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"AS GRANDES QUESTÕES DA I REPÚBLICA"
Victor Neto, professor da Universidade de Coimbra, um dos mais destacados estudiosos da questão religiosa na I República Portuguesa, terminou a conferência que abriu o ciclo, “As grandes questões da I República”, lançado pelo Museu Bernardino Machado.
Museu Bernardino Machado acolhe ciclo de conferências sobre a I República
A questão religiosa e a laicização do
Estado de Marquês de Pombal a Salazar
“A lei da separação da Igreja e do Estado foi um factor de instabilidade social e de conflitualidade religiosa, mas ela continha um dos principais fundamentos da modernidade: a laicização da sociedade”. Foi desta forma enfática e sintética que Victor Neto, o professor da Universidade de Coimbra, um dos mais destacados estudiosos da questão religiosa na I República Portuguesa, terminou a conferência que abriu o ciclo, “As grandes questões da I República”, lançado pelo Museu Bernardino Machado.
Já antes Neto tinha dito: “A laicização é um ponto de chegada de décadas de luta por uma sociedade laica, sendo uma ruptura com a mentalidade retrógrada e de subserviência, de um povo rural e analfabeto”. Victor Neto, começou por afirmar na sexta-feira passada, perante uma plateia interessada de algumas dezenas de pessoas, que “a I República não criou a questão religiosa. Ela vem do tempo do Marquês de Pombal, continuado no constitucionalismo liberal monárquico. A I República apenas a colocou num novo patamar”. Afonso Costa, o grande mentor e autor da legislação da laicização (lei da separação do Estado e da Igreja, casamento civil, registo civil, etc.) disse Victor Neto, “quis fazer em seis meses, aquilo que em França durou várias décadas”. Desencadeou um grave conflito com a hierarquia da Igreja, o clero e a sociedade, que durou, pelo menos, até 1918.
O conferencista, depois de descrever as principais linhas orientadoras e os objectivos das leis da laicização da I República, enumerou as reacções e as resistências da Igreja e do povo, que se estenderam a todo o país. E sintetizou: “o que se pretendia era a laicização das instituições, da sociedade e das consciências”.
Com o tempo a questão religiosa e o conflito entre a hierarquia da Igreja foi diminuindo, tendo os governantes republicanos tentado a aproximação. Primeiro, com Moura Pinto e mais tarde com Sidónio Pais. Bernardino Machado também procurou em 1914 a aproximação com a Cúria Romana. O seu governo, daquele ano, foi para “Bernardizar” (na expressão de Guerra Junqueira) a lei da separação da Igreja e do Estado, mas falhou.
Salazar encerrou a questão religiosa, com a Concordata que assinou com a Santa Sé, fazendo da Igreja um braço do seu poder. Já o regime democrático, teve a sensatez de a evitar. Por fim, Victor Neto exclamou: “O que nunca existiu foi uma auto-crítica da Igreja pelo seu comportamento neste período conturbado”.
Acrescente-se que o ciclo “As grandes questões da I República”, iniciou com um dos temas mais polémicos e, que, ainda hoje provoca debates acesos, revelando cicatrizes mal curadas. Como foi dito na apresentação do plano do Centenário da I República, o que se pretende é estudar e divulgar os princípios doutrinários e os objectivos teóricos do ideário republicano. Foi o que Victor Neto nos proporcionou com a sua conferência inaugural.
No final, o neto de Bernardino Machado, Manuel Sá Marques, um dos participantes na conferência, anunciou que decidiu doar a sua biblioteca particular ao Museu Bernardino Machado. Sá Marques, conviveu com o seu avô, visitando-o no exílio, na Galiza quando ainda era adolescente, e já depois do seu regresso a Portugal, nos anos 40 frequentou a sua casa na Boa-Hora, colaborando com ele, por exemplo, apoiando-o na dactilografia dos seus trabalhos. A sua biblioteca tem verdadeiras preciosidades, como as “cartas de namoro”, de seus avós. É uma biblioteca especializada na I República, à qual Sá Marques tem dedicado a sua vida. Segundo explicou, quis responder à iniciativa do município, quando anunciou a criação de uma biblioteca da I República. É o seu contributo, disse, para as comemorações do Centenário da I República.