Teatro
Na república da Felicidade, de Martin Crimp
Depois da estreia no Porto, “Na República da Felicidade”, de Martin Crimp, chega agora às Caldas da Rainha. É o regresso do Teatro da Rainha, prestes a cumprir 40 anos de actividade, à obra do dramaturgo britânico, agora com um tríptico que o próprio designou de “entretenimento em três partes”.
6 Dez a 13 Dez 2024
Comédia, sátira violenta, musical ácido, assim se referiu a imprensa internacional à peça de Martin Crimp, levada à cena, pela primeira vez, no Royal Court de Londres em Dezembro de 2012. Dividida em três partes que correspondem a três abordagens dissemelhantes de representação, ligadas por interlúdios musicais nas transições, há uma manifesta dimensão de divertimento nesta peça que se serve da sátira, da ironia, do humor negro e do cinismo para pôr a nu as quimeras contemporâneas.
Em “Destruição da Família”, a primeira parte, uma ceia de Natal é subitamente interrompida pela chegada de um conviva com uma mensagem desconcertante. Três gerações de uma mesma família são o reflexo de um edifício fraternal em ruínas. A Vó Margaret (Isabel Lopes) sonha com uma nova espécie de ser humano, o Vô Terry (José Carlos Faria) quer convencer todos de que não está a ficar senil nem impotente, o Papá Tommy (Nuno Machado) anda surdo e ausente, enquanto a mamã Sandra (Mariana Reis) não consegue controlar Hazel (Diana Palmerston), filha adolescente que inveja a irmã Debbie (Yolanda Baptista), grávida de pai incógnito. O Tio Bob (Fábio Costa) é a visita inesperada, traz um recado de Madeleine (Marta Taveira), sua parceira na demanda de uma vida nova.
Na segunda parte, intitulada “As Cinco Liberdades Essenciais do Indivíduo”, procede-se, segundo o encenador Fernando Mora Ramos, a «um levantamento torrencial das incongruências, monomanias, preconceitos, racismo, paternalismos e cegueiras de um mundo patológico, autodestrutivo, entregue aos mandantes e arautos manipuladores e à irracionalidade do autoritarismo que mente para se manter no poder em nome da economia e do consumo, do inimigo interno e externo, manobrando a massa idólatra votante pelo fetichismo corporal, pelo show off narcisista». Estamos no terreno da egolatria das sociedades rendidas ao individualismo, aqui representadas numa polifonia sequencial de frases sem papéis distribuídos.
A terceira parte ofereceu título ao conjunto. As manias, os estereótipos, os clichés da cultura online nestes tempos de tirania individualista surgem desmontados, com incontestável eficácia, na desoladora ceia inicial de uma família disfuncional, na sua antítese polifónica da segunda parte, divertido desfile de detritos mentais, e na síntese despojada e desconstruída do epílogo. «Mais do que as personagens e o enredo, importa a mentalidade contemporânea», afirmou Martin Crimp referindo-se a “Na República da Felicidade”.
Sempre às 21h30, o espetáculo estará em cena no Pequeno Auditório do CCC dias 6, 7 e de 11 a 13 de dezembro.
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