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Miguel Marquês vencedor do Prémio "Novobanco Revelação" expõe em Serralves
Miguel Marquês é o fotógrafo selecionado pela Fundação Serralves (Porto) para o prémio “Novobanco Revelação” que inaugura a exposição “Walking Thru The Sleepy City”, em que revela momentos captados da capital da Moldávia numa viagem de um mês.
Foi em busca de Valentim, um emigrante moldavo que o fotógrafo português Miguel Marquês conheceu em Lisboa enquanto fotografava na rua, que chegou a Chisinau, a capital da Moldávia, antiga república soviética que se tornou um país independente após a queda da URSS.
Em entrevista, Miguel Marquês, 27 anos, natural de Lisboa, conta que quando chegou de autocarro à capital da Moldávia em busca do seu amigo moldavo, que nunca chegou a encontrar, andou pelas ruas da cidade sozinho.
Nessas deambulações em busca do amigo encontrava muitas vezes um cão, solitário, tal como estava Miguel. Foram esses cães vadios que se transformaram em guias e que encaminharam o fotógrafo por lugares “mais mundanos” da cidade, ajudando Miguel Marquês a captar momentos de uma cidade, meio entorpecida no tempo, com um parque automóvel arcaico e edifícios equivalentes aos que se construíam nos anos 1980 em Portugal.
“Os cães funcionam como espelho de mim próprio. Eu próprio sentia-me um cão, sem rumo certo. Eles [os cães] serviam como espelho, porque andavam sempre sozinhos também, e geralmente eles vão para os sítios em que há menos pessoas, e sítios que me interessam que são sítios possivelmente onde as pessoas não querem fotografar ou não querem estar perto (…). São sítios ordinários. Ordinários no sentido em que não são convencionais”, explica o fotógrafo que levou 60 rolos na mochila de viagem e gastou 50 rolos durante a sua estada de um mês na capital da Moldávia.
Fruto dessa viagem em busca de um amigo perdido, Miguel Marquês, que só viu as cerca de 300 fotografias depois de regressar a Portugal, começou a construir o projeto “Walking Thru The Sleepy City”, e com o qual foi selecionado por Serralves para vencer o prémio “Novobanco Revelação”, um galardão cuja primeira edição foi em 2005.
“Walking Thru The Sleepy City” é uma exposição composta por 28 fotografias a cores em vários formatos. Trata-se da primeira exposição pública do jovem fotógrafo Miguel Marquês.
A exposição abre com “Portal”, imagem de um quadro que Miguel Marquês viu numa exposição em Chisinau, e termina com uma “parcela” da primeira fotografia da exposição. Esse detalhe com que termina a mostra está ao lado de uma fotografia com uma janela e é um “convite” para se voltar a ver as imagens, regressar à exposição, e também para voltar a Moldávia, explica o autor.
Ricardo Nicolau, o curador da mostra, conta que Miguel Marquês surpreendeu com aquilo que distingue um fotógrafo de pessoas que usam a fotografia, “que é o facto de haver uma espécie de distância. Muito estranho, e que não é mais expectável em relação aos objetos”, a “distância “fora de campo”.
“Estas fotografias são fruto de uma viagem, de uma permanência de um mês do Miguel em Chisinau, que é a capital da Moldávia. E seria expectável encontrarmos a cidade nas fotografias e, na verdade, ninguém fica a conhecer melhor a cidade. Não se trata de bilhetes-postais da cidade, longe disso. Mas há sempre uma espécie de viagem por tudo o que o Miguel encontrou de mais exótico neste confronto com o desconhecido, que é o facto de a cidade ter uma bizarra relação entre centro e periferia, entre cidade e arrabaldes, entre urbanidade e ruralidade”, explica o curador.
Ricardo Nicolau refere que Miguel Marquês conseguiu plasmar pelas imagens captadas uma espécie de “máquina do tempo”, “pelo menos aos olhos de um português, que reconhece no máximo “um Portugal dos anos 1980-90 nestas fotografias”, que mostram um parque automóvel “obsoleto”, um tipo de arquitetura “mais ou menos precária”.
Nicolau confessa que um dos motivos para selecionar Miguel Marquês para o prémio foi o texto que escreveu e que recai numa certa poesia heroica na busca de um amigo imigrante que nunca foi encontrado. “Há quem defenda que os livros fazem amigos, e mesmo bons amigos; a fotografia também, parece-me”.
“Devo confessar que um dos motivos fundamentais para seleção de Miguel teve que ver não só com as fotografias que ele apresentava, como com o texto em que ele explicava a história que está por detrás das fotografias e que se pode sintetizar mais ou menos da seguinte forma: o Miguel Marquês foi em busca, foi Chisinau em busca do imigrante moldavo de quem ficou particularmente próximo em Lisboa, e foi à Moldávia e anunciou que regressaria em breve, e não regressou, e o Miguel esteve na Moldávia à procura de Valentim [Prepelita] durante um mês”.
Miguel Marquês conta que Valentim Prepelita despediu-se dele numa "manhã de inverno soalheira".
“Tínhamos bebido uns copos de vinho e fumado uns cigarros antes da partida. Estava contente por ouvir de novo vozes moldavas a arrumar malas na bagageira do autocarro e por sentir que em poucos dias voltaria a comer m?m?lig? e borsch. Dei-lhe o dinheiro do bilhete e umas máquinas fotográficas descartáveis para fotografar a viagem. Abraçou-me com uma lágrima no olho, sorriu e agradeceu o gesto. Disse-me que quando chegasse a casa do seu amigo dentista enviaria umas garrafas de vinho de Cricova e as máquinas por revelar. Os meses passaram e não voltei a ter notícias do Valentin. Decidi fazer a mesma viagem de autocarro e procurá-lo por Chisinau”.
Miguel Marquês avançou que o próximo projeto em que anda a pensar é outra viagem, mas desta vez de comboio. A partida será do Porto e rumo à Indonésia.
A exposição fica patente no Museu de Serralves até 19 de janeiro de 2025.
Fonte: LUSA | 18 de julho de 2024