Exposições
Catarina Castel-Branco e Manuel San-Payo: Voltar a casa
A mostra reúne obras recentes em diálogo de Catarina Castel-Branco (Abrantes) e Manuel San-Payo (Lisboa), cúmplices na prática artística e na amizade que partilham há trinta anos, bem como uma obra inédita criada especialmente para esta exposição e assinada pelos dois artistas.
7 Dez a 4 Mai 2025
“Quero ver o que pareço no espelho com os olhos fechados”, escreve Novalis, e a casa é o mais próximo que temos desse espelho. Como uma nave ou um arquivo, “As casas são elásticas como a vida / E ganham a extensão de quem lá mora” (1). A noite banha a paisagem para lá da janela, os cães ladram ao longe, a cor de uma jarra de flores refulge e a aparição prodigiosa das coisas surge, uma ideia, um impulso. Como uma testemunha, a casa abre-se para recuperar em pleno o horizonte que os nossos passos perseguem.
Voltar a casa reúne obras recentes em diálogo de Catarina Castel-Branco (Abrantes) e Manuel San-Payo (Lisboa), cúmplices na prática artística e na amizade que partilham há trinta anos, bem como uma obra inédita criada especialmente para esta exposição e assinada pelos dois artistas. Um diálogo expandido que começou quando, depois de se conhecerem nas aulas de Gravura, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, voltam a encontrar-se enquanto vizinhos no Campo de Santana, em Lisboa. Com um percurso de mais de quarenta anos de carreira, a obra de Catarina Castel-Branco revela um louvor ascético da beleza e uma reflexão incessante sobre o habitar. No seu caminho entre Abrantes, Amsterdão e Lisboa, a pintura, o desenho e a gravura abrem-se à constante experimentação de suportes e materiais, e o trabalho que realiza no ateliê acaba por revelar um olhar contemplativo, de algum modo tão solitário e melancólico como celebratório. Com uma forte componente gráfica, a obra de Manuel San-Payo é fruto de uma observação disciplinada do quotidiano, obsessiva e profundamente ancorada na prática. Familiares, os lugares, objetos e figuras que compõem esse quotidiano podem, porém, assumir subitamente uma conflagração de significados e, abstrata ou figurativa, de forma inevitável a sua pintura acaba por evidenciar o potencial de interrogar a existência.
Nas fachadas das casas que Catarina e Manuel trazem às salas do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte, vemos a noite e o dia, sombras, texturas sulcadas pelo tempo e pelos elementos, e objetos reveladores de um habitar contemporâneo, como cadeiras, estendais, arame farpado ou ares condicionados. Mas se os objetos lá estão, a presença humana está reclusa ou desapareceu num horizonte de sobreposição de paredes, um labirinto de repetições irregular, anguloso e poroso onde a poesia — afinal — assoma. É esse horizonte a nossa casa.
(1) Mendo Castro Henriques, Voltar a casa (2024), poema que dá título à exposição.
Marta Rema (curadora)