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BRASIL CONDECORA HISTORIADOR DE ARTE PORTUGUÊS
O historiador de arte José António Falcão foi condecorado com a Medalha Barão de Studart, a mais alta distinção científica e cultural do Ceará, pelos seus contributos para o conhecimento do fundador deste estado brasileiro, o capitão-mor Martim Soares Moreno.
Martim Soares Moreno
O historiador de arte José António Falcão foi condecorado com a Medalha Barão de Studart, a mais alta distinção científica e cultural do Ceará, pelos seus contributos para o conhecimento do fundador deste estado brasileiro, o capitão-mor Martim Soares Moreno. A distinção, atribuída pelo Instituto do Ceará, premeia os estudos que o investigador português realiza, há uma década, sobre as origens de Martim Soares, natural do Alentejo, uma das figuras primordiais da história do Brasil. Aliado dos índios pitiguaras, que habitavam no litoral, estabeleceu laços matrimoniais com a célebre princesa Iracema, “a virgem dos lábios de mel”, heroína do romance do mesmo nome, publicado por José de Alencar em 1865, um clássico da literatura brasileira.
Separando a lenda da realidade, as investigações de Falcão, que dirige desde 1984 o Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, têm permitido olhar, sob uma ótica diferente, informada pelas novas metodologias das ciências humanas e sociais, a personalidade de Martim Soares Moreno, dentro do seu quadro histórico. Sobressai um fenómeno ainda pouco estudado, a presença de alentejanos no período da expansão territorial do Brasil, onde desempenharam, nos séculos XVII e XVIII, as mais diversas atividades, como funcionários da Coroa, militares, arquitetos, comerciantes, missionários ou simples lavradores. Poucos, no entanto, atingiram o destaque do capitão-mor do Ceará.
Responsável pela arte sacra do Alentejo meridional, José António Falcão tem levado a cabo a inventariação, primeiro, e o restauro e a dinamização, depois, das igrejas deste território. Foi o seu trabalho de levantamento dos arquivos locais, na busca de pistas para esclarecer a existência de monumentos de “torna-viagem”, realizados em Portugal por artistas do Brasil (como o santuário de Nossa Senhora da Assunção, em Messejana, um caso invulgar na nossa arquitetura), que o pôs no encalce de Martim. “Afinal – explica o investigador –, Soares e Moreno são apelidos frequentes na região; quando se ajustam as peças do puzzle, tendo por fundo o Alentejo anterior ao Liberalismo, tornam-se percetíveis as intensas ligações com o Brasil, destino privilegiado para muitos alentejanos de então”.
José António Falcão é conservador-chefe de museus e professor universitário. Membro da Academia Nacional de Belas-Artes e da Academia Portuguesa da História, desempenha funções como secretário-geral adjunto de Europae Thesauri, organismo assessor da União Europeia. Tem publicado um vasto conjunto de obras sobre a história e a arte do Alentejo.
Um alentejano na origem do Ceará
Participou da expedição de Pero Coelho ao Ceará, em 1603, e acabou por tornar-se, em 1612, o responsável pelo desenvolvimento desta capitania. Na margem direita da foz do rio Ceará, com a ajuda dos índios potiguaras, construiu o fortim de São Sebastião e a ermida dedicada a Nossa Senhora do Amparo. Nesse mesmo ano procedeu ao reconhecimento, por ordem de Jerónimo de Albuquerque, do Maranhão, ocupado pelos franceses, que haviam sublevado as suas populações. Ao regressar, o navio em que viajava foi empurrado pelos ventos para as Antilhas.
Em 1614 encontrava-se em Sevilha, onde manteve contactos que se viriam a revelar preciosos. No ano seguinte, já no posto de capitão, voltou ao Maranhão, com um reforço de 900 homens, procedendo à expulsão definitiva dos franceses e à captura da cidade de São Luís. Em 1616 foi preso, após violento combate no alto mar, por um navio corsário francês, ficando seriamente ferido por uma cutilada no rosto e perdendo uma mão. Conduzido para França, aí foi julgado e condenado à prisão. Negociações diplomáticas permitiram o seu repatriamento, em 1618.
Uma carta patente de 1619 fez-lhe mercê da capitania do Ceará. Uma vez aí estabelecido, repeliu dois ataques, em 1624 e 1625, de navios dos Países Baixos. Em 1630 deu-se a invasão holandesa de Pernambuco. Soares Moreno partiu do Ceará, com poucos índios e ainda menos soldados, chegando ao Arraial do Bom Jesus, em junho do ano seguinte. Na fase inicial da luta, participou no bloqueio das forças holandesas que ocupavam Recife e Olinda, destacando-se como combatente e intérprete junto dos índios. Nos anos seguintes, tomou parte na defesa de Paraíba e Cunhaú (Rio Grande).
Quando os holandeses derrotaram a resistência luso-brasileira, após a restauração da monarquia portuguesa, em 1640, foi firmada uma trégua entre Portugal e a Holanda. Contudo, Martim Soares envolveu-se, em 1645, no movimento clandestino que levou à recuperação do território brasileiro. Retornou definitivamente a Portugal em 1648, com 62 anos de idade, após ter servido 45 anos do outro lado do Atlântico, mas não viu reconhecidos os seus méritos. Faleceu pouco tempo depois, quase esquecido pelo país a que prestara notáveis serviços; porém, a sua memória perdurou nas comunidades índias, que o consideraram, mais do que um aliado, um irmão.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.