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MORREU GÉRARD CASTELLO-LOPES

Gérard Castello-Lopes, o fotógrafo que sempre se reclamou como um discípulo apaixonado pela obra humanista de Henri Cartier-Bresson e teve uma vida dividida entre o cinema e a fotografia, e entre Lisboa e Paris, morreu aos 85 anos, na capital francesa.


Gérard Castello-Lopes sempre se considerou um amador
na actividade como fotógrafo (David Clifford/arquivo)

Gérard Castello-Lopes, o fotógrafo que sempre se reclamou como um discípulo apaixonado pela obra humanista de Henri Cartier-Bresson e teve uma vida dividida entre o cinema e a fotografia, e entre Lisboa e Paris, morreu aos 85 anos, na capital francesa. Estava retirado da vida activa há muito tempo, padecendo da doença de Alzheimer. 

“Desapareceu uma figura incontornável da fotografia portuguesa”, lamenta a historiadora de fotografia Tereza Siza, fazendo notar que, apesar desse seu “sentido de discípulo de Bresson”, Castello-Lopes “tem uma obra com algo mais, uma pureza de linhas e um sentido gráfico muito pessoais”.

A mesma opinião tem o fotógrafo José Manuel Rodrigues, que com ele cultivou uma intensa amizade – “passávamos horas e horas a discutir fotografia” –, desde que o conheceu em 1995, na Gulbenkian, em Paris.

No prefácio do catálogo Lisboa de outras eras, António Barreto, que acompanhou de perto o labor fotográfico de Gérard, descreve-o como “‘um grande tímido’, daqueles que escondem a insegurança na erudição”. Estranhamente, escreve Barreto, Gérard “fala mais do que fotografa”, era um “falador impenitente” e detestava o adágio segundo o qual “uma imagem vale por mil palavras”.

O fotojornalista António Pedro Ferreira lamenta que ele, que sempre se considerou “um amador”, não se tenha dedicado mais à fotografia. “Sabia que era bom, mas não teve coragem de afrontar o que a sociedade elegia para construir uma obra mais vasta”, disse ao PÚBLICO. Ferreira lembra o tom crítico com que muitas vezes Gérard se referia à opção, em Portugal, por imagens demasiado escuras. Inventou até uma expressão: “A fotografia portuguesa é como a imagem de um negro no túnel do Rossio a cantar o Black is black”.

Ligação ao Cinema Novo

Gérard Castello-Lopes, nascido na cidade francesa de Vichy, em 1925, e com formação em Economia, teve como actividade profissional dominante a distribuição de cinema, uma herança do pai, que fundara a Filmes Castello-Lopes, uma das empresas pioneiras do sector. Gérard integrou também a geração do Cinema Novo, tendo sido assistente de realização de Artur Ramos em Pássaros de Asas Cortadas (1963) e de Fernando Lopes na curta-metragem Nacionalidade: Português (1972). Lopes disse à agência Lusa que se inspirou também no estilo da sua fotografia para realizar o documentário Belarmino (1964). No final dos anos 60, Gérard foi um dos fundadores do Centro Português de Cinema, cooperativa que haveria de mudar o rumo da cinematografia nacional.

Apesar de ter cultivado desde meados da década de 50 a actividade como fotógrafo, o seu trabalho só viria a chegar ao (re)conhecimento do público na década de 80, na primeira exposição retrospectiva Fotografias de 1956 a 1982, que a Galeria Ether (dinamizada pelo investigador António Sena) promoveu em Lisboa. Tereza Siza frisa a importância que esta exposição e o posterior trabalho da Gulbenkian de divulgação da obra do artista tiveram na sensibilização de novas gerações. Além disso, Gérard “era uma figura elegante e sedutora, que falava da sua arte com graça e grande clareza”, acrescenta a ex-directora do Centro Português de Fotografia.

Entre a exposição na Ether e a retrospectiva Oui/Non realizada no CCB em 2004, Castello-Lopes desenvolveu um vasto calendário de exposições individuais e colectivas, mas também de escrita de ensaios para catálogos e intervenções em diferentes suportes. Mas nunca levou muito a sério a fotografia como actividade artística. “Nunca achei que era excepcional ou muito bom fotógrafo”, disse ao PÚBLICO (16/01/2004) aquando da exposição no CCB, demarcando-se dos seus nomes de cabeceira: Car-?tier-Bresson, claro, mas também Ansel Adams, W. Eugene Smith ou Sebastião Salgado. E considerava o fotojornalista d’O Século Joshua Benoliel (1878-1932) “o único génio da fotografia portuguesa”.

Nessa altura, Castello-Lopes falava da exposição em Lisboa como “uma espécie de adeus”. “Faltam-me a paciência, as costas, as cruzes, falta-me até o entusiasmo e a curiosidade.” E acrescentou: “Estou a deixar as fotografias virem ter comigo.” De facto, as fotografias começaram a ir ter com ele cada vez menos, até que foram substituídas pela doença, irremediável.

Por Sérgio C. Andrade, Sérgio B. Gomes
in Jornal Público | 13 de Fevereiro de 2011

 

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