James Marsh já tinha feito “A Teoria de Tudo”, um filme biográfico sobre Stephen Hawking. Agora lançou-se na missão de contar a vida de outra personalidade. A diferença é que desta vez, enquanto rodou o filme, não tinha o biografado já vivo.

“Dança Primeiro, Pensa Depois” é o filme que chega agora às salas de cinema portuguesas e que conta a vida do escritor e dramaturgo irlandês Samuel Beckett. Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, o realizador britânico fala numa “vida rica e cheia de contrastes” que foi “muito apelativa” trabalhar.

A longa-metragem com argumento do escritor escocês Neil Forsyth mostra o outro lado de Beckett, personagem interpretada pelo ator Gabriel Byrne. “Se souber alguma coisa sobre Samuel Beckett conhecerá os clichés. Conhece o “À Espera de Godot”, onde nada acontece, ou “Dias Felizes”, onde as personagens estão presas em areia até ao pescoço e não se podem mover. No entanto, a sua vida é muito preenchida, agitada e cheia de incidentes”, conta Marsh de passagem por Lisboa.

O realizador lembra que Samuel Beckett, “durante a guerra, envolveu-se ativamente na Resistência Francesa. Então, há um contraste entre os clichés do seu trabalho e a sua vida tão preenchida, cheia de paixão e drama”. Para Marsh, foi “muito interessante explorar, uma vida que parece que não faz parte do seu trabalho, mas que de alguma forma faz”.

Na opinião de James Marsh, peças como “À Espera de Godot”, que foi escrita depois de Beckett ter estado na guerra, “certamente terá sido influenciada pela sua experiência na guerra”. O realizador sublinha que usa o preto-e-branco em boa parte do filme em que Beckett surge a falar consigo próprio, revendo e elencando os seus erros passados.

Em “Dança Primeiro, Pensa Depois”, a vida deste génio da literatura e da dramaturgia é contada numa estrutura com viagens ao passado, à sua infância nos subúrbios de Dublin, mas também os seus tempos de juventude quando foi assistente de James Joyce, em Paris.

Para contar a história da vida de Samuel Beckett, o realizador James Marsh deu particular enfâse à sua relação com as mulheres. “Penso que uma das razões pelas quais achei que o filme valeria a pena ser feito, foi os fortes pontos de vista femininos sobre a vida de Beckett como personagem, mas também no seu trabalho”, explica Marsh.

“O filme recua ao passado, a estas relações importantes que são na sua maioria com mulheres. Temos a mãe dele, depois da Lucia Joyce, que é a filha de James Joyce, com quem ele se envolve, mas ela era muito instável. De certa forma, as relações de Beckett com as mulheres são muito complicadas, e nem sempre boas para ele, mas o filme começa com esta ideia de que ele vai rever a sua vida e olhar para os seus erros e para aquilo que mais se arrepende e muitos deles têm a ver com a sua relação com as mulheres, em particular com a Susan que se tornou a sua mulher e a Barbara que foi durante anos a sua amante. Esse triangulo é o motor do filme, a fricção entre estes personagens”, diz o realizador.

Além de Gabriel Byrne, “Dança Primeiro, Pensa Depois” conta com atores como Sandrine Bonnaire e Aidan Gillen. Usando uma linguagem de imagem muito minimalista, este é um filme que, no entender do realizador, poderá revelar ao grande público uma vida pouco conhecida de alguém cujo trabalho é sobejamente conhecido.

“A maioria das pessoas não sabe nada sobre a vida dele. Nesse sentido, isso dá-nos algo muito substancial para trabalhar, porque há muitos clichés sobre um escritor irlandês difícil que é muito minimalista, e as suas peças são difíceis para algumas pessoas. Mas a sua vida é tão rica e cheia” reitera Marsh. 

  

por Maria João Costa in Renascença | 4 de janeiro de 2024
Notícia no âmbito da parceira Centro Nacional de Cultura | Rádio Renascença