"É de Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos que vos quero falar"

Cada Terra com seu Uso

XI. O domínio filipino e a Restauração: equilíbrio e cerco

A Restauração da Independência de Portugal de 1640 correspondeu a uma reação à tentativa de Filipe III (IV de Espanha) e do Conde Duque de Olivares de centralização e unificação dos reinos ibéricos. Estava em causa o desrespeito das condições definidas nas Cortes de Tomar (de 1581).

Se Portugal nunca perdeu a independência formal, o certo é que, como Francisco Rodrigues Lobo bem viu, o que havia era uma “Corte na Aldeia”. Os constrangimentos da guerra dos 30 anos, os efeitos da crise económica, o aumento dos impostos para financiar as forças armadas espanholas, a subalternização política portuguesa, a invasão holandesa do Brasil – tudo isso determinou grande descontentamento e alterações populares em todo o país, como as do Manuelinho em Évora. A reação não se fez esperar e os conjurados apoiaram a causa do Duque de Bragança, D. João, contando com a simpatia da França do Cardeal Richelieu e a mobilização espanhola para a guerra da Catalunha. A Vice-Rainha de Portugal, Margarida de Sabóia, Duquesa de Mântua, bisneta de Isabel de Portugal e de Carlos V de Habsburgo, não resistiu e sairia de Portugal ainda em dezembro de 1640, tendo o Secretário de Estado Miguel de Vasconcelos sido defenestrado pelos conjurados.

Depois de 1640, ao lado de D. João IV, o mais célebre dos Conselheiros do novo rei foi o Padre António Vieira (1608-1697), figura ímpar da cultura portuguesa. Com o Padre António Vieira, estamos perante a maturidade da língua portuguesa em prosa, cuja leitura nos dias de hoje continua a encher-nos de emoção. Foi um visionário, um diplomata, um pregador da Capela Real, um conselheiro avisado, um humanista, um lutador pelo respeito da dignidade de todos, à frente do seu tempo, e um artífice, como houve muito poucos, da palavra dita e escrita. Sente-se, em cada expressão, em cada ideia, a força mágica dos encadeamentos, das repetições, das sinonímias, das contradições, dos paradoxos, das metáforas, dos símbolos, dos conceitos, do ponto e do contraponto, da proximidade e da distância. Vieira não se resume, nem se limita ao jogo de palavras e de ideias, por detrás desse jogo aparente está uma corajosa defesa de ideias e de causas, que, pela sua determinação e persistência, lhe foram causando os maiores dissabores e os piores contratempos. E é preciso ter uma força muito especial para poder manter-se atual quatro séculos depois do seu nascimento. E se digo atual, uso a palavra com o cuidado devido: não significa que possamos repetir agora o que foi dito por ele no século XVII, quer antes dizer que podemos hoje compreender, ressalvadas as distâncias de tempo e mentalidades, o que visava o padre, o orador ou o conselheiro. E percebemos bem que o que dizia e o que pensava estava muito à frente do que entendiam os seus contemporâneos. Vieira foi um homem que procurou sempre pautar-se pela antecipação e pelo critério do futuro, demandando respostas para um transe muito difícil então vivido pelos portugueses. Como pregador precisava de seduzir e de mobilizar vontades, quando a sociedade estava dividida e perplexa. O império temporal vinha-se esboroando, num processo longo que vinha do último quartel do século XVI. As riquezas perdiam-se ou dissipavam-se, os “fumos da Índia” avolumavam-se, havia divisões profundas (bem evidentes na crise dinástica que Vieira sentiu diretamente, sobretudo depois do desaparecimento de D. João IV). Havia, por isso, que reconstruir o império em moldes totalmente diferentes, que não padecessem das enfermidades antigas. E um império sem pés de barro, teria de ser espiritual, para ser motivador e tentar combater os males da corrupção do poder e do dinheiro. E vinha à baila a antiga ideia judaica de “povo eleito” à exigência moderna de encontro e de reconhecimento das diferenças. Eis por que razão a espiritualidade de Vieira procura ser aberta aos outros e ao futuro. E, no entanto, nota-se o risco, que mais tarde se revelará (na história das “reduções jesuíticas”, por exemplo), de um choque de projetos políticos, o do reino e o da companhia. Esse risco sente-o o próprio Padre Vieira, ora por incompreensão política, ora pelo sobe e desce dos poderes, ora por ameaça dos interesses e ora por falta de meios para agir.

O Padre António Vieira e o mito do Quinto Império

Lembramo-nos do Quinto Império de Vieira e temos de referir que «a restauração política de Portugal do seu tempo interessou Fernando Pessoa, como é de sobra conhecido, a ponto de ver Sidónio Pais um novo D. Sebastião. Mas (esclarece E. Lourenço), o Quinto Império com que sonha é um Império Cultural. E desse império e não de outro talvez seja ele mesmo o D. Sebastião». Entrando de pleno no mundo dos mitos, Eduardo Lourenço chega ao século XX e longe de qualquer tentação ilusória, diz-nos, com clareza, que «o Portugal – D. Sebastião de Pessoa é todo-o-mundo-e-ninguém com ele Pessoa – D. Sebastião é ninguém-e-todo-o-mundo, um e outro, a “eterna criança que há de vir”, aquele que morre como particularidade nacional ou pessoal, para ser tudo em todos, exemplo de um mundo e de uma personalidade sem limites nem fim». Lembramo-nos do “Auto da Lusitânia” de Gil Vicente. Deste modo, o autor de «A Nau de Ícaro», ao partir de Costa Lobo, ultrapassa claramente as preocupações deste e a sua análise, para proceder a um retrato fulgurante da mitologia portuguesa, na linha da sua psicanálise mítica do destino português. Para o Padre António Vieira o que estaria em causa era um império sobrenatural, capaz de superar os «fumos da Índia» e as fragilidades que conduziram a Alcácer Quibir. «Assim o que começou como um sonho de um Império redivivo termina com Pessoa em Império de sonho».

Assim se delineou uma estratégia, segundo a qual seria necessário compatibilizar o humanismo universalista e uma nova ideia de império. E o Padre António Vieira retoma então o que os franciscanos espirituais há muito defendiam (na linha do monge calabrês Joaquim de Flora, que falava das Idades do Pai, do Filho e do Espírito Santo). E se falamos de audácia e atrevimento, basta lembrar o poderoso “Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as da Holanda”, dito na Igreja baiana de Nossa Senhora da Ajuda em maio ou junho de 1640 (“arrependei-vos misericordioso Deus, enquanto estamos em tempo, ponde em nós os olhos da vossa piedade, ide à mão da vossa irritada justiça, quebre vosso amor as setas da vossa ira, e não permitais tantos danos e tão irreparáveis”). Mas os exemplos multiplicam-se, com especial subtileza. António Vieira atraiu ódios que juraram pela sua pele, primeiro entre os colonos, depois na corte, entre os invejosos do lugar proeminente que assumiu junto de D. João IV, alvitrando, aconselhando e agindo, e ainda na Inquisição, pela qual foi perseguido, julgado, preso e, por fim, perdoado apenas graças à intercessão papal… Leia-se o Sermão da Dominga Vigésima Segunda depois do Pentecostes (1649), onde, partindo de S. Mateus (“É lícito ou não pagar o imposto a César?”, 22,17), verbera a hipocrisia dos fariseus, ataca o fanatismo cego e sem caridade, e lembra os escrúpulos falsos de Pilatos, sempre a pensar nos inquisidores: “Ó julgadores que caminhais para lá com as almas envoltas em tantos, e tão graves escrúpulos de fazendas, de vidas, de honras, e cuidais cegos, e estúpidos, que essas mãos com que escreveis as tenções e com que firmais as sentenças, se podem lavar com uma pouca de água. Não há água que tenha tal virtude”. Nunca fugiu das dificuldades nem da denúncia dos erros e atropelos, como se vê bem no Sermão do 5º Domingo da Quaresma, dito no Maranhão: “E se as letras deste abecedário se repartissem pelos Estados de Portugal, que letra tocaria ao nosso Maranhão? Não há dúvida que o M. M Maranhão, M murmurar, M motejar, M maldizer, M malsinar, M mexericar, e sobretudo M mentir: mentir com as palavras, mentir com as obras, mentir com os pensamentos, que de todos e por todos os modos aqui se mente…”. Os Sermões de Santo António aos Peixes, dito também no Maranhão, da 3ª Dominga da Quaresma, pregado na Capela Real, e do Bom Ladrão, apresentado na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), de 1654 e 1655, são bem ilustrativos da coragem acusatória de Vieira contra abusos e injustiças: “Encomendou el-Rei D. João o Terceiro a S. Francisco Xavier o informasse do estado da Índia, por via de seu companheiro, que era mestre do Príncipe; e o que o santo escreveu de lá, sem nomear ofícios, nem pessoas, foi que o verbo rapio na Índia se conjugava em todos dos modos…”.

Com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) a finar-se, havia que preparar um alinhamento que permitisse uma presença segura na nova balança europeia. E a justificação espiritual (que a Inquisição considerou heresia) poderia abrir novos horizontes, sobretudo através da criação de bases sólidas no Brasil e na Índia. Assim, o Quinto Império não era um sonho desligado da realidade nem uma ilusão centrada no território da loucura, era a tentativa de regresso à epopeia de quinhentos, com um repensamento estratégico que tirasse lições dos erros cometidos. Assim foi concebida a “História do Futuro”, antecipada pelo Sermão dos Bons Anos (1.1.1642), onde as Escrituras, as profecias de S. Frei Gil de Santarém e as “Trovas” do Bandarra levaram-no a transferir o mito do Desejado de um rei morto em Alcácer-Quibir (Sebastião) para um rei vivo (João, ali presente na Capela Real). Seria nesse império que se reuniriam todos os povos sob a égide do Vigário de Cristo e sob um mesmo governo temporal do Rei de Portugal…

A Quinta do Tanque, propriedade da Companhia de Jesus, situava-se a meia légua da cidade de Salvador da Bahia, e foi o lugar onde o Padre António Vieira passou os últimos anos de vida, a partir de 1681, a cuidar da versão final dos Sermões. Aí, sabe-se ter sido a sua existência seriamente perturbada pelo conflito entre o irmão Bernardo e o sobrinho Gonçalo com o governador António de Sousa de Meneses (o célebre “Braço de Prata”), a ponto de António Vieira se lamentar de que: “vindo-me meter em um deserto para melhor me aparelhar para a morte, nem viver nem morrer me deixem”. Com o seu amigo e companheiro Padre José Soares, apesar de tudo, pôde trabalhar intensamente, permitindo-nos conhecer as versões finais das suas orações fundamentais. Em 1688, foi, no entanto, nomeado pela Ordem Visitador da Província do Brasil, como que em reparação depois de mil injustiças e incompreensões, regressando apenas em 1691 ao remanso da Quinta do Tanque, não apenas para terminar a impressão dos Sermões, mas também para escrever o que considerou poder vir a ser a cúpula da sua obra – a Clavis Prophetarum, De Regno Christi in Terris consummato, livro que jamais acabaria. Infelizmente, esse foi um tempo de doença e de enfraquecimento. Teve a seu lado, além do Padre Soares, o Padre António Maria Bonucci, e isso permitiu que o trabalho árduo das revisões pudesse ser feito. Ainda em 1694 viu-se, de novo, contestado pelos superiores da Província, por excesso de intervenção na eleição do Procurador à Congregação Geral de Roma, a ponto de ser privado de voz ativa e passiva em todos os atos da Companhia. Viria a ser ilibado dessa pena, mas a notícia do facto só chegaria a Salvador já Vieira tinha morrido. Ficou muito amargurado e, em 1696, a saúde agravou-se-lhe irremediavelmente, tanto que teve de partir para a cidade, para o Colégio, que tão bem conhecia, de onde mais não sairia. Aí morreu a 18 de julho de 1697, à hora primeira, descrevendo assim o Padre André de Barros, em linguagem e com atitude do tempo, esse momento final: “no mesmo ponto, e hora da noite em que expirou, acendeu o Céu uma nova estrela, ou facho luminoso, que foi visto sobre o Colégio, e notado dos de fora, brado portentoso, e pregão divino dos merecimentos do imortal Vieira…”. Salientamos ainda neste período a importância de D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666), grande escritor das duas línguas ibéricas. Historiador, pedagogo, moralista, autor teatral, epistológrafo e poeta, foi representante máximo da literatura barroca peninsular – tendo sofrido ao longo da sua vida os efeitos de ser referência dos dois reinos, sendo acusado pelos dois lados por ser cúmplice do outro…

Portugal e a nova Europa (Vestefália)

A chamada Paz de Vestfália (1648) pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, constituindo o começo da diplomacia moderna, dando início ao sistema moderno dos Estados-nação, em lugar do velho entendimento centrado na relação entre poder temporal e poder espiritual. Reconhece-se, assim, a noção de soberania de cada um dos Estados envolvidos. As guerras posteriores ao acordo não mais tiveram como causa principal a religião, mas giravam em torno de questões de Estado. Isto permitiu que potências católicas e protestantes pudessem aliar-se, provocando alteração nos equilíbrios entre os diferentes países europeus. Contudo, agravou as divisões internas no território da atual Alemanha, impedindo a unificação, que só viria no final do século XIX. E assim o Sacro Império Romano-Germânico perdeu influência, inviabilizando a primazia na Cristandade.

O pensamento económico português foi marcado ao longo dos séculos pelo estudo das condições que caracterizam a nossa situação quase paradoxal de um território europeu virado ao mar, mas com inequívocas carências, com exigentes solicitações globais em razão da presença dos portugueses no mundo. Tal é o pano de fundo dos movimentos que obrigaram sucessivas gerações a partir – ora para a Índia, ora, em ocasiões diferentes e com destinos diversos, para a emigração. Em 1415 vamos para Ceuta para superar a falta de trigo e de ouro – para beneficiar do comércio do Mediterrâneo. Se a longa costa atlântica portuguesa permitiu contrariar a situação periférica, o certo é que houve sempre uma tensão entre a defesa de um melhor aproveitamento dos recursos próprios e a consideração das oportunidades dos movimentos de pessoas e mercadorias… São bem conhecidos os alertas de Infante D. Pedro das Sete Partidas na célebre Carta de Bruges (1426) ou as queixas de Francisco Sá de Miranda: “Não me temo de Castela, donde guerra inda não soa, / mas temo-me de Lisboa que ao cheiro desta canela o reino nos despovoa”. E não esquecemos, no século XVII, o conde da Ericeira na defesa do espírito manufatureiro, a que a descoberta do ouro do Brasil não deu continuidade. Houve, assim, plena consciência de que era preciso fixar riquezas depois de partir em sua busca. Essa procura teria de ser compensada de alguma forma, para que a míngua de pessoas não impedisse a criação e consolidação de uma cabeça coerente e de uma orientação eficaz para o império. A doutrina refere-se, por isso, às duas políticas nacionais. Falando de obras pioneiras portuguesas no tocante à economia, cabe referir, os fundamentais autores seiscentistas – Mendes de Vasconcelos, Severim de Faria e Ribeiro de Macedo. Em 1608, Diálogos do Sítio de Lisboa de Luís Mendes de Vasconcelos (c. 1542-1623) é o primeiro exemplo de uma tomada de consciência sobre a importância da capacidade criadora da economia. O autor viveu na passagem do século XVI para o século XVII, foi Capitão das Armadas do Oriente e governador em Angola. Nesse livro – onde discutem um Filósofo, um Soldado e um Político – encontramos a exaltação das qualidades da cidade de Lisboa, sobretudo quando comparada com Madrid e, tratando-se do tempo de Filipe I, durante a monarquia dual, António Sérgio (1883-1969) diz-nos que o autor procurava convencer o rei “a mudar de Madrid para Lisboa a capital do seu império”. Por outro lado, combate-se “o estonteamento da nossa política ultramarina, que consistiu em se perverter o objetivo comercial com as ideias de conquista”. Luís Mendes de Vasconcelos defende a criação e a fixação, não apenas no domínio teórico, mas com exemplos práticos do que hoje classificaríamos como ordenamento do território, em especial para o aproveitamento agrícola nas lezírias do Tejo e na região de Lisboa. Ainda para Sérgio, este reformismo assenta na “política fixadora, a da produção metropolitana, com base na estabilidade do comércio do ultramar, e da sua nacionalização”; bem como num conceito de glória e heroísmo – “a glória do político e do militar, o heroísmo do servidor da pátria está em concorrer para a prosperidade dela”.

Já o clérigo e teólogo, formado pela Universidade de Évora, Manuel Severim de Faria (1583-1654) subscreve, com preocupações semelhantes, Dos Remédios para a falta de Gente (1655), onde critica a prioridade bélica em detrimento do comércio e da manufatura – somando-se esse mal á falta de investimento, aos defeitos do arranjo agrário, à concentração fundiária, ao absentismo e ao despovoamento... De mais a mais, o império do Índico apresentava-se frágil por falta de organização mercantil, e por defeitos no arranjo agrário. Daí se advogar a prioridade para o comércio, a indústria e as manufaturas, único modo de fixar recursos, devendo a preocupação de criar riqueza prevalecer sobre a conquista. Só favorecendo o governo do Reino a introdução de ofícios e técnicas modernas poderia o mesmo alcançar a independência económica da nação. O jurisconsulto e diplomata Duarte Ribeiro de Macedo (1618-1680) publicou o Discurso sobre a introdução das artes no Reino (1675). Em coerência com a sua correspondência com o Padre António Vieira e D. Francisco Manuel de Melo, o escritor considera ser fundamental a compreensão de que só haveria um meio para evitar a dependência do exterior pelas importações, e esse seria impedir que o dinheiro saísse do Reino através da criação de artes e manufaturas. A introdução de uma tal orientação evitaria o dano que fazem ao Reino o luxo e as modas; obstaria à ociosidade; tornaria o país povoado e abundante com gentes e frutos; aumentaria as rendas reais (“porque o peso que levam poucos, dividido por muitos, é mais fácil de levar e pode ser maior”); e atrairia ouro de Espanha, aproveitaria mais as colónias e daria ao porto de Lisboa, superior ao de Constantinopla, a primazia do comércio do mundo. Escrevendo na França de Colbert, Ribeiro de Macedo considerava que haveria que seguir os caminhos mercantilistas de França e Itália e que a Inglaterra começava a trilhar. Saliente-se ainda que, tal como o Padre António Vieira, o diplomata defendeu a necessidade de encontrar um entendimento com judeus e cristãos-novos de modo a angariar novos meios e capacidades. Dois outros diplomatas merecem referência pela valia dos seus escritos de orientação convergente com a de Duarte Ribeiro de Macedo – refiro-me a Alexandre de Gusmão (1658-1753) e D. Luís da Cunha (1662-1749). O primeiro, irmão de Bartolomeu Lourenço de Gusmão, defendeu o combate à ociosidade, o aumento da agricultura, o aproveitamento das ribeiras para navegar e regar, o estabelecimento de fábricas, o aumento da indústria e o favorecimento do comércio dentro e fora do reino. O segundo insiste na necessidade de dar um uso positivo à propriedade agrícola e de favorecer o investimento nas artes. Tratava-se de colher nas experiências das nações civilizadas os melhores exemplos com resultados práticos. Quando o já citado António Sérgio publicou a sua Antologia dos Economistas Portugueses (1924), lembrou que os três autores seiscentistas “iniciaram a doutrina da política da Fixação, contra a política do Transporte; e o reformismo português, desde aí até agora, será o desenvolvimento dos princípios que defenderam nas suas obras. Em Luís Mendes de Vasconcelos é a Fixação, pela agricultura; em Severim de Faria, pela agricultura e pelas indústrias; em Ribeiro de Macedo, finalmente, são as minúcias de um programa de fomento industrial”. Logo no final do século XVII, porém, o dinheiro das minas do Brasil e mais tarde os empréstimos do constitucionalismo e as remessas dos emigrantes adiaram a realização das ideias dos três reformadores. Mas o seu espírito continua, ressalvadas as distâncias e qualquer anacronismo, vivo e pertinente, em nome de um reformismo que foi assumido por Herculano, pela geração de 1870, pela “Seara Nova” e pelo moderno pensamento democrático. Regressar aos clássicos é, no fundo, um privilégio, sobretudo quando podemos usufruir através da sua leitura de ensinamentos duradouros e perenes.

Saído do período de sessenta anos em que viveu em Monarquia Dual com a Espanha, com a sua presença na Ásia enfraquecida, quer pelas conquistas dos holandeses, quer pelo desenvolvimento do mercado interasiático e com a perda de Ormuz (1622) e de Malaca (1640) e expulsão do Japão (1637-41), em Portugal a procura da fixação fazia todo o sentido.

Agostinho de Morais

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