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30 anos de O Rei Leão: um sucesso com garra

Há três décadas chegava aos cinemas uma das mais comoventes histórias sobre paternidade e orfandade. Primeiro argumento original da Disney, o êxito de 'O Rei Leão' transformou-o num clássico para todos os tempos.

E assim se apresentava ao mundo a famosa cria de leão.

O rugido que se fez ouvir em 1994 ainda mexe connosco. A 24 de junho desse ano, a Disney apresentava ao mundo um absoluto original de animação dos estúdios, uma história que iria tocar profundamente os espectadores pela sua dimensão humana... ainda que não haja sombra da presença do homem em nenhum momento. Ao contrário de Bambi (1942) – o outro clássico da Disney que aterrorizou e comoveu gerações, centrando-se nos animais da floresta, mas evidenciando a maldade do homem pelas consequências dramáticas das suas ações –, O Rei Leão reserva a narrativa às atribulações do mundo animal, que em tudo partilha semelhanças com a humanidade, ou não fosse filosofia do próprio Walt Disney (1901-1966) que se dotasse os desenhos de animais com características humanas, não necessariamente antropomórficas. “Quando criamos fantasias não podemos perder de vista a realidade”, dizia ele. 

Respeitando essa norma de conduta de Disney (que inclusive, no seu tempo, costumava enviar desenhadores aos jardins zoológicos, para observarem a fauna durante horas, com o objetivo de alcançar a autenticidade dos detalhes físicos das personagens), os criadores de O Rei Leão também procuraram trazer o máximo de “realidade” para a conceção do filme. O que implicou, por exemplo, uma viagem de alguns dos animadores ao Quénia, mais especificamente ao Parque Nacional Hell’s Gate, onde encontraram inspiração, desde logo, para as paisagens – à exceção da famosa Pedra do Rei (Pride Rock), desenhada por um artista em Burbank. Isto sem esquecer que, para além das fotografias e materiais de investigação trazidos de África, os zoos de San Diego e Miami ofereceram ajuda aos trabalhos, levando animais para os estúdios, leões incluídos, de maneira que pudessem ser estudados laboratorialmente nos seus movimentos...  

Tudo isto para dizer: hoje em dia seria concebível tal esforço de pesquisa? Ou sequer uma equipa de mais de 600 animadores, artistas e técnicos, num processo exaustivo de pintura manual? Já não se labora a animação nestes termos. De resto, e só para fechar o capítulo fundamental da produção em si, que começou por se chamar King of the Jungle (“Rei da Selva”), importa referir que o primeiro realizador designado para o projeto, George Scribner, abandonou o barco quando a decisão artística de fazer um musical se sobrepôs à hipótese de uma espécie de filme National Geographic animado (o que seria!). Ficaram então no comando os realizadores Roger Allers e Rob Minkoff, juntamente com o produtor Don Hahn, orgulhosos de terem dado oportunidade a muitos jovens animadores – já que os principais estavam ocupados com a Pocahontas – formando uma equipa que se assumiu como “um círculo tranquilo, inclusivo e criativo”, segundo Allers, onde “todos foram ouvidos”. 


 

Simba com o malvado tio Scar.

O fenómeno

Quando se estreou no dito verão de 1994, ninguém estava preparado para o sucesso que foi The Lion King: maior bilheteira do ano, maior bilheteira de todos os tempos de uma animação (até ser destronado por Frozen – O Reino de Gelo), e, título que ainda detém, filme de animação manual com maior box office da história. Um fenómeno no grande ecrã, mas também no pequeno, que fez com que não faltasse em muitas casas um VHS de O Rei Leão... A saber, 55 milhões de cópias vendidas em todo o mundo mantêm-no no trono dos vídeos caseiros, como referência de um tempo em que este mercado era rei. 

Nomeado um dos “25 Melhores Filmes de Animação de Todos os Tempos” pela revista Time, e o quarto melhor filme do seu género no Top 10 do American Film Institute, esta que é a 32ª longa-metragem da Disney prolongou o seu rugido até aos nossos dias: a adaptação teatral da Broadway está em cartaz desde 1997, houve duas sequelas, em 1998 e 2004, e o remake em CGI de Jon Favreau veio juntar-se à lista de “recuperações” dos clássicos da Disney, como se fosse possível replicar o impacto emocional do filme de 1994 através de imagens geradas por computador – claro que, ainda assim, bateu recordes.


 

Simba crescido, com Timon e Pumba, ou a arte de aprender a "não se preocupar".  

Razão pela qual chega aos cinemas ainda este ano (19 de dezembro) Mufasa: O Rei Leão, sobre a ascensão do pai de Simba, contada à filha deste. Realizado por Barry Jenkins, o oscarizado cineasta de Moonlight, recorre-se aqui novamente à prodigiosa tecnologia, somando-se o contributo do compositor Lin-Manuel Miranda, que, nas notas de produção, diz sentir-se “humilde e orgulhoso” por fazer parte de “um legado musical incrível, com música de alguns dos maiores compositores do mundo”. E é de facto o mínimo que se pode dizer do trabalho de Hans Zimmer na banda sonora de O Rei Leão, a par com os temas de Elton John e as letras de Tim Rice: Circle of LifeCan You Feel the Love Tonight (vencedor do Óscar) e Hakuna Matata converteram-se em pura memória coletiva. 

A tragédia e a comédia

Celebrar os 30 anos deste clássico muito amado significa também responder à pergunta “o que é que o tornou tão especial”? Numa análise ao nível da forma (ou fórmula) narrativa, dir-se-ia que O Rei Leão é do mais completo que já se alcançou em animação. Um filme que nos leva às lágrimas com a mesma veemência com que provoca o riso, onde quase sempre o romantismo Disney optou por privilegiar o drama, evitando que a comédia chocasse demasiado com a tragédia. Ora, aqui esse choque muda tudo.

Ao contemplarmos a história de Simba, o filhote de leão que vê o seu pai, Mufasa, morrer numa debandada de gnus, e se força ao exílio – na sequência de uma manipulação pérfida do tio Scar, ignorando as suas intenções de tomada de poder –, estamos a contemplar uma transição da maior das tragédias pessoais para a maior das diversões. Por outras palavras: o suricata Timon e o javali Pumba representam um negativo de alegria embriagante em relação às cenas anteriores na savana. É certo que Simba voltará a ser chamado às suas responsabilidades na Pedra do Rei, voltará a lembrar-se de quem é e da sua herança, mas o maravilhoso contraste de tons fica feito, como se luz e trevas convivessem de uma forma inesperada. 

Muito se escreveu, na altura da estreia, sobre os ecos de Hamlet e as parecenças com o drama do pequeno cervo. O The New York Times resumiu-o no título “Um Bambi para os Anos 90, via Shakespeare”. Mas mais do que isso, O Rei Leão fixou a sua aura pela perfeição que acumula de cena para cena, tornando-as todas citáveis (desde o assustador Be Prepared de Scar à aparição de Mufasa no céu noturno), porque todas são peças indispensáveis de um grande edifício sentimental, construído com amor aos pormenores que aproximam a fantasia da realidade, como sempre quis Walt Disney. 


 

A versão teatral de Julie Taymor. © 2010, Joan Marcus

A experiência teatral

Para quem já assistiu à versão teatral de O Rei Leão, é impossível não reconhecer a riqueza de uma história e de um universo que, por si só, se prestam à intensificação do espetáculo. Tal como o vi o verão passado no West End de Londres (Lyceum Theatre), o musical concebido para o palco por Julie Taymor funciona como uma expansão das possibilidades visuais do filme, ao mesmo tempo que explora a perspetiva. Ou seja, ao apresentar os atores como marionetistas dos seus próprios trajes elaborados, que espelham todo o imaginário africano, a encenadora conseguiu criar uma experiência à base da diversidade de ângulos, fazendo com que a atenção dos espectadores oscile entre a expressão corporal e vocal de cada ator e o movimento escrupuloso da sua estrutura animalesca. 

Logo ao início, com o tema Circle of Life, há como que uma introdução milagrosa: os animais aproximam-se do palco em pose majestosa, vindos do fundo da sala, como se nos implicassem na solenidade vibrante daquele momento de alvorada em que Rafiki pega no bebé Simba diante da comunidade. É quase uma vivência mística, conduzida pelos princípios de uma lógica cénica que tira partido da imensidão de cores e texturas de África, desta feita, despertando emoções relacionadas com o vigor da tal espetacularidade. Há, por isso, um lirismo vivo nesta abordagem que só confirma o poder regenerador e a magia cristalizada de um filme a que queremos voltar uma e outra vez. 




Três curiosidades para 30 anos:

1. A cena que divide O Rei Leão ao meio, com a morte de Mufasa na debandada de gnus, foi a mais desafiante de toda a produção e aquela onde se aplicou visivelmente uma tecnologia rudimentar. Imagine-se que para a sua duração de dois minutos e meio foram necessários cerca de três anos de trabalho, por parte de técnicos com formação específica para “desenhar” os movimentos do rebanho a partir das suas figuras individuais. 

2. A imagem do vilão Scar (com aquela voz antológica de Jeremy Irons) no número musical Be Prepared é uma referência aos nazis. Mais precisamente, os animadores basearam-se em alguns dos registos do filme O Triunfo da Vontade (1935), de Leni Riefenstahl, para reproduzir as marcas do autoritarismo de Hitler, com Scar no poleiro e as hienas a marchar, alinhadas como um exército. Até as luzes refletidas na pedra correspondem ao sistema de iluminação dos desfiles de Nuremberga...  

3. Por falar em hienas, o caso mais engraçado de contestação a The Lion King foi o dos protestos de biólogos contra a “difamação do caráter da hiena”, animal que estaria a ser retratado injustamente como cúmplice do vilão. Houve mesmo um especialista que se manifestou através de boicote, depois de ter organizado uma visita dos animadores à Universidade da Califórnia para estes estudarem o comportamento dos ditos animais. O que seria do clássico sem a liberdade artística? 


por Inês N. Lourenço in Diário de Notícias | 24 de junho de 2024
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias
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