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Olhar para os detalhes improváveis. A exposição de fotografias de Evelyn Kahn

A fotógrafa Evelyn Kahn volta a expor, oito anos depois. Improvável mostra 41 fotografias de encontros e desencontros. Em exibição no Museu Medeiros e Almeida, em Lisboa, até 9 de novembro.

Evelyn Kahn junto de duas (de um conjunto de 41) das suas fotografias expostas no Museu Medeiros e Almeida, em Lisboa. Foto de Paulo Spranger

O primeiro encontro de Evelyn Kahn com a fotografia aconteceu muito cedo, tinha 7 anos quando recebeu a primeira máquina fotográfica, um presente dos pais, e desde então nunca mais parou de fotografar. Mas daí a assumir o seu lado artístico passaram umas décadas, com a vida familiar e um Curso de Design de Interiores pela Fundação Ricardo Espírito Santo a meterem-se pelo meio. Quando chegou aos 50 anos decidiu tirar um curso na ArCo (1998-2001), sem perceber o quão intenso e transformador  seria. “Foram três anos de estudo ao lado de colegas muito mais novos e posso dizer que foi das melhores coisas que fiz na vida, porque ter a sensibilidade e o olhar é uma coisa, dominar a técnica e saber realmente o que estamos a fazer, é outra”, conta. A partir daí, sim, a fotografia artística assumiu-se como permanente para Evelyn Kahn.

A sua primeira exposição individual, Impressões, decorreu em 2013. Agora, em 2024, regressa a expor no Museu Medeiros e Almeida, em Lisboa, com a maior exibição em nome próprio: 41 fotografias tiradas em tempos e lugares diferentes sob o título Improvável. Patente até 9 de novembro, a mostra “explora os elementos do acaso e os jogos entre o realismo e a abstração”, como se pode ler na apresentação da exibição.

À conversa numa das três salas que o museu lhe dedica, acrescenta: “Gosto da beleza dos detalhes, fascinam-me as texturas, os reflexos, a luz. Bem sei que a beleza é subjetiva, mas, à minha maneira, sinto uma necessidade, quase uma urgência, de transformar o feio em belo. Acredito que a beleza está em toda a parte, seja numa parede decadente, numa lixeira, mas também no sorriso de uma criança, num olhar de um desconhecido.”

São esses improváveis que juntam as fotos lado a lado na exposição. De uma parte de um contentor gigante em Marvila, a um teatro abandonado em Marraquexe, a um detalhe num quarto de hotel. Essas são parte das improbabilidades da exposição.

“A vida é feita de acasos felizes, ou, por vezes, infelizes, é feita de encontros improváveis, e esta exposição é simplesmente o reflexo da forma como olho a vida. Como o meu pai sempre me disse, a vida pode ser muito dura, mas de um limão pode sempre fazer-se uma limonada, e isso ficou gravado em mim.” 

“Ando sempre atrás da luz”

Na conversa, rodeada pelas fotos da exposição, Evelyn Kahn não tem medo de partilhar o que sente que fotografa: “O coração bate mais forte, é tudo muito instantâneo em mim, ando sempre atrás da luz.”

Uma das fotografias onde isso é percetível é um detalhe de uma maçã e uma garrafa de água tirada no Porto, em 2022. “Fez-me lembrar uma pintura flamenga. Estava com a minha filha, num hotel no Porto, e quando abri a janela do quarto vi a luz e tive a urgência de fazer esta fotografia. Tenho tendência a olhar para as coisas e fotografar como se fosse uma pintura.”

Mesmo ao lado, está a fotografia que foi escolhida para o cartaz da exposição. Foi tirada numa sala de um museu, o Kunsthalle, em Hamburgo, e é uma homenagem aos seus pais. “Os meus pais eram alemães e esta foto foi tirada em Hamburgo, onde o meu pai nasceu. Apesar de ser muito raro roubar uma imagem, porque gosto do contacto com as pessoas que fotografo, achei muito graça esta rapariga, à sua pose, ao seu cabelo desarranjado, e que nem sabe que foi fotografada.”

Nas paredes da exposição, a acompanhar os quadros, estão frases de figuras públicas. De um poema de Filipe La Féria, à frases de, entre outros, Carlos Moedas, Francisco Pinto Balsemão, José Avillez, Manuel Aires Mateus e Graça Viterbo.

Entre esta e a primeira exposição, Evelyn participou em vários projetos com a Fundação Champalimaud e para grupos hoteleiros (fez fotos de Lisboa para os quartos do Hotel Tivoli, na Avenida da Liberdade) e tem ainda colaborado com os guias ConVida (Lisboa e Porto), para além de ter fotografias de sua autoria espalhadas por coleções privadas em Portugal e no estrangeiro. À pergunta, quase óbvia, se sentiu uma necessidade de voltar a expor, a artista confirma: “Depois de duas exposições individuais (a já referida de 2013 e uma segunda, em 2016), senti que, na minha idade, era agora ou nunca, mas também tinha de ser num local digno ou então não faria. E é com muita honra que eu estou neste museu [Medeiros e Almeida] que considero a Frink Collection [em Nova Iorque] de Lisboa. É muito honroso estar com eles.” 

“Os tempos são outros, aceleraram”

Quem olha para os 41 quadros das três salas de exposição vê muita cor, mas a grande paixão de Evelyn é a fotografia a preto e branco e analógica, confessa. “Sou capaz de estar um dia inteiro de volta de uma fotografia, mas agora os tempos são outros, aceleraram e tive de ir para a fotografia digital.”

E à pergunta sobre o que se segue depois desta exposição, Evelyn Kahn responde , “ia ser a minha última exposição, mas agora não sei. Já estou com uma certa idade... mas isto tudo deu-me imensa força, talvez continue.” E a terminar a conversa, revela quase em surdina e a sorrir: “Acabei de ter uma conversa para uma possível exposição em Nova Iorque.”


por Filipe Gil in Diário de Notícias | 20 de outubro de 2024
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias
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