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Duzentos anos de Vista Alegre para admirar no Palácio da Ajuda

"Rumo ao Infinito – Vista Alegre, 200 anos de criatividade" é a exposição que, de 21 a novembro a 31 de maio de 2025, reúne, na Ajuda, desde as primeiras peças até às mais recentes da marca portuguesa.

Exposição da Vista Alegre no Palácio Nacional da Ajuda. Foto: Maria João Costa/RR Quatro centenas de peças espalhadas pelo Palácio da Ajuda. Foto: Maria João Costa/RR Filipa Quatorze, diretora do Museu Vista Alegre, e os curadores Anísio Franco e Filipa Oliveira. Foto: Maria João Costa/RR

É sempre com um serviço Vista Alegre na mesa que no Palácio Nacional da Ajuda é servido, pelo Estado português, um jantar oficial. É no mesmo monumento que agora são mostrados 200 anos de história de criatividade da icónica marca portuguesa de porcelana.

A exposição “Rumo ao Infinito – Vista Alegre, 200 anos de criatividade”, que é inaugurada esta quinta-feira e ficará patente até 31 de maio do próximo ano, reúne um conjunto de 400 peças que contam dois séculos de história.

E a vida da Vista Alegre começou pela produção de peças em vidro que saíram do acervo do museu situado em Ílhavo para estarem no Palácio Nacional da Ajuda para esta exposição.

A curadoria da exposição é feita pelo historiador e conservador do Museu Nacional de Arte Antiga, Anísio Franco, e pela curadora de arte Filipa Oliveira. Ambos foram desafiados a olhar a coleção e encontrar uma linha narrativa para esta exposição comemorativa.

Em entrevista, Anísio Franco explica que apostaram na “questão artística” como fio condutor. “Fizemos uma escolha de peças que fossem significativas, acompanhando os movimentos da história da arte. Verificámos que havia momentos em que a Vista Alegre acompanha os movimentos de cada período, e, até, em alguns casos, antecipava-se a eles”, explica.

Filipa Oliveira e Anísio Franco passaram “dias e dias” a ver peças para conseguirem selecionar o que queriam mostrar e “criar a ideia de que a Vista Alegre é um grande promotor dos grandes momentos da arte em Portugal”, indicia o historiador.

Já Filipa Oliveira refere que as peças “espelham a história da criação”. Segundo a curadora, “até há muito pouco tempo havia a ideia da cerâmica quase como artesanato, como uma arte menor”.

Na opinião de Filipa Oliveira, “o que esta exposição faz é mostrar que esta criação, destes artistas que colaboraram com a Vista Alegre, que trabalhavam na Vista Alegre ou que eram os diretores de fábrica Vista Alegre, estava ao nível de muitos outros artistas que vemos nos museus ou que ainda hoje estudamos na história mais tradicional da arte em Portugal”.

É este o foco, o olhar para a criatividade numa exposição para a qual foi encomendada uma banda sonora original assinada pelo músico português Rodrigo Leão. Espalhada por três salas do Palácio Nacional da Ajuda, o acontecimento tem Nuno Gusmão como o autor do design.

Foi ele que idealizou aquilo a que Anísio Franco chama de “caixa de joias”, situada no coração da exposição, onde o público entra e percorre o arco temporal dos 200 anos em 400 peças penduradas nas paredes.

Fora dessa “caixa de joias”, com paredes feitas em espelho dourado que reflete as paredes pintadas do Palácio Nacional da Ajuda, o público vai encontrar pequenos nichos onde são mostrados os bastidores, ou seja, parte do processo desenvolvido na fábrica da Vista Alegre.

Deslocar este conjunto de peças de Ílhavo para Lisboa implicou uma operação complexa. Isso mesmo explica à Renascença Filipa Quatorze, diretora do Museu da Vista Alegre que assina a consultadoria da exposição.

“Foi um processo muito lento, demorado, desde os restauros, à conservação preventiva, passando pela limpeza. Depois houve toda a logística de embalagem, transporte e trazer para aqui. Mas a Vista Alegre é uma empresa com equipas ótimas, excelentes, muito completas e o trabalho foi possível também graças à cooperação de todas as equipas”, explica.

Uma das preocupações dos curadores Anísio Franco e Filipa Oliveira foi encontrar o equilíbrio entre as peças Vista Alegre e o espaço do Palácio Nacional da Ajuda. Anísio lembra que as salas “são imponentes” e que não queriam “esconder” o palácio, nem sobrepor a exposição ao espaço.

Filipa Oliveira fala do “génio” do designer Nuno Gusmão que conseguiu “este diálogo equilibrado, porque era não só o Palácio apagar a exposição, mas a exposição apagar o Palácio”. O jogo conseguido é uma espécie de dois em um, em que quer a marca portuguesa, quer o palácio surgem beneficiados e são “grandes protagonistas”, explica Filipa Oliveira.

A marcar a relação com os artistas surgem na exposição peças assinadas por artistas bem conhecidos como Joana Vasconcelos, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Nadir Afonso, entre outros.

A provar que essa relação com os criadores não só é uma marca da Vista Alegre, como é algo que continua a ser posta em prática, para esta exposição foi encomendada uma peça à artista britânica Claire Twomey.

“Continuum” é uma obra viva, colocada no antigo espaço da capela do Palácio Nacional da Ajuda e que o público vê e ouve uma cascata gigante de barbotina, a matéria a partir da qual nascem as peças Vista Alegre.

A artista explica que a peça “é sobre o ciclo da argila, da experiência e dos materiais. Há gerações de famílias que trabalham para a Vista Alegre, então este trabalho, não é só sobre o legado, é também sobre o futuro”, diz Claire.

A artista convida-nos a espreitar a parte de trás da peça, onde vemos os tubos pelos quais a argila liquida é reutilizada, tal como na fábrica os trabalhadores usam a massa novamente para fazer novas peças.

A artista sublinha a importância da reciclagem. Habituada que está a trabalhar com fábricas do género em todo o mundo, confessa que aquilo que viu em Ílhavo é único no mundo, não só pelo ambiente familiar, como pela tecnologia usada que lhe permitiu criar esta peça artística inovadora.

A ver a exposição a Renascença encontrou João Pinto Basto. Ele é descendente do fundador da Vista Alegre e atual diretor do Clube de Colecionadores. Orgulhoso, diz que sente que a mostra honra a marca e o seu legado de relação com os artistas.

“A Vista Alegre tem no seu DNA esta vontade expressa de colaborar e de se envolver no mundo das artes. Desde o início que houve a preocupação de contratar um mestre pintor, nomeadamente Rousseau, que foi o primeiro mestre da Vista Alegre, depois contratar os melhores para desenvolver a arte da porcelana, e, ao longo da sua história, a Vista Alegre teve momentos de grande rasgo artístico”.

Pinto Basto considera que esse rasgo é “muito evidente” nesta exposição onde o público verá peças e os gostos das diferentes épocas”.

O herdeiro do fundador chama-nos a atenção para o nome da exposição “Rumo ao Infinito”, para nos dizer que “para fazer esse caminho para o infinito” é preciso continuarem a ligar-se “cada vez mais ao mundo artístico, aos artistas, aos ilustradores, aos pintores, sendo certo que essa colaboração é absolutamente decisiva para esse infinito a alcançar”.


in Renascença | 21 de novembro de 2024
Notícia no âmbito da parceira Centro Nacional de Cultura | Rádio Renascença

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