava os campos de Valada à Vila Alta, e que formava o esporão de defesa, no extremo Sul.
Ao longo da Cerca existiram torres de planta quadrangular (18) e redonda (4), portas (14) e postigos (7). Subsistem diversos troços e alguns dos elementos mantém ainda uma certa imponência, como a Torre Cabaceiro, adaptada a Torre Relógio desde o séc. XV, e que fazia parte do desaparecido sistema defensivo da Porta do Alpram ou do Alporão (esta porta estabelecia a ligação entre a Vila e a Cidadela e era defendida por duas torres, uma delas a que sofreu a referida adaptação). Outro exemplo, embora se encontre em parte arruinado, é a Torre Albarrã do Postigo de D. Margarida. Os núcleos ribeirinhos (Alfange e Ribeira de Santarém) também se encontravam defendidos por muralhas próprias. A este facto não será alheio a existência de portos fluviais e comércio mercantil que na época foram de primordial importância, não só para a cidade, mas também para o reino, e ainda, de num destes núcleos se situar o santuário de Santa Iria, simbolicamente ligado à origem de Santarém e que foi alvo de grande culto.
As etnias minoritárias - mouros e judeus -, após a conquista de Santarém pelo primeiro rei português, foram instaladas em lugares extramuros. Os primeiros tinham as suas casas na encosta a Norte, junto à antiga Cerca do planalto, enquanto as dos segundos ficavam nas imediações das muralhas de Alporão, perto da antiga Porta do Alpram, entre a Vila e a Alcáçova. Estes bairros de grupos minoritários - Judiaria e Mouraria -; desde meados do séc. XIV encontravam-se rodeados por muros próprios, vindo a Mouraria a ser incluída na Cerca depois das obras de fortificação mandadas realizar pelo rei D. Fernando.
Património Monumental e Artístico
A riqueza do património monumental é muito significativa em Santarém e uma das mais personalizadas do país. Efetivamente, o processo construtivo, principalmente entre os séculos XIII e XVII, desenvolveu-se aqui de uma forma específica que a diferenciam das restantes urbes portuguesas. Esta realidade mostra que a cidade denota um significativo caráter Gótico, Renascentista, ou até Romântico, mas onde falta a clara afirmação do Barroco. O facto de o lugar ser muito antigo e de nele se terem sedimentado vestígios de quase todas as épocas, faz com que o conjunto monumental não possa ser dissociado da componente arqueológica. Assim, diversas estruturas tem sido postas a descoberto e passaram a fazer parte do meio urbano, como é o caso da cidadela da Alcáçova. Os aspetos mais significativos encontram-se situados em redor das muralhas que alcançaram o seu maior perímetro nos séculos XIII e XIV, e definem no local a importância dos aspetos militares até ao séc. XIX, e por outro lado, condicionaram a expansão da vila, cuja urbanidade se organizava por eixos ou ruas sinuosas.
Fase pré-românica e românica
Deste período restam atualmente na cidade poucos testemunhos, em parte devido a algumas das mais antigas igrejas terem desaparecido (Salvador, S. Lourenço, S. Martinho); subsistem alguns panos de muralha do castelo, vestígios na Porta de Leiria, na igreja de Santa Maria de Alcáçova e na igreja de S. João Evangelista (no Alfange).
Arquitetura gótica
Do final do séc. XII ou início do seguinte, a igreja de S. João de Alporão, é um edifício de transição, de raiz românica-gótica. Possuía uma torre românica que foi demolida no séc. XVIII. De salientar na fachada principal, o belo portal gabletado onde se inscrevem arquivoltas e capitéis com decoração vegetalista, encimado por uma rosácea preenchida com colunelos que formam uma estrela de belo efeito. No espaço interior deste templo funciona o Museu Arqueológico de Santarém. Próximo, encontra-se a alta Torre do Cabaceiro, cuja edificação se atribui ao período quatrocentista e se elevava nos panos da antiga muralha. A importância de Santarém, durante o período gótico, é de tal modo significativa que foi apelidada em Portugal de capital do Gótico. A intensa atividade mercantil, os açougues, os armazéns, as feiras e estalagens, a presença frequente de reis e corte, de notários e escrivães, naquele período, mostram a importância e riqueza que a vila detinha. Esta faceta favoreceu, logicamente, o desenvolvimento da arquitetura e de outras manifestações de arte, nomeadamente a escultura. Assim, pode admirar-se um vasto e admirável conjunto de edifícios religiosos, da Idade Média, que representam a expressão de um gótico primitivo e mendicante, e um magnífico acervo de tumulária da mesma época. Os exemplos iniciam-se no séc. XIII com a construção das igrejas e conventos: S. Domingos (destruído); S. Francisco; e, Santa Clara. Edificam-se depois o convento das Donas e outros templos mais pequenos. O Convento de S. Francisco, bastante danificado por cataclismos naturais, invasões e guerras, encontra-se atualmente em reconstrução. Dele, subsiste atualmente, a igreja e o claustro (sabe-se que este complexo religioso chegou a dispor de dois claustros, três dormitórios e uma biblioteca). A planta da igreja é de três naves, característica do gótico mendicante, com transepto e cruzeiro salientes, e cabeceira composta de cinco capelas (as laterais de planta retangular e a capela-mor que seria poligonal). O claustro ostenta colunas duplas com capitéis decorados com motivos vegetalistas, apresentando as abóbadas nervuras com pedras de fecho. O que resta deste cenóbio constitui um valor de grande riqueza histórica, não só devido à importância e profusão de factos que aí decorreram, mas também porque serviu de panteão a importantes famílias do reino e mesmo de reis. Existe atuamente um projeto para fazer dele um museu de tumulária artística, prevendo-se a deslocação para este espaço dos exemplares guardados em S. João de Alporão. A Igreja do Convento de Santa Clara possui dimensões fora do comum (80 metros de comprimento), sendo constituída por três naves, cabeceira de cinco capelas (com estruturação idêntica à de S. Francisco) e amplo transepto e cruzeiro, cujos volumes impressionam quem observa o edifício no exterior, sendo ainda digno de admiração uma grande rosácea com colunelos, na fachada ocidental. Todo este conjunto monumental religioso distribuía-se em volta da cintura muralhada e justificava o crescimento e importância de Santarém na época. Também integrada no gótico primário, embora mais elaborado que o das ordens mendicantes, é a Igreja de Santa Cruz, no Vale do Gaião, junto da Ribeira de Santarém. Neste lugar pode observar-se um dos poucos monumentos públicos góticos que subsistiu até à atualidade - a Fonte das Figueiras. Esta fonte do séc. XIII, que se encontra adossada a um pano de muralha de época posterior, é formada por três arcos ogivais que repousam em meias colunas e tem cobertura em abóbada de tijolo com nervuras, sendo os alçados onde se rasgam os arcos, encimados com ameias. Outra edificação religiosa importante, mas já com linhas que a integram num gótico mais evoluído, de tipo flamejante, é a belíssima Igreja de Santa Maria da Graça, fundada em 1380, mas cujas obras se prolongaram até inícios do séc. XV, foi pioneira no novo modelo estilístico da Batalha. Trata-se de um amplo templo de três naves e largo transepto. Na cabeceira inscrevem-se três capelas poligonais cobertas por abóbadas de nervuras, tendo grandes frestas de iluminação. Numas delas repousam, em túmulo raso, os restos mortais de Pedro Álvares Cabral. Na fachada desenha-se um excelente pórtico com gablete e uma das mais belas rosáceas de Portugal, com elaborado trabalho flamejante.
Escultura e tumulária gótica
A quantidade e a qualidade plástica dos exemplos tumulares existentes, reforçam a ideia de que Santarém seria um centro destacado nas encomendas e no desenvolvimento de um certo tipo de orientação escultórica. Uma parte significativa é proveniente de diversos templos e está instalada no Museu de S. João de Alporão. Entre os exemplos mais antigos conta-se o sarcófago de Martim Afonso Chichorro (filho bastardo do rei D. Afonso III), trazido da Igreja do Convento de Santa Clara para este espaço museológico. Tem estátua jacente e os baixos-relevos localizados nos topos do túmulo indiciam já o gosto dos motivos naturalistas que caracterizam a decoração do século seguinte. Na Igreja de Santa Clara ainda se mantém o túmulo, construído em 1325, de D. Leonor Afonso (filha de D. Afonso III), fundadora daquele cenóbio. Pode admirar-se o trabalho de fino recorte, das cenas representadas nos lados e topos do sarcófago. Na Capela de S. Nicolau, encontra-se outro exemplo de grande qualidade artística, o túmulo de Fernão Redondo e de sua mulher, datado de 1330. Trata-se de um túmulo com jacente de grande naturalismo, com a cabeça assente em almofadas e os pés apoiados em lebréus. Um dos trabalhos mais significativos da tumulária gótica em Santarém, é o cenotáfio de D. Duarte de Meneses, no Museu da Igreja de S. João de Alporão. Esteve primeiramente na Capela das Almas, do Convento de S. Francisco. Este arcossólio de cerca 1465-1470, com belíssimo trabalho do tipo flamejante, mostra um grande arco conopial, e inspira-se nos túmulos da capela dos fundadores da Batalha. A estátua jacente representa o conde em traje de combate. Merece também destaque o túmulo de D. Pedro de Meneses na Igreja da Graça. É constituído por uma arca de calcário, assente em oito leões, com figuras jacentes deste nobre e de sua mulher, profusamente decorada com ramos de zambujeiro e brasões da família. Alguma tumulária apresenta já o gosto manuelino como é o exemplo do arcossólio de João Afonso de Santarém na Igreja de S. Nicolau. Resta sublinhar que outras obras de grande qualidade da tumulária de Santarém, foram deslocadas desta cidade para Lisboa (Museu Arqueológico do Carmo), estando a edilidade santarena a diligenciar esforços no sentido de os fazer regressar ao local de origem. Estão nesta situação os túmulos do rei D. Fernando I e de D. Constança (primitivamente colocados no Convento de S. Francisco), e de Ruy de Meneses (proveniente do Convento de S. Domingos). Mas, as obras de caráter escultórico incidem também noutras vertentes. É o caso, por exemplo, da bela imagem do Cristo em Majestade, de meados do séc. XIV, proveniente da Igreja do Mosteiro de Santa Clara, que está no Museu, ou, do Cristo no altar da Igreja de Santa Iria da Ribeira.
Outras manifestações estilísticas de relevo
O séc. XVI é um dos períodos de maior desenvolvimento cultural da cidade, reflexo das diversas presenças de uma Corte palaciana e culta, e por outro lado, beneficiando de um próspero capitalismo mercantil. Foram efetuados vários trabalhos (em geral, de beneficiação de construções anteriores), ao gosto manuelino e que se podem observar, por exemplo, na fachada da Igreja de Santa Maria de Marvila, onde se salienta o magnífico pórtico com um programa decorativo próprio desta época; no interior, merecem atenção a capela-mor, com abóbada polinervada e cujas pedras de fecho ostentam as cruzes de Cristo, e o elegante arco triunfal. Os portais manuelinos do claustro gótico de S. Francisco, são outro testemunho das campanhas efetuadas naquele estilo. Em pormenores de edifícios civis, está também patente esta gramática estilística. É o caso da janela dividida por mainel, em dois vãos de arco trilobado, no andar nobre de uma casa na Praça Sá da Bandeira, ou de outra janela geminada proveniente da Quinta das Ómnias patente em S. João de Alporão. No reinado de D. João III, porém, progressivamente vai tomando peso a influência da cultura humanística e italianizante, em detrimento da arte manuelina. Reflete-se tal corrente renascentista nalguns edifícios, entre outros: na Igreja do Santíssimo Milagre (cujo milagre fez da vila, na época medieval, um dos polos religiosos de maior importância não só de Portugal, mas mesmo da Europa), onde se observam naves estruturadas por arcos de volta inteira assentes sobre colunas toscanas e arcaria trabalhada da iconostase; na Igreja de Santa Cruz da Ribeira com um belo púlpito assente sobre coluna; na Capela de Nossa Senhora do Monte onde se observa uma extensa galilé alpendrada com dezanove colunas lisas, com capitéis decorados com volutas vermiformes, motivos vegetalistas e cabeças de anjos a meio dos ábacos, que evocam influências florentinas. Mas, o exemplo que melhor representa o Renascimento em Santarém é a Igreja da Misericórdia, tipo de igreja-salão (hallenkirchen) com grossas colunas toscanas que organizam o interior do templo de três naves à mesma altura e abóbadas de nervuras cruzadas. Trata-se de um exemplar de meados do séc. XVI, onde se faz sentir já a arquitetura religiosa do designado estilo-chão, que reflete a "filosofia" saída dos cânones da Contra-Reforma. Este tipo de igrejas, sujeito a um funcionalismo racional, foi largamente divulgado pela Companhia de Jesus e está bem representado no património construído de Santarém, sendo de destacar a Igreja do Colégio dos Jesuítas. Este tipo de arquitetura "chã" maneirista influenciou de maneira relevante as construções religiosas edificadas no império português, particularmente no Brasil. Também na arquitetura civil da cidade se podem observar características maneiristas nalguns edifícios, sendo aqui os aspetos comuns desta corrente estilística, as varandas de canto com janelas de sacada e coluna ao centro.
Na época setecentista, o barroco foi pouco influente na caracterização exterior dos edifícios santarenos, sendo principalmente na decoração dos interiores que se fez sentir a sua fórmula. Todavia, observam-se alguns exemplos que merecem certo destaque, como na Igreja da Misericórdia, cuja fachada foi substituída após o terramoto de 1755, por uma de feição barroca, ou na parede de um anexo da Igreja de S. Nicolau, onde se inscreve um belo oratório setecentista com volutas, florões, pináculos e fogaréus; é ainda de salientar o Chafariz de Palhais, da segunda metade do séc. XVIII, cuja arquitetura se filia no barroco e "rocaille".
No séc. XIX, fazem-se sentir diversos melhoramentos em Santarém. A arquitetura do ferro tem alguns bons exemplos: Penitenciária Distrital, Ponte de D. Luís, Matadouro Municipal e Mercado Municipal. Por outro lado, a fisionomia de diversos prédios passa a ser caracterizada por revestimento de azulejos. Alguns equipamentos, mais recentes, dignos de atenção pela sua arquitetura são, entre outros, o Teatro Rosa Damasceno e o edifício do ex-Banco de Portugal.
Santarém (planalto):
1 - Cidadela ou Alcáçova
Arquitetura Religiosa - Templo Romano de Scallabis, Igreja de Santa Maria de Alcáçova.
Arquitetura Militar - Muralhas da Cidadela, Porta do Sol, Porta de Santiago.
2 - Marvila, S. Nicolau, S. Salvador
Arquitetura Religiosa - Igreja de Santa Maria de Marvila, Igreja de Santo Estevão (Santo Milagre), Ermida do Milagre, Igreja de S. João do Alporão, Igreja de Nossa Senhora da Graça (de Santo Agostinho), Claustro e Vestígios do Convento da Graça, Igreja de Nossa Senhora de Jesus do Convento do Sítio (ou Igreja do Hospital de Jesus Cristo), Igreja e Convento das Capuchas da Senhora dos Inocentes (ou do Recolhimento das Capuchas Terceiras), Igreja de S. Nicolau, Igreja da Misericórdia, Igreja e Claustro do extinto Convento de S. Francisco, Igreja do Convento de Santa Clara, Capela de Nossa Senhora do Monte, Igreja do Seminário de Santarém (de Nossa Senhora da Conceição), Igreja de Nossa Senhora da Piedade.
Tumulária - Sarcófago de Martim Afonso Chichorro, túmulo de D. Leonor Afonso, túmulo de Fernão Rodrigues Redondo, cenotáfio de D. Duarte de Meneses, túmulo de D. Pedro de Meneses, arcossólio de João Afonso de Santarém.
Arquitetura Militar - Troços da Cerca Muralhada, Torre das Cabaças (ou do Relógio, ou Cabaceiro), Torre Albarrã do Postigo de D. Margarida.
Arquitetura Civil - Casario e pormenores arquitetónicos dos Bairros de Marvila, do Salvador e de S. Nicolau, Casario do Bairro da Mouraria, Antigo Matadouro Municipal, Mercado Municipal, Palácio da Justiça de Santarém, Penitenciária Distrital/Presídio Militar, Cine-Teatro Rosa Damasceno, Teatro Sá da Bandeira.
Arquitetura Áulica - Vestígios do Paço Real no edifício do Seminário, Palácio de Eugénio Silva ou dos Meneses, Palácio Landal, Palácio do Barão de Almeirim (atual Casa-Museu Braamcamp Freire e Biblioteca Municipal de Santarém).
Núcleos ribeirinhos:
3 - Alfange
Arquitetura religiosa - Ruínas da Igreja de S. João Evangelista de Alfange
4 - Ribeira de Santarém
Arquitetura Religiosa - Igreja de Santa Cruz, Igreja de Santa Iria, Ermida de Santa Iria, Memorial de Santa Iria.
Arquitetura Civil - Fonte das Figueiras (conhecida por Fonte Mourisca), Ponte do Alcôrse (ou Alcourse), Antigo Hospital de Santa Iria, Estação dos Caminhos de Ferro Portugueses, Ponte D. Luiz I.
ALARCÃO, J. de - «Identificação das cidades da Lusitânia Portuguesa e dos seus territórios», in Les Villes de la Lusitanie romaine : hiérarchies et territoires, (Mesa-redonda C.N.R.S., 1988), Paris, 1990.
ARRUDA, Ana Margarida - «A Ocupação da Idade do Ferro da Alcáçova de Santarém no contexto da expansão fenícia para a fachada Atlântica peninsular», in Estudos Orientais, I, Lisboa, 1993.
CUSTÓDIO, Jorge (coord.) - Santarém Cidade do Mundo, vol. I e II, Santarém, Câmara Municipal de Santarém, 1996.
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GARRET, Almeida - Viagens na Minha Terra, Lisboa, Portugália Editora, 1963.
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LEMOS, Eugénio de - Santarém, Lenda e História, Santarém, 1940.
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