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MUSEU DE PINTURA DE DOENTES E DAS NEUROCIÊNCIAS NO HOSPITAL MIGUEL BOMBARDA
Pela continuidade e desenvolvimento do Museu de Pintura de Doentes e das Neurociências no Hospital Miguel Bombarda.
- Apelo à Senhora Ministra da Saúde e à Senhora Ministra da Cultura
O Pavilhão de Segurança, Enfermaria Museu, do Hospital Miguel Bombarda, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, é, actualmente, um espaço museológico singular e de enorme valor, apesar de ainda pouco conhecido pelo grande público.
De criação recente, dotado de meios financeiros e humanos muito reduzidos, embora com o apoio da estrutura hospitalar, o Museu consubstancia um projecto que foi ganhando forma e dimensão. Merece especial destaque o estudo histórico que conduziu à classificação como Imóveis de Interesse Público, em 2001, do edifício e do Balneário D. Maria II, bem como as obras de restauro e, paralelamente, a permanente recolha e salvaguarda do património móvel do primeiro hospital psiquiátrico do país, fundado em 1848.
Recorde-se que neste Hospital ocorreram as principais inovações no domínio da psiquiatria, através do exercício das suas grandes figuras, como Miguel Bombarda, Júlio de Matos, Sobral Cid, Barahona Fernandes, Eduardo Cortesão, ou ainda o neurologista e cientista-médico Marck Athias e, noutro registo, o escritor-médico António Lobo Antunes.
O Pavilhão de Segurança, de 1896, não é um edifício onde se instalou um museu, antes constitui uma importante componente museológica, tal como acontece nas Casa-Museu. É um dos raríssimos edifícios circulares panópticos existentes no mundo, aqui com pátio a descoberto (para beneficiar o estado mental dos pacientes e prevenir a transmissão de doenças) e apresentando arredondamentos generalizados de arestas (para evitar contusões). Estes aspectos racionalistas, aliados a uma cativante beleza de escala e proporções, fazem dele uma construção de vanguarda a nível internacional, precursora do design e arquitectura modernas, das décadas de 1920 e 1930. O seu recente restauro, realizado com absoluto critério, permite, a todos os visitantes, a compreensão imediata destes valores.
O Museu dispõe de vários arquivos específicos, mas complementares: um arquivo de centenas de livros manuscritos, e outros documentos (como os relativos a Miguel Bombarda), dos quais se destacam os livros de registo de todos os doentes desde 1848 (identificação, idade, diagnóstico, etc), de enorme relevância para diferentes domínios científicos; o acervo de material clínico e hospitalar, remontando ao séc. XIX; um arquivo fotográfico (mais de 4500 exemplares), incluindo 1100 notáveis fotografias de doentes (um elemento de diagnóstico da época), de finais do séc. XIX até à década de 1930, uma colecção única no país, além das imagens sobre o quotidiano hospitalar ao longo do tempo.
O Museu dispõe ainda da mais antiga e maior colecção de Pintura de Doentes do país (incluindo também desenhos, pequenas esculturas ou azulejos), permitindo a descoberta e a revelação de uma outra arte portuguesa, com 3500 obras, desde 1902. Elas abrangem uma rara gama de temáticas, abordagens e emoções, de artistas como Jaime, Hélio, Demétrio, Valentim ou José Gomes, a maioria de genuína Outsider Art – Art Brut – Arte Crua (conceito inventado por Jean Dubuffet para designar a arte fruto do sentir profundo, espontânea e desligada das tendências dominantes, de autores sem formação ou autodidatas) mas também arte naif e arte convencional.
Realce-se que Miguel Bombarda criou, no Hospital, uma colecção/museu de pintura e poesia de doentes, das primeiras no mundo, ainda no séc. XIX, lamentavelmente desaparecida há muito, por incúria que importa não esquecer … E que no Hospital e no Pavilhão esteve internado, por trinta anos, Jaime Fernandes, artista português de Outsider Art – Arte Crua de renome internacional, representado no Museu de Lausanne, fundado por Dubuffet, na Colecção ABCD, e exposto em Nova Iorque. Os geniais desenhos de Jaime, perante a ignorância da direcção hospitalar foram então em parte destruídos, salvando-se os guardados por alguns funcionários.
Vários beneméritos têm depositado obras no museu, que se tornarão doações se o projecto continuar no local. Destaque-se um desenho-pintura de Jaime Fernandes e um guache de António Gameiro, de 1902, que certamente integrava a colecção recolhida por Bombarda … E muitas outras obras serão com certeza doadas.
O Museu homenageia as pessoas com perturbação mental, a sua sensibilidade e inteligência, contra o preconceito. O único museu do país de Arte Crua - Outsider Art é reconhecido no estrangeiro (o site da Colecção ABCD, de Paris, a segunda mais relevante, a seguir à de Lausanne, integra-o na lista deste tipo de museus).
Apesar de pouco divulgado pelos media, foi visitado por cerca de 15000 pessoas, destacando-se as visitas de grupo, de estudantes e de associações culturais. Tem participado em todas as Jornadas do Património e Dias dos Monumentos, com exposições temporárias e conferências, e tem estado aberto à realização de espectáculos e até à rodagem de filmes. É membro da Associação Portuguesa de Museologia e da Associação Europeia dos Museus de História das Ciências Médicas.
Mas, o encerramento do Hospital Miguel Bombarda no final do ano de 2010, coloca em perigo imediato a própria existência deste notável Museu de Sítio, dado que a Senhora Ministra da Saúde, até agora, não garantiu a sua continuidade. A gravidade da situação é acrescida neste momento com a decisão de destruir a parte antiga dos arquivos, incluindo processos clínicos e documentos desde o séc. XIX, configurando uma perda irreparável.
No entanto, o encerramento do Hospital pode constituir uma oportunidade única para desenvolver o projecto museológico e dotá-lo de autonomia e de meios de suporte sólidos, até com custos reduzidos.
Portugal, a cidade de Lisboa, a arte e a ciência, muito têm a ganhar com a existência de um Museu identitário e de prestígio, dedicado à Outsider Art – Arte Crua e às Neurociências. Uma arte reconhecida internacionalmente (quase ignorada entre nós), e que é também factor de humanização e de auto-estima para as pessoas com perturbação mental. Além da dimensão artística, ele é igualmente relevante para a ciência, sendo já, no local certo, um pólo de um futuro Museu da Medicina e da Assistência.
O desenvolvimento do Museu, nestes moldes, compreenderia o aumento do acervo por doação e aquisição; incluiria, além do Panóptico, o belíssimo Balneário D. Maria II (de 1853, com o seu equipamento para banhos terapêuticos psiquiátricos, considerado na época o melhor da Europa) e os actuais arquivos e serviços administrativos do Museu; finalmente, a área estritamente protegida adjacente ao Balneário no edifício conventual, onde se situa a entrada, com a imponente escadaria em ferro e o gabinete onde o Prof. Miguel Bombarda, dirigente da revolução republicana, foi assassinado (zona prevista de utilização pública pelo próprio estudo prévio da Sagestamo, empresa pública que adquiriu os terrenos, apresentado na CML).
Este crescimento tornará possível a existência de salas para exposições temporárias, para o melhor acondicionamento das preciosas colecções e arquivos (incluindo os processos clínicos), com centro de documentação e pesquisa próprio, auditório (no Salão Nobre, com painéis de azulejaria do séc. XVIII), loja e café, e, bem necessário mas também simbólico, o funcionamento de um Atelier de Arte Crua, espaço aberto e vivo, onde doentes poderão criar com prazer e livremente.
O desenvolvimento do Museu, (com custos, incluindo o restauro do Balneário D. Maria II, co-financiados pela EU, correspondentes a uma pequeníssima parcela do produto da venda do hospital, 25 milhões de euros) não é incompatível com a urbanização da maioria dos quatro hectares do terreno. Antes pelo contrário. O Museu ganhará significativamente em acessibilidade com a abertura de uma entrada pela Rua Gomes Freire. E os edifícios a reabilitar ou a construir serão enquadrados pelos belos imóveis museológicos, não descaracterizados.
Certos da justeza do exposto, da consequente valorização cultural que proporcionará ao país, sem esquecer o efeito económico multiplicador de um foco sui generis de turismo cultural, apelamos à Ministra da Saúde e à Ministra da Cultura que assegurem, urgentemente, a continuidade do Museu no local, bem como o seu desenvolvimento, aproveitando positivamente as transformações anunciadas.
Subscritores
- Simonetta Luz Afonso (Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa)
- Raquel Henriques da Silva (Prof. de História de Arte, Universidade Nova de Lisboa)
- Luís Raposo (Presidente da Comissão Nacional Portuguesa do ICOM, International Council of Museums)
- João Neto (Presidente da APOM, Associação Portuguesa de Museologia)
- António Lobo Antunes (escritor e médico psiquiatra)
- João Lobo Antunes (Professor Catedrático e neurocirurgião)
- Júlio Pomar (artista plástico)
- Eduardo Nery (artista plástico)
- Joana Vasconcelos (artista plástica)
- Rui Mário Gonçalves (Professor Catedrático Jubilado, Historiador de Arte)
- Vítor Serrão (Prof. Catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, Instituto de História de Arte)
- José Meco (Historiador)
- Maria Margarida Cordeiro (realizadora de cinema, dos filmes “Jaime”, “Trás-os-Montes”, etc, com António Reis, médica psiquiatra)
- José Aguiar (Arquitecto, Presidente do ICOMOS, International Council of Monuments and Sites, Portugal)
- José Joaquim Nogueira da Rocha (Prof., Presidente da Sociedade Portuguesa de História dos Hospitais)
- José Morais Arnaud (Presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses)
- Maria Filomena Mónica (Doutorada em Sociologia, investigadora e escritora)
- António Barreto (Presidente do Fundação Francisco Manuel dos Santos, sociólogo)
- Paula Teixeira da Cruz (Advogada)
- Helena de Freitas (Directora do Museu Casa das Histórias Paula Rego)
- Alexandre Pomar (Jornalista)
- Paulo Ferrero (Dirigente do Fórum Cidadania Lx)
- João Pinharanda (Historiador de Arte, Curador, Conselheiro da Fundação EDP)
- John Maizels (Director da principal revista internacional de Outsider Art – Arte Crua, Raw Vision)
Depoimentos de Apoio
Prof. António Damásio
(Professor de Neurociências, Director do Instituto do Cérebro e Criatividade, Universidade da Califórnia do Sul)
“I hope that the Miguel Bombarda Museum of Neuroscience and Patient Art can be saved in its entirety. The destruction of these archives would be a serious loss.”
“Espero que o Museu de Neurociências e Arte de Doentes do Hospital Miguel Bombarda possa ser salvo na sua totalidade. A destruição desses arquivos representaria uma enorme perda.”
Paula Rego
(artista plástica)
“Existem em Lausanne, em Nova York em todo o mundo museus dedicados a Arte Marginal “Art Autre”.
Visões directas do Inconsciente que nos ensina e nos comove profundamente. É a arte que mais admiro.
Dediquei anos ao Henry Darger empregado de hospital de Chicago sem treino artístico que criou um mundo belo e negro de fantasia contando a história das Vivian Girls.
Desenhar pintar esculpir bordar fazer misturas é o melhor tratamento, o único mesmo, para as angústias mentais.
Os aflitos têm de ter acesso a espaço com material de arte para eles próprios descobrirem o que os tortura.”
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