Uma Peça | Um Museu
Painéis de S. Vicente
Obra de enorme importância simbólica na cultura portuguesa e singular “retrato coletivo” na história da pintura europeia.
Uma peça do Museu Nacional de Arte Antiga.
Painéis de S. Vicente
Nuno Gonçalves (ativo 1450 - antes de 1491)
1470-80
Óleo (?) e têmpera sobre madeira de carvalho
Proveniência: Paço de S. Vicente de Fora, Lisboa
Inv. 1361/1366 Pint
Estas seis pinturas atribuídas ao pintor régio de D. Afonso V (1432-1481), Nuno Gonçalves, redescobertas em 1882 no Paço Patriarcal de S. Vicente de Fora e geralmente nomeadas segundo designações propostas em 1909 por José de Figueiredo - painel dos Frades, dos Pescadores, do Infante, do Arcebispo, dos Cavaleiros e da Relíquia -, constituem um conjunto excecional tanto no quadro da arte portuguesa de todos os tempos como no contexto da grande pintura europeia do século XV. A sua apresentação museológica segundo uma estrutura de tipo horizontal, articulada de acordo com a perspetiva dos ladrilhos que definem o pavimento e unificada pelo friso de cabeças ao longo da parte superior da composição, deve corresponder à sequência da disposição primitiva dos painéis, que originalmente estariam integrados no retábulo do Altar de S. Vicente da Sé de Lisboa (c. 1470), tal como as outras duas pinturas expostas nesta sala inscrevendo passos dos martírios de S. Vicente.
Os Painéis apresentam-nos um agrupamento de 58 individualizadas personagens em torno da dupla figuração de S. Vicente, solene e monumental assembleia representativa da Corte e de vários estados da sociedade portuguesa da época, com destaque para a Cavalaria e para a Igreja nas suas diversas hierarquias, em ato de veneração ao patrono e inspirador da expansão militar quatrocentista no Magreb. Tais personagens, em volumes claramente afirmados, tão humaníssima e poderosamente caracterizadas pela concentração expressiva dos rostos e atitudes como pela requintada definição pictórica dos trajes e seus adereços, parecem aliar, nesta encenação cerimonial, a intenção de uma evocação narrativa a uma visão contemplativa. Embora permaneça problemático, na ausência de testemunhos coetâneos à sua criação, o pleno entendimento da intenção e significado da obra, ela deve estar assim associada a uma dupla função, votiva e evocativa, dos triunfos guerreiros da dinastia de Avis no norte de África.
Singular “retrato coletivo” na história da pintura europeia, é uma obra de enorme importância simbólica na cultura portuguesa. Daí os desafios interpretativos que tem suscitado nomeadamente no domínio das identificações iconográficas, exercício mais ou menos imaginativo que tem alimentado uma polémica já secular e até ao momento inconclusiva.