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Temporada Gulbenkian de Música e Dança 2005/2006
Outubro 2005 a Junho 2006 > SEIS PERCURSOS PARA UMA TEMPORADA ... são 83 programas distribuídos por 128 espectáculos.
SEIS PERCURSOS PARA UMA TEMPORADA
São 83 programas distribuídos por 128 espectáculos. Cada um deles oferece uma proposta artística que é única e irrepetível e que por isso mesmo vale por si própria. Nesse sentido, a temporada é um tecido de células vivas, um mosaico de experiências individuais contrastantes que se vão sucedendo ao longo do ano, de descoberta em descoberta.
Ao mesmo tempo, contudo, há linhas condutoras que atravessam este espaço e nele vão construindo laços de coerência interna, permitindo itinerários temáticos múltiplos, entrecruzados em rede mas perceptíveis na sua dinâmica própria.
O mais evidente desses itinerários é o que corresponde aos ciclos identificados no programa e se traduz depois, na maioria dos casos, nos planos de assinaturas disponíveis: para lá das séries de apresentações da Orquestra, do Coro e do Ballet Gulbenkian, os ciclos de Grandes Orquestras Mundiais; de Música Antiga e de Música Contemporânea; de Música de Câmara, Canto e Piano; de solistas da Orquestra Gulbenkian e de Novos Intérpretes.
Mas é possível identificar no seio da temporada muitos outros percursos paralelos que atravessam os limites destes ciclos. Sugerimos-lhe em seguida pistas para percorrer alguns desses itinerários temáticos que constituem alicerces subterrâneos da programação agora apresentada.
Contrapontos: Da Polifonia do Renascimento a Johann Sebastian Bach
O contraponto austero dos franco-flamengos quinhentistas (Huelgas Ensemble / Van Nevel) e a expressividade maneirista exuberante de Gesualdo (Venexiana / Cavina e Neue Vocalsolisten Stuttgart) cruzam-se com a mestria dos polifonistas portugueses do mesmo período (Coro Gulbenkian / Matta e Huelgas Ensemble / Van Nevel). As tradições próprias do Barroco francês (Trio Hantaï), italiano (Solistas da O. Gulbenkian, Pinnock, O. Barroca de Friburgo / Bartoli) e alemão (Seminario Musicale / Lesne) combinam-se depois nas grandes sínteses finais de Händel (Solistas da O. Gulbenkian, Pinnock, O. Barroca de Friburgo / Bartoli) e de Bach (Solistas da O. Gulbenkian, Trio Hantaï, Yo-Yo-Ma, Coro e O. Gulbenkian / Corboz).
Na maioria dos casos estas abordagens são construídas a partir do estudo e da reconstrução dos instrumentos e técnicas de execução originais dos séculos XVI a XVIII. Noutros trata-se de leituras retrospectivas assentes na experiência dos repertórios posteriores, como sucede, em particular, na proposta dos Neue Vocalsolisten Stuttgart, que traçam pontes entre Gesualdo e Sciarrino, unindo num mesmo universo as vanguardas do Maneirismo e dos nossos dias. Afinal, a obra musical, como a literária, é aberta e contém por isso em si todos os olhares
Viena nas Primeiras Décadas do Século XX: Da Tradição Romântica à Vanguarda Expressionista
De sede do império austro-húngaro a capital da jovem república austríaca, Viena permanece, nas primeiras décadas do século XX, um dos grandes pólos de inovação da Música europeia. Partindo da herança de Brahms (Holzmair / Vignoles, Tretiakov / Bashmet / Gutman / Lobanov, Solistas da O. Gulbenkian, O. Gulbenkian / Dudamel / Zuckermann / Forsyth), os ciclos de canções (Holzmair / Vignoles) e as sinfonias (Gewandhaus / Chailly) de Gustav Mahler levam a linguagem tonal do Romantismo às suas últimas fronteiras. O mesmo sucede com o escândalo modernista da Salomé (O. Gulbenkian / Foster), do bávaro Richard Strauss, mais tarde director da Staastoper, que no entanto virá a deixar nas 4 Últimas Canções um derradeiro testamento da tradição oitocentista que ele próprio assim abalou. Um terceiro grande expoente da modernidade musical vienense, Alexander von Zemlinsky (O. Gulbenkian / Eötvös) será o professor de Schönberg, que com os seus alunos Alban Berg (Kovacevitch, Jerusalem Chamber Music Festival) e Anton Webern abrirá as portas da atonalidade e de toda a evolução subsequente da Música de vanguarda europeia.
Identidade e Cosmopolitismo na Europa Central: Do Nacionalismo Oitocentista às Rupturas do Modernismo.
Quando o modelo clássico-romântico alemão, de Haydn e Beethoven a Schumann e Brahms, parecia ter dominado a generalidade do espaço europeu, o despertar de uma forte consciência nacional das culturas da Europa Central leva, no final do século XIX, ao surgimento de linguagens musicais cujas raízes mergulham de forma expressa nas respectivas tradições étnicas. Começa por ser o caso de regiões sob a administração austro-húngara como a Boémia e a Morávia, onde Smetana (O. Gulbenkian / Axelrod / Kodama) e Dvórak (O. Gulbenkian/Slatkin / Camilo, O. Câm. Europa / Schiff e O. Gulbenkian / Axelrod / Kodama) se afirmam pela especificidade local da sua inspiração melódica e rítmica. E com a viragem para o século XX esta procura de uma afirmação identitária em alternativa à tradição romântica manifesta-se pelo recurso cada vez mais livre às estruturas modais e aos padrões rítmicos irregulares das canções e danças populares centro-europeias. É o caso, na região checa, de Martinú (O. Gulbenkian / Axelrod / Kodama) e de Janácek (Hozmair / Vignoles, Rozhdestvensky / Rudy, Q. Takács / Musikás). Na Hungria sucedem-se Bartók (O. Gulbenkian / Foster / Volodos, Q. Takács / Musikás, Coro e O. Gulbenkian / Foster), Kodály (Coro e O. Gulbenkian / Foster) e Kurtág (Trio Alban Berg / Leonskaya, Remix). E na Roménia destaca-se a figura de Enesco, objecto neste momento de uma redescoberta alargada como uma das grandes personalidades da Música do Século XX, de quem Lawrence Foster se vem destacando como um intérprete paradigmático (O.Gulbenkian / Foster, 3 programas).
Chostakovitch: Um Caminho Solitário pela Música do Século XX
A Música de Dmitri Chostakovitch (1906-1975) reflecte tanto a personalidade idiossincrática do seu criador como as contingências da sua produção sob a égide de um dos regimes em que mais se exterioriza de forma visível a relação entre o poder político instituído e a criação artística. Foi aclamado como “Artista do Povo” da então URSS, mas forçado, por outro lado, pela burocracia soviética a autocriticar-se pelos aspectos mais vanguardistas da sua obra, considerados incompatíveis com o enquadramento propagandístico da política cultural vigente. Afirmou a sua ruptura com a herança do Romantismo russo, mas recusou-se, por outro lado, a acompanhar as novas correntes da atonalidade mais radical, sobretudo quando estas se configuraram no serialismo integral da escola de Darmstadt, à maneira de um Stockhausen ou de um Boulez. Cultivou até ao fim da vida as formas clássicas, como a Sonata (Leonskaya, Vengerov / Zilberstein), o Quarteto de Cordas, o Concerto (O. Gulbenkian / Järvi / Khachatrian e O. Gulbenkian / Boreyko / Philips) e a Sinfonia (O. Gulbenkian / Oue e Tang), podendo mesmo considerar-se o mais importante sinfonista do século XX, mas abordou numerosos outros géneros musicais, da canção ao bailado e à Música de filme. Em todos eles afirmou uma estética original e um lirismo intenso que dão corpo a algumas das obras-primas da Música do século passado.