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Novo filme de Leonel Vieira ou quando a realidade e a ficção se cruzam
"O Último Animal" realizado por Leonel Vieira, o filme tem por base uma história real e foi rodado durante a pandemia nas favelas do Rio de Janeiro. Joaquim de Almeida é um dos protagonistas.
Há alturas em que a realidade e a ficção se cruzam e no novo filme de Leonel Vieira isso acontece mais do que uma vez. “O Último Animal”, que estreia esta quinta-feira nas salas de cinema, surgiu na cabeça do realizador a partir de um artigo de jornal.
Leonel Vieira recorda o dia em que estava numa esplanada “no calçadão”, no Rio de Janeiro, e leu um artigo sobre o jogo do bicho. A ideia, refere “tem claramente mais de 10 anos”. A rir, o cineasta lembra-se de um “detalhe que fez o clique”.
O que mais o chamou na história foi a divisão das favelas do Rio de Janeiro entre quem controlava o jogo e, em particular, o facto de “entre os oito grandes bicheiros, dois eram emigrantes portugueses”. Leonel Vieira pensou de imediato: “Esta história é tão fascinante que merece um filme”.
A protagonizar este emigrante português está o ator Joaquim de Almeida, que também ele se inspirou numa personagem real. “O Casimiro Alves é um português que foi muito cedo para o Brasil e que cresceu na vida do crime”, diz à Renascença o ator português mais conhecido em Hollywood.
Segundo Joaquim de Almeida, o Ciro, o diminutivo pelo qual a sua personagem é conhecida no filme, é inspirado em fotografias de um emigrante português, também ele bicheiro. “O Castor de Andrade era brasileiro de origem portuguesa que foi um dos maiores bicheiros no Brasil. O aspeto físico, os óculos, o bigodinho, criei a partir daquela personagem”, conta Joaquim de Almeida.
Mas estas não são as únicas pontes entre a ficção e a realidade. Neste filme cheio de ação, ritmo e que Leonel Vieira diz ter empenhado tudo para o realizar, há outra história onde o filme cruza a realidade.
Entre as várias histórias que o filme conta, está a de Didi, personagem desempenhada por Júnior Vieira. À Renascença, o jovem ator explica que a história do filme “lembra um pouco” a sua.
“Eu sou nordestino, do Maranhão, mas sou radicado no Rio de Janeiro. Eu morei em diversas favelas e tive a infelicidade do meu irmão ser chefe do tráfico” de droga, tal como acontece com Didi no filme.
Tal como na ficção, também o irmão de Júnior foi “assassinado”. Na opinião de Júnior Vieira, estas coincidências foram “uma das potências para que o Leonel [Vieira] selecionasse” para a personagem de Didi.
Contudo, Júnior Vieira, que está hoje a trabalhar numa produção com o realizador Fernando Meirelles, sublinha que ele “é um ponto fora da curva”, ou seja, o seu “final” é diferente do da sua personagem.
“Há 21 anos que sou artista, luto por esse espaço, estudo bastante. Agora no Brasil estou a dirigir um filme sobre favelas chamado ‘Nosso Sonho’. É um filme que está a ganhar muitos prémios e é também sobre as periferias. É um filme que não tem violência, não tem uma arma e é o oposto de ‘O Último Animal’, mas é uma realidade que acontece ainda. Tem muitas pessoas trabalhadoras e sonhadoras na favela. Posso dizer que um por cento são marginais, e que 99 por cento são pessoas a tentar a vida de forma honesta.”
Júnior Vieira lembra que “57% da população no Brasil é preta, e mais de 85% são pessoas pobres”. É neste contexto que o ator diz que essa moldura humana surge em muitos filmes. “A favela é muitas vezes retratada de forma violenta e sangrenta, mas a favela é uma grande potência, com pessoas trabalhadoras que procuram o seu espaço”.
Na sua opinião, “o Didi é um retrato fiel das pessoas que batalham e lutam, mas são esmagadas por uma sociedade muito preconceituosa e que dá poucas oportunidades para quem é periférico”.
Além de Júnior Vieira, este filme tem outros atores bem conhecidos entre as personagens principais. Exemplo disso são o ator inglês Duran Fulton Brown, que já entrou no "Indiana Jones", e o brasileiro Marcello Gonçalves, do filme "Tropa de Elite".
O realizador Leonel Vieira conta que “não percebia porque é que ninguém fazia no Brasil um filme sobre isto. Era um tema demasiado complexo e complicado para o mundo do cinema se querer meter a falar dele”, refere.
O cineasta diz que teve de fazer muita “investigação e leitura de processos de casos verdadeiros” para criar a história. Um dos momentos cruciais na construção do filme foi o dia em que Leonel Vieira foi levado à presença de um dos maiores traficantes de droga do Brasil.
“Estava no Jobim, um boteco, um ator amigo meu, da Globo, convida-me para eu conhecer o Mestre. O Mestre era o apelido que tinha o Nem, o narcotraficante mais procurado da América Latina, na época. Ninguém na altura conhecia a cara dele. Era dono das duas favelas, da Rocinha e do Vidigal. Subi ao QG, o Quartel-General, como eles chamavam, e eu fui a uma festa de aniversário da mulher dele”, recorda.
O acesso a este mundo “a que ninguém ousa estar perto”, fez Leonel Vieira rescrever toda a história. E segundo o realizador, a história de Didi é a da personagem que “por fatalidade do destino” acaba a viver a história que não queria para si. “São os casos dos que não querem ser e são por fatalidade”, refere Vieira que remata “isso é responsabilidade da sociedade”.
“O Último Animal” já foi nomeado para Melhor Filme Estrangeiro no Festival de Cinema de Gramado no Brasil e Melhor Longa-Metragem na última edição do Los Angeles Brazilian Film Festival e chega agora às salas de cinema portuguesas.
por Maria João Costa in Renascença | 1 de dezembro de 2023
Notícia no âmbito da parceira Centro Nacional de Cultura | Rádio Renascença