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XXI. O Ultimatum inglês e o 31 de janeiro

O Ultimatum inglês de 11 de janeiro de 1890 marcou profundamente a vida portuguesa inserindo-se na internacionalização da bacia hidrográfica do rio Zaire e na liberdade de navegação do rio Zambeze. 

Portugal tinha nas suas mãos as duas chaves da navegação em Angola e Moçambique, sendo forçado a franquear ambos os rios à navegação estrangeira. É uma das consequências do chamado Mapa Cor de Rosa, que pretendia conceder a Portugal o controlo dos territórios entre Angola e Moçambique, na sequência das expedições de Angola até à contracosta de Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens. Hesitações na política colonial e uma posição internacional frágil deram espaço a que o influente cônsul britânico Harry Johnston (1858-1927) se tenha tornado um agente ativo no amotinamento das populações em todo o curso do rio Chire – do lago Niassa ao Zambeze.

Assim, o Ultimatum pôs em causa as aspirações territoriais portuguesas entre Angola e Moçambique. Portugal deveria evacuar os territórios de Mashona (hoje Zimbabué) e as margens do rio Chire. Perante tão humilhante invetiva, o governo progressista em funções demite-se, cedendo lugar a um gabinete regenerador presidido por António de Serpa Pimentel, que negoceia o Tratado de 20 de agosto de 1890, mal recebido pela opinião pública, que o Parlamento reprovaria – uma vez que previa cedências territoriais excessivas e abrangia compromissos em Angola, quando nesse território não havia questões com os britânicos. Além disso, havia cedências desproporcionadas quanto aos transportes ferroviários e à liberdade de comércio. O governo cai e dá lugar a um ministério não partidário, com apoio do Exército, presidido pelo General João Crisóstomo de Abreu e Sousa (outubro de 1890), tendo como ministro da Marinha e Ultramar o dramaturgo António Enes, que tinha uma posição crítica relativamente ao mapa cor-de-rosa. A capacidade negocial face ao governo britânico era, porém, muito limitada, importando introduzir correção ao Tratado de 20 de agosto. Em Londres, o marquês de Soveral tenta obter junto do Primeiro-Ministro Lord Salisbury (1830-1903) as alterações necessárias que permitissem uma saída airosa e que evitassem perdas irreparáveis para a posição portuguesa. Salisbury resiste: ou se mantinha tudo na mesma ou se renegociava tudo. Cecil Rhodes, com o seu projeto de ligação ferroviária do Cabo ao Cairo, através da South Africa Company, exerce forte influência. Havia que agir rapidamente e António Enes propõe um “modus vivendi”, tendo por base a liberdade de navegação no Zambeze e no Chire para Portugal e o compromisso da Inglaterra de não celebrar novos compromissos com os régulos africanos, até se fixarem as fronteiras.

Salisbury e Soveral assinam em Londres a 14 de novembro de 1890 uma convenção para vigorar em 6 meses, pela qual o governo português se comprometia a permitir o trânsito de todas as vias fluviais do Zambeze, do Chire e do Pungue e a facilitar as comunicações entre os portos portugueses da costa e os territórios na esfera de influência da Grã-Bretanha. Era uma solução precária, mas preparava um entendimento. Em 28 de maio de 1891 viria a ser assinado um Convénio e em 11 de junho o Tratado que substituía o de 20 de agosto. Alguns aspetos foram retificados, como os de Angola, mas as reivindicações britânicas em matéria de exploração mineira ficaram. Quanto às fronteiras houve ganhos e perdas e António Enes partiria para a África Oriental para exercer funções de Alto-Comissário. Mas o Ultimatum deixou sequelas definitivas. Antero de Quental presidiu à Liga Patriótica do Norte, que marcou fortemente o protesto contra os britânicos, e em 31 de janeiro teve lugar a tentativa republicana do Porto, muito influenciada pela implantação da República brasileira (de 15 de novembro de 1889), dirigida intelectualmente por Sampaio Bruno e Basílio Teles, mais pensadores do que políticos de ação, que permitiu a aura do movimento, apesar do insucesso imediato, considerado como precursor da República.

Nos antecedentes próximos do 5 de Outubro de 1910 temos, assim, fatores políticos (o Ultimatum inglês, o 31 de Janeiro, os adiantamentos à Casa Real, a ditadura de João Franco, o regicídio), económicos (a perda de confiança interna, as imposições dos credores externos, a desorganização), financeiros públicos (o peso da dívida, a bancarrota de 1891-92, a falta de receitas fiscais estáveis), constitucionais (o esgotamento do rotativismo regenerador, a degradação do sistema partidário), educativos (a taxa de analfabetismo próxima dos 80%, a insuficiente cobertura escolar, o mal estar académico de 1907), culturais (o ambiente urbano favorável ao republicanismo), e sociais (tensões cidade/campo, falta de industrialização, ausência de política social). As instituições estavam demasiado frágeis, a humilhação tornou-se intolerável, o descontentamento sobretudo nas cidades gerou um clima que explodiu quando o rei e o príncipe real foram mortos… 

Agostinho de Morais

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