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José Mário Branco numa exposição com o "amor e rigor" que ele dedicou à sua obra
Na Reitoria da Nova, em Lisboa, pode ser vista até 18 de outubro uma exposição dedicada a José Mário Branco, Do que um homem é capaz, pequena parte de um imenso espólio.
Amor e rigor: duas palavras que José Mário Branco (1942-2019) não só frequentemente usava como aplicava no seu dia-a-dia, como cantor, músico, compositor, arranjador ou produtor, são também as que nortearam o trabalho que esteve na base da exposição Do que um homem é capaz, o acervo documental de José Mário Branco. Inaugurada esta segunda-feira na reitoria da Universidade Nova de Lisboa, como “ponto de partida para o Ciclo Liberdade na Nova”, que se celebrará com vários concertos e espetáculos até ao final do ano, ali vai manter-se até 18 de outubro, de segunda a sexta-feira das 8h às 20h e aos sábados das 8h às 12h. A entrada é livre.
O que nos mostra esta exposição? A ponta de um enorme iceberg: em quatro secções, com reprodução de documentos pessoais, fotografias, cartazes, jornais ou capas de discos, estão algumas das peças que constituem o acervo, agora espólio, que tem vindo a ser tratado e analisado desde 2014 (faz agora dez anos), quando José Mário Branco quis estabelecer uma colaboração com o CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical) e o INET-md (Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos em Música e Dança) da Nova para que o seu arquivo de décadas fosse ali analisado, catalogado e tratado para futura divulgação pública.
Com amorte de José Mário Branco, em Novembro de 2019, a família decidiu confiar à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) todo o espólio para que aí fosse preservado, dando continuidade ao trabalho anterior. Foi, então criado, a partir do Arquivo José Mário Branco, lançado em 2018 sob a direção de Manuel Pedro Ferreira (crítico do PÚBLICO), o Centro de Estudos e Documentação José Mário Branco – Música e Liberdade (CEDJMB-ML), com uma comissão científica presidida por Salwa Castelo-Branco, procedendo-se ao inventário de todo o material disponível. Em 2021, “foram identificadas 310 pastas guardadas em 57 caixas”. Sem pré-seleção prévia do autor, segundo os investigadores: “A par de partituras, cifras, letras, mapeamentos de concertos, encontramos nas cerca de 20.000 folhas do acervo listas de contactos telefónicos, recibos e orçamentos, correspondência variada com editoras, postais, contratos, guiões de séries de animação, entre outras tipologias documentais”.
Capa de trabalho e lista de canções para um disco que teria o nome de Canto Duro e que viria a ser publicado, com outro alinhamento, como Margem de Certa Maneira em 1972 DR
A exposição recém-inaugurada, além de um documentário de 12 minutos, realizado por Tiago Figueiredo, onde se explica o processo de tratamento dos materiais, está dividida em quatro pequenas secções. A que os visitantes são convidados a ver primeiro relaciona-se com a atividade de José Mário Branco enquanto criador (autor de bandas sonoras e até ator) no teatro, no cinema e na televisão. A segunda, é a da produção fonográfica, em trabalhos próprios e alheios – e é nesta que vemos não só o esboço de álbuns projetados mas não concretizados (Lisboa, Porto e Ondas Curtas, In Memoriam ou o projeto inicial de Ser Solidário, diferente e mais sintético, do que acabou por sair) como o título projetado para o segundo álbum de José Mário Branco no exílio, que seria Canto Duro mas foi Margem de Certa Maneira (1972). Vemo-lo também em Paris, durante a gravação do álbum Até Ao Pescoço, de José Jorge Letria, um dos que produziu. E vemos também apontamentos para o álbum Cantigas do Maio, de José Afonso, de que foi produtor, onde consta uma canção popular que não entrou: Ó cana real das canas.
Imagem composta usada na abertura da exposição: José Mário Branco a tocar guitarra e, como fundo, a partitura da canção Remendos e côdeas, do álbum A Mãe (1978), gravado com a Comuna DR
A terceira secção é a da atividade política e aí entram não só o GAC Grupo de Ação Cultural — Vozes na Luta e a UDP como o jornal militante Mudar de Vida, a que esteve ligado desde a fundação, como a reprodução da capa e contracapa de um single solidário, Contra a Repressão no Brasil (tinham sido assassinados pela ditadura três dirigentes do PCdoB), que tinha no lado A Sangue em flor, canção cantada pelo GAC, e no lado B o poema de Sophia de Mello Breyner Andresen Brasil 77, dito pela própria. Como curiosidade, o exemplar exposto exibe esta dedicatória: “Para a Elis Regina, com admiração, amizade e solidariedade” Assinam-na José Mário Branco, Luís Pedro Faro (do GAC) e Sophia de Mello Breyner.
Capa do disco Liberez Angela Davis Tout De Suite, no qual José Mário Branco compôs e cantou Chanson de Jackson; e esboço de vários álbuns por ele projetados mas não concretizados DR
Por fim, a quarta secção refere-se a um fundo fonográfico amplo, que vai desde cassetes com gravações caseiras (mensagens e canções) trocadas entre ele e o irmão, o jornalista António Jorge Branco (1937-2011), capas de discos em que José Mário Branco participou em Paris (Liberez Angela Davis Tout De Suite, no qual compôs e cantou Chanson de Jackson; o álbum de James Ollivier; um single do espetáculo La Commune de Paris, editado pelo Groupe Organon) ou a imagem de uma cassete DAT com gravações de Camané para o disco Uma Noite de Fados.
Embora esta amostra seja já esclarecedora acerca da amplitude do trabalho de José Mário Branco, há ainda milhares de documentos, gravações e até vídeos que podem ser vistos e ouvidos, via internet, no Arquivo José Mário Branco disponível em linha e que continua a ser tratado. O título, Do que um homem é capaz, foram os investigadores buscá-lo a uma das canções mais marcantes do derradeiro álbum de originais do cantor e compositor, Resistir é Vencer, editado em 2004.
por Nuno Pacheco in Público | 17 de setembro de 2024
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público