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"DAR VOZ AOS OBJETOS"
O projeto de investigação ‘Dar Voz aos Objetos’ promovido pelo museu da Luz tem como objetivos a documentação do acervo etnográfico através das vozes dos seus doadores e, simultaneamente, a construção de narrativas em torno das suas histórias de vida que nos conduzem, também, à comunidade.
DAR VOZ AOS OBJETOS. UM PROJETO COM A COMUNIDADE DA LUZ
O projeto de investigação ‘Dar Voz aos Objetos’ promovido pelo museu da Luz tem como objetivos a documentação do acervo etnográfico através das vozes dos seus doadores e, simultaneamente, a construção de narrativas em torno das suas histórias de vida que nos conduzem, também, à comunidade.
É selecionado um objeto da reserva, sobre o qual doadores e informantes nos falarão. Procura-se documentar o objeto, compreendendo os seus usos, ciclos de vida e abandono, os objetos que lhe estão associados, como se manifestavam na antiga e na nova aldeia, revelando as vivências e memórias que tornam a história de cada objeto e pessoa únicas.
Estas conversas são geralmente realizadas na mesa da memória do museu, as quais são registadas em vídeo. O informante é convidado a tocar e manusear o objeto, reproduzindo os gestos originais do seu uso ou fabrico.
O Alguidar de amassar o pão:
por Georgina Sardinha e Clarisse Chilrito
Deus te acrescente, com as almas do céu para sempre
Objeto: Alguidar de barro vermelho com interior vidrado. Com pregos ( gatos ) num dos lados (ML1490).
Diâmetro Fundo: 42cm
Diâmetro Boca: 70cm
Altura: 23cm
Doador: indeterminado
Coletor: Benjamim Enes Pereira
Dados biográficos
Georgina Silva Sardinha nasceu na antiga aldeia da Luz em 1922, onde casou e viveu toda a vida. Trabalhou no campo, em terras que eram suas ou que o marido arrendava. Foi forneira, inicialmente no forno que pertencia a sua mãe e depois no forno de um tio.
Clarisse Chilrito nasceu na antiga aldeia da Luz em 1931. Com 12 anos foi trabalhar numa casa em Mourão, tendo regressado aos 21 anos à aldeia, onde casou. Trabalhou toda a vida no campo, tendo passado por várias herdades do concelho de Moura, e por fim alugou a Herdade do Montinho na freguesia da Luz. Quando se reformou regressou para à aldeia.
O Objeto e o processo
Partindo de um alguidar de barro, objeto comum do quotidiano de outros tempos, Georgina Sardinha e Clarisse Chilrito conduzem-nos numa viagem pelas memórias ligadas a este objeto que inevitavelmente se cruza com o fabrico de pão. Georgina Sardinha é filha de uma forneira e também ela foi forneira durante algum tempo. Clarisse Chilrito trabalhou toda a vida no campo e todas as semanas amassava.
O alguidar de barro estava presente em qualquer casa alentejana, sendo utilizado em matanças, mas sobretudo na confeção semanal do pão, alimento base da dieta regional. O pão era feito em casa pelas mulheres, que utilizavam o alguidar de barro para misturar a farinha, trazida dos moinhos, com a água, o sal e o fermento. O fermento era uma porção de massa que ficava num outro pequeno alguidar (a que chamavam o alguidar fermenteiro) de uma semana para a outra, a azedar. Quando estava amassada, batiam-se as pastas, metendo as duas mãos de cada vez nos quatro lados. Batia-se a massa contra as paredes do alguidar dobrando-a para cima, de modo a formar uma bola alta. Depois as mulheres faziam uma cruz na massa com a mão, dizendo: “Deus te acrescente, com as almas do céu para sempre.” No fim da levedação da massa, as forneiras vinham buscá-la para ser cozida.
Os alguidares eram feitos de barro e vidrados no interior, comprados a louceiros que costumavam visitar a aldeia. “Duravam uma vida” mas quando por alguma razão começavam a rachar, levavam-se a um gateador que vinha à aldeia, para serem gateados, que consistia em colocar pregos ( gatos ) ao longo da fissura para impedir que partisse. Os alguidares de Clarisse Chilrito ainda hoje existem nas casas das suas filhas, sem nunca terem precisado de gatos.
Inevitavelmente associado ao alguidar do pão está o banco da amassadura (banco feito de madeira de loendro e buinho), sobre o qual se colocava o alguidar na hora de amassar. Estes objetos arrumavam-se, de um modo geral, nas cozinhas do quintal, onde os alguidares eram dispostos na bancada.
Os fornos de poia
Na antiga aldeia da Luz, havia 4 fornos usados pela comunidade para se cozer o pão, mediante o pagamento em géneros ao dono do forno. A este pagamento chamava-se poia, razão por que estes fornos eram conhecidos como fornos de poia. Apesar de serem as forneiras a ir buscar a massa levedada a casa das freguesas, estas iam depois ao forno tender o seu pão, que de seguida era posto no forno. Uma vez cozido, a forneira ia entregar o pão a casa da cliente. A forneira tirava a poia que lhe era devida e que dependia da quantidade de farinha amassada.
A abertura da padaria Grilos pronunciou o fim dos fornos de poia. Ainda hoje, na nova aldeia, esta padaria continua a fabricar pão diariamente.