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XIX. Os Vencidos da Vida – Que herança?

Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, António Cândido Ribeiro da Costa, Carlos Lobo d’Ávila, Carlos Lima Mayer, o Conde de Ficalho, o Marquês de Soveral, o Conde de Sabugosa e o Conde de Arnoso constituem o grupo conhecido como “Vencidos da Vida”.

Em 1885 seria aprovado um segundo Ato Adicional à Carta Constitucional, impulsionado por Fontes Pereira de Melo, envolvendo a redução da legislatura de 4 para 3 anos, a supressão do pariato hereditário, a restrição do poder moderador do rei, o qual passaria a ser exercido sob responsabilidade dos ministros, sendo regulado e limitado o direito de dissolução parlamentar, além da consagração expressa dos direitos de petição e de reunião… Já na fase final da monarquia constitucional, sob o peso da crise financeira e das consequências da bancarrota (1892), veio a consagrar-se um derradeiro Ato Adicional (1895-96), pelo qual o rei passou a dispor do poder para dissolver a Camara dos deputados e para convocar eleições sem as restrições previstas em 1885. Os últimos anos do regime viriam, porém, a ser marcados por forte instabilidade, com o envolvimento do rei na política dos partidos, que culminaria no regicídio (1908).

No ano de 1885 no Porto Oliveira Martins em articulação com Anselmo José Braamcamp, líder progressista, tinha lançado um movimento que se propunha renovar profundamente a monarquia constitucional. Sob a designação de “Vida Nova”, com um manifesto intitulado “Política e Economia Nacional” e um órgão de imprensa significativamente designado como “A Província” tratava-se de assegurar que a vida política pudesse contrariar uma inércia que vigorava e que se arriscava a agravar o atraso nacional. Infelizmente, Braamcamp, que apoiara o impulso, adoece e morre, que o impede de assegurar, a condução dessa renovação social, económica e política. José Luciano de Castro sucede a Anselmo José no partido progressista, mas não tem capacidade para mobilizar as hostes no sentido reformista preconizado pela “Vida Nova”. E o certo é que a decadência é sentida como marca finissecular. Guerra Junqueiro proclama a ocorrência de um horizonte negro em Finis Patriae e António Nobre canta o fim e o isolamento português. Haveria que superar as razões que Antero referira ao proferir a conferência sobre «As Causa da Decadência dos Povos Peninsulares». A coerência mantém-se. Só ela permitiria a perenidade da influência dos homens de 1870 e desta tentativa da “Vida Nova”. Face ao insucesso do movimento, e usando um irónico jogo de palavras, fala-se dos Vencidos da Vida – como “Battus de la Vie”… Se a designação teve uma origem jocosa, a verdade é que a eles se aplica o dito latino: victus sed victor, pois o tempo dar-lhes-ia razão sobre a necessidade de um projeto culturalmente mobilizador, de pôr Portugal a andar ao ritmo da Europa (o aportuguesar Portugal, segundo Garrett e europeizar Portugal segundo a Geração de 1870).

Pode dizer-se que o século XX cultural português foi profundamente influenciado pelos últimos anos do século XIX – Ultimato inglês, humilhação no Mapa Cor-de-rosa, 31 de janeiro de 1891, a bancarrota parcial de 1892, o descrédito da Casa Real no tema dos adiantamentos… Intelectualmente, a Geração de 70, na sequência do primeiro romantismo de Garrett e Herculano, marcou profundamente o pensamento português nas suas diversas manifestações. A decadência ocorre no contexto de um paradoxo – uns reconhecem a fragilidade da situação e acreditam na solução republicana, outros lançam a semente da reflexão sobre um futuro capaz de superar o atraso e de mobilizar vontades reformadoras. Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, António Cândido Ribeiro da Costa, Carlos Lobo d’Ávila, Carlos Lima Mayer, o Conde de Ficalho, o Marquês de Soveral, o Conde de Sabugosa, o Conde de Arnoso constituem um grupo que janta no Tavares ou no Hotel Braganza e que ficará conhecido como “Vencidos da Vida”, marcando decisivamente as décadas seguintes todo o século XX. Mais do que o grupo individualmente considerado, é a recusa do fatalismo do atraso que prevalece – o que permite a ligação destas personalidades aos movimentos modernizadores, profundamente heterogéneos, que encontraremos nos anos seguintes. Longe de um pessimismo radical, estamos perante a exigência de uma atitude construtiva mobilizadora das energias disponíveis.

Pode dizer-se que na história portuguesa não há uma geração com maior influência do que a de 1870, semelhante à espanhola de 1898. E há cinco pontos que podemos enfatizar: (a) a ligação estreita entre o romantismo liberal de Garrett e Herculano e a ideia de reformismo social de 1870; (b) a afirmação do constitucionalismo e do Estado de Direito que a Lei Fundamental de 1976 viria a afirmar; (c) a consagração de uma cultura e de uma língua de afirmação global, caracterizada por uma identidade aberta, um europeísmo plural e diverso e um humanismo universalista; (d) a afirmação do desenvolvimento humano centrado na sustentabilidade cultural, no planeamento estratégico e na avaliação que a Vida Nova defendeu; (e) a modernização da sociedade pressupõe a audácia inovadora, a aprendizagem, o rigor científico, o diálogo entre arte e cultura.

Agostinho de Morais

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