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Exposições

Geografia Imaterial

A mostra reúne um conjunto imprevisível (ou assim há quem o possa pensar) da obra de três artistas contemporâneos.

18 Jan a 15 Mar 2025

Galeria Graça Brandão
R. Caetanos 26 A, 1200-079 Lisboa

Manuel Santos Maia concebeu a curadoria desta exposição, primeiramente apresentada no Espaço Mira, no Porto, a partir do mote da liberdade das imagens. Três discursos distintos aproximam-se, quando a sua concretização visual é realizada pelo desejo de existirem apenas num mundo onde, por vezes, lhes é exigida uma razão ou permissão para o ser. Coexistem no mesmo espaço, plural e democrático. “Não são estranhas nem estrangeiras a nós [as imagens], arriscando uma existência mínima por não pretenderem ter a capacidade ou a força para se impor perante as outras…” (nas palavras do curador). 

Através do registo fotográfico de ações anteriores, Nuno Ramalho apropria-se de imagens por si próprio criadas e transforma-as. Entre a forma e o informe tanto presente no corpo humano, como na própria plasticidade dos materiais e da esponja em particular, figuras cortadas são (re)construídas e suspensas. 

Observamos um corpo, despedaçado, sem rosto, nem identidade. Como que “envolvido num combate consigo mesmo”¹, o corpo ataca-se e protege-se, simultaneamente. O diálogo crítico do criador com a obra, a disputa interior constante e a luta universal consequente das rasteiras que cada um se vai pregando a si próprio, tentando logo depois, amparar a queda. Ou então, uma dança entre duas pessoas, dois eus talvez – pairam no ar e deixam-se conduzir pelos estímulos que vão recebendo de fora, de quem por ali passa, do vento que sopra, ou da eventual música que alguém ousasse tocar. 

Está presente a ideia de continuidade e movimento, através da sequência de imagens que são colocadas lado a lado ou em confronto e provocam leituras inesperadas. A fotografia que, anteriormente, estava dependente da realidade, parte agora dela, ganhando uma nova dimensão, pela conquista do surrealismo sobre o imaginário. 

Na obra de Sérgio Leitão, a figura dilui-se em manchas de cor, mais ou menos iluminadas, dando lugar a paisagens abstratas. É pela assemblage de objetos, do arquivo pessoal do artista e relacionados com o local onde os expõe, que nos apercebemos d’ “a espantosa realidade das coisas”². Ora sobrepostas, ora lado a lado, as imagens não infligem hierarquias, coexistem em harmonia, porque em conjunto contam histórias. Existe uma permanência das imagens, ainda que estas sejam passíveis de ser alteradas – encontram-se em potência, pois estão abertas a inúmeras possibilidades. Cada montagem de coisas é realizada in situ, como não poderia deixar de ser, uma vez que a obra dialoga diretamente com o espaço onde se insere. Porém, é precisamente esse trabalho processual, comummente realizado em atelier, que nos é apresentado a cru como parte integrante da obra. 

Por outro lado, os recortes de caráter futurista e os desenhos iconográficos, que remetem para o grafismo da banda desenhada, relacionam-se com as pinturas de André Sousa, onde a energia é representada por um, ou vários, raios. Uma nuvem, branca e serena, dá origem a algo indomável, definido por cores fortes e contrastantes: o raio, que “tanto impressiona pela beleza, como mata.”³ É emoldurado por limites que o tentam conter, mas não são bem-sucedidos. Como que uma tentativa de controlar algo que seria impossível – um fenómeno atmosférico e energético esmagador captado e enjaulado num suporte bidimensional. O artista desafia o olhar e a imaginação do espectador, convidando-o a completar o desenho. Ao olhar as imagens, ouvimos um trovão, que nos atravessa sinestesicamente o pensamento.

Muitas vezes, simbolicamente associado à fúria da Natureza ou do poder e ordem de algum Deus-Pai, é aqui representado numa paleta de cores que se desdobra entre os tons mais fechados e os mais claros, que concedem uma certa ironia e leveza à imagem e à caracterização deste signo.

A ideia de estrutura é algo transversal aos três artistas, que exploram o conceito de diversos modos. Sérgio Leitão organiza as suas composições em filas, pontuadas por pequenas janelas de luz e cor, que contrastam com os fundos pretos ou brancos. Por outro lado, André Sousa brinca com os limites do suporte, desafiando a nível compositivo, a ideia de finitude, o desenho do raio extrapola as fronteiras da tela. A grelha vermelha perfeitamente estruturada na folha de papel chinês forma a base para as consecutivas tentativas do desenhado caligráfico; por oposição às lonas de algodão, onde quase que passa despercebido esse esqueleto, por meio das dobras toscas e subtis da própria tela.

 Já o quadriculado da folha de papel que ornamenta a moldura da escultura, de Nuno Ramalho, é preenchido meticulosamente à mão. Criam-se padrões que, segundo um olhar mais desatento, poderão ser percecionados como automáticos no sentido em que poderiam ter sido produzidos por uma máquina. O que surpreende é precisamente o tempo e carinho investidos no desenvolvimento detalhado do desenho/padrão. O trabalho de sombras que certos elementos integrantes apresentam, as diferentes pressões aplicadas aquando da imposição da tinta no papel, as eventuais falhas em detrimento da perfeição do traço repetido são o que elevam o conjunto.

 Se a geografia é a ciência que estuda e inter-relaciona os aspetos físicos e humanos na superfície terrestre (a configuração de um determinado espaço) e o conceito “imaterial” se refere àquilo que é incorpóreo e intangível – poderemos pensar nesta exposição “geografia imaterial” como a linguagem do mundo (ou mundos), através da mão do homem e da sua espiritualidade, ou seja, da natureza do espírito, que é relativo ao pensamento ou à mente; que representa indiretamente uma coisa ou uma ideia.

 Leonor Guerreiro Queiroz 

¹Citado da conversa entre a autora e Nuno Ramalho.
²Pessoa, F. (1915). A Espantosa Realidade das Coisas. In Poemas de Alberto Caeiro (p. 83). Lisboa: Ática, 1946 (10a ed. 1993).
³Citado da conversa entre a autora e André Sousa.

Artistas: André Sousa, Nuno Ramalho e Sérgio Leitão
Curadoria de Manuel Santos Maia
Horário: Terça a sábado, das 11h às 19h 

Fonte: AgendaLX
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