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Morreu David Lynch, o realizador de "Um coração selvagem" e criador de "Twin Peaks"
O cineasta norte-americano David Lynch, realizador de "Um coração selvagem" e "Veludo Azul", morreu aos 78 anos, anunciou a família na rede social Facebook, na página oficial do vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 1990.
"É com profundo pesar que nós, a sua família, anunciamos a morte do homem e do artista David Lynch", lê-se na mensagem publicada pelas 18:00 de Lisboa, que apela a "alguma privacidade nesta altura".
"Há um grande vazio no mundo agora que ele já não está entre nós. Mas, como ele diria, 'mantém os olhos no donut e não no buraco'", prossegue a mensagem, que conclui: "Está um dia lindo, com sol dourado e céu azul por todo o lado".
O criador da série "Twin Peaks" nasceu em 20 de janeiro de 1946, em Missoula, Montana, nos Estados Unidos. Mudou-se frequentemente com a família quando era criança. Tinha um talento precoce para as artes visuais e uma paixão por viagens e descobertas que o levaram a matricular-se na Academia de Belas Artes da Pensilvânia e a encetar o caminho no cinema como produtor de curtas-metragens.
Desde a década de 1960, estendeu também a prática artística à música, à pintura, ao vídeo experimental e à fotografia. Mas o seu trabalho foi sobretudo reconhecido em cinema e televisão, em particular a partir de “Eraserhead” (1977), origem da linguagem particular do cineasta, e de filmes que se sucederam como "O homem elefante" (1980), um do seus primeiros sucessos de grande dimensão, sem ceder aos parâmetros comerciais de Hollywood, "Duna" (1984), na altura um fracasso comercial que acabou por criar o seu próprio culto, e "Veludo azul" (1986), o 'thriller' para lá das cercas brancas das pequenas cidades americanas de que "Twin Peaks" se prefigura como um "'spin off' espiritual", como hoje escreve o jornal The New York Times, com o suspense sobre a morte de Laura Palmer a dominar os episódios originais de 1991-92.
Nos anos seguintes aconteceriam filmes como "Um coração selvagem" (1989), palma de ouro no Festival de Cannes de 1990, "Lost highway: Estrada perdida" (1997) e "Mulholland Drive" (2001), a obra-prima que o jornal The New York Times definiu como "um venenoso cartão de visita para Hollywood", e a derradeira longa-metragem, "Inland Empire” (2006).
As suas produções misturam elementos de terror, filme noir, policial, vão buscar elementos ao surrealismo europeu, mas também são capazes da mais depojada linha narrativa como aconteceu com “Uma História Simples” (1999).
"Tal como Frank Capra e Franz Kafka, dois artistas do século XX muito díspares, cujo trabalho Lynch admirava muito e que se pode considerar como tendo sintetizado, o seu nome tornou-se um adjetivo", escreve o crítico J. Hoberman, no New York Times, citando a monografia "David Lynch: The Man From Another Place" (“David Lynch: O Homem de Outro Lugar”), de Dennis Lim: "O Lynchiano é ao mesmo tempo fácil de reconhecer e difícil de definir [...]. Os filmes de Lynch caracterizavam-se pelas suas imagens oníricas e design sonoro meticuloso, bem como pelas narrativas maniqueístas que colocavam uma inocência exagerada, até mesmo açucarada, contra o mal depravado".
David Lynch esteve em Portugal em 2007, quando foi homenageado com uma retrospetiva na primeira edição do atual Lisbon Film Festival (Leffest), do produtor Paulo Branco. Na altura, Lynch aproveitou para fazer uma conferência sobre meditação transcendental, uma técnica que pratica desde os anos 1970 e que o levou a criar uma fundação.
"Eu era uma pessoa afetada pela depressão e pela raiva. Com a meditação consegui ultrapassar emoções negativas como o medo e a ira, libertei a minha consciência, e a criatividade começou a fluir", descreveu na altura aos jornalistas.
De acordo com a revista Variety, Lynch revelou no ano passado que lhe tinha sido diagnosticado um enfisema após uma vida inteira de tabagismo o que o impediria de continuar a sair de casa para realizar filmes.
Em Cannes, David Lynch conquistou a Palma de Ouro em 1990, com "Um coração selvagem", e o prémio de melhor realizador em 2001, com "Mulholland Drive".
O Festival de Veneza deu-lhe o Leão de Ouro de carreira em 2006.
Nunca ganhou um Óscar da Academia, mas recebeu nomeações por “O Homem Elefante”, “Veludo Azul” e “Mulholland Drive”. Em 2019, recebeu um Óscar honorário pelo conjunto da obra.
A sua autobiografia, "Room to dream" ("Espaço para sonhar"), co escrita com Kristine McKenna, foi publicada em Portugal pela Elsinore, em 2018.
A Casa do Cinema, em Coimbra, tem em curso um ciclo dedicado ao cinema de David Lynch, que se vai prolongar até ao próximo dia 23, e que inclui filmes como “Eraserhead”, “O Homem Elefante”, “Uma História Simples” e “Inland Empire” (2006).
"The Fabelmans", de Steven Spielberg, deu a David Lynch a derradeira aparição no cinema, aqui como ator, assumindo o papel de John Ford, o realizador de "A Desaparecida" e "O Homem Tranquilo".
Fonte: LUSA | 16 de janeiro de 2025