Exposições
"We’ll feed the dream for as long as we can"
A Galeria Balcony e a artista Lea Managil têm o prazer de convidar a visitar a exposição, “We’ll feed the dream for as long as we can” texto de Ana Cristina Cachola, patente até 10 de setembro de 2022.
23 Jun a 10 Set 2022
[...] o mito é uma fala, tudo o que é passível de discurso pode ser um mito. Este não se define pelo objecto da sua mensagem mas pela maneira como o enuncia: se há limites formais para o mito, não os há substanciais. Tudo pode então ser mito? Sim, creio-o bem, porque o universo é infinitamente sugestivo. Qualquer objecto do mundo pode passar de uma existência fechada, muda, a um estado oral, aberto à apropriação da sociedade, dado que nenhuma lei, natural ou não, proíbe de falar das coisas.
Roland Barthes, Mitologias
Uma nuvem quase nunca é uma nuvem. É uma aparência, uma parecença, uma metáfora, uma analogia, um presságio, um estado de alma, mas quase nunca uma nuvem fechada em significado atmosférico. Às muitas denotações de nuvem correspondem ainda mais conotações, que na sua codificação cultural se alteram tão fácil e rapidamente como os limites das nuvens que observamos no céu. As nuvens que Lea Managil nos mostra em “We’ll feed the dream for as long as we can” situam-se na lata latitude do mito em que é a dinâmica de percepção colectiva ou a poética do indizível que guia o(s) significado(s), e não o oposto.
Nesta exposição, cada nuvem insinua-se em polissemia e sinestesia concomitantes, pois tanto o (nosso) imaginário quanto o sensorial participam na compreensão do elemento apresentado. Ao longo da galeria a nuvem mostra-se enquanto imagem (bordada), padrão, jogo de sombras, objecto, convocando a tríade semiótica ícone, índice e símbolo num jogo de múltiplas significações. Cada nuvem, com nome de gigante, acumula diferentes camadas plásticas, visuais e narrativas que concorrem para uma consciência cíclica do que se faz e desfaz, como se de um sonho se tratasse. As diferentes representações climatéricas afectam(-nos) fisicamente, sendo o corpo que determina do que fala cada nuvem.
Em 2015, Serralves apresentava a exposição “Sob as nuvens: Da paranoia ao sublime digital”, com curadoria de João Ribas, em que se confrontava a nuvem em forma de cogumelo resultante da bomba atómica e a nuvem que nomeia, na era contemporânea, as redes de informação e armazenamento de dados. Estas nuvens que são, sem dúvida, marcadores de momentos charneira da história recente, não deixam de estar presentes nas (con)figurações da artista, uma vez que é impossível escapar à sua pegada cultural; contudo, Lea Managil, na sua composição onírica, resgata a relação vernacular entre a nuvem e a linguagem.
A artista sabe que há uma nuvem que paira desde a viragem pandémica: uma nuvem que atormenta ou uma nebulosa que distrai. Nuvens cinzentas flutuam sobre cabeças ou anda-se com a cabeça nas nuvens. Esse saber místico resulta da convivialidade repetida em cadeiras iguais ou semelhantes às que encontramos na exposição: cadeiras de esplanadas onde sob as nuvens se conversa e confessa. Será no conforto dessas cadeiras familiares que se mostram estas nuvens subjectivas inscritas e descritas em afectos e emoções. Vê-las é ter a coragem de quem não usa guarda-chuva pois não tem medo que chova.
Ana Cristina Cachola
Junho de 2022