O dispositivo é tradicional - o que, entenda-se, decorre de um propósito de informação e didactismo cuja eficácia não está em causa. Trata-se de condensar 60 anos de história da Orquestra Gulbenkian através de uma coleção de testemunhos e materiais de arquivo que conduzem o espectador da época do respetivo nascimento, sublinhando o papel determinante de Madalena de Azeredo Perdigão, até à atualidade, com Hannu Lintu como Maestro Titular.
Dos intérpretes aos maestros, viajamos através de um tecido de memórias tratado por uma montagem realmente esclarecedora. E se é verdade que, em particular, as palavras concisas de Rui Vieira Nery ajudam a definir a estrutura da narrativa, não é menos verdade que a diversidade das vozes registadas (cito, por exemplo, Lorenzo Viotti que em 2018, aos 28 anos, assumiu o cargo de Maestro Titular) surge de modo fluente e positivo, evitando o tempero “televisivo”, também ele tradicional, da futilidade ou da caricatura.
Há outra maneira de dizer isto: Soma das Partes, não deixando de ser uma antologia de factos e protagonistas, existe sobretudo como retrato de um complexo e diversificado processo de trabalho. E não é todos os dias que encontramos a música, tratada não como uma coleção de “curiosidades” mais ou menos superficiais, antes observada como um universo de trabalho - nessa medida, relançando a palavra de Maria João Pires, de descoberta. Tudo isto, convém acrescentar, sem deixar que a narrativa seja contaminada por qualquer facilidade “simbólica” ou moralista, recusando recordar o pré e o pós-25 de abril como dois países sem nada em comum.
Saúde-se, enfim, o facto de um filme como Soma das Partes, apesar das especificidades do seu tema, surgir através de uma distribuição relativamente alargada em salas de todo o país (da responsabilidade da empresa The Stone and the Plot). Mais do que nunca, é também imperioso não desistir de diversificar os “conteúdos” do mercado das salas, na certeza de que não se renovam públicos (o plural é essencial) sem algum sentido de risco - um risco comercial que é sempre um risco cultural.
A primeira obra de Edgar Ferreira, uma viagem pelos 60 anos da Orquestra Gulbenkian, chega dia 20 de junho a 22 salas espalhadas pelo país.