Depois de uma primeira edição que aliou o prazer da sala escura à solidariedade, com uma parte das receitas a reverterem para a Casa do Artista, o TVCine FEST renova o compromisso de levar ao espaço físico do cinema o melhor da produção variada que todos os meses se estreia nos canais, com a etiqueta "Inéditos TVCine". Desta feita, quem comprar o bilhete diário - 5 euros que dão acesso às cinco sessões de cada dia - estará a ajudar a Associação Mansarda, enquanto descobre em primeira mão no grande ecrã títulos apelativos que, de outro modo, não poderiam ser experienciados para além do ecrã caseiro. E é isso que este festival, ainda a dar os primeiros passos, propõe: celebrar um ritual que importa preservar em tempos de oscilante declínio das salas de cinema, dando a oportunidade de conhecer determinados filmes, documentários e séries longe do comodismo do sofá. O que se torna especialmente curioso no caso das séries, porque inverte a lógica da estreia televisiva - nos próximos dias 7 e 8, há nove cinemas NOS espalhados pelo país (Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Viseu, Coimbra, Almada, Faro e Funchal) que convidam a trocar a televisão pela oferta concentrada na tela maior.

Entre as propostas do primeiro dia, O Desconhecido (17h00) destaca-se como um dos títulos mais fortes. Um thriller dramático australiano, com Joel Edgerton (a merecer todos os elogios) e Sean Harris, que monta o puzzle de uma operação secreta ultra delicada. O filme de Thomas M. Wright baseia-se na história verídica de um sequestro, e em particular nos contornos tardios da sua investigação, seguindo a coreografia dos trabalhos da equipa que foi cultivando o terreno para a confissão do suposto culpado. No início, a questão da identidade (sinalizada no título "o desconhecido") funciona como um enigma atmosférico que deixa o espectador à deriva, dependente dos traços mais crus da psicologia humana e de um conjunto de sinais oníricos que tecem o caráter sombrio da operação. Mas à medida que avança, este tremendo dueto Edgerton-Harris, respetivamente, polícia-suspeito, cria o tipo de tensão que resvala para o drama sofisticado, mostrando como o grande profissionalismo convive com o maior abalo interior. A mestria de The Stranger (título original) está nessa capacidade de entrecruzar o comportamento visível e aquilo que atravessa os caminhos profundos da mente. É brilhante.

Outras paragens sugestivas da programação de sábado são as séries, das quais se exibem dois episódios cada. Primeiro, Planet Sex (12h00), uma viagem documental com a atriz e supermodelo Cara Delevingne, a sondar os temas da sexualidade sem tabus; e depois, Based on a True Story (14h15), uma diversão em torno de um casal que lança um podcast aproveitando a tara americana pelo true crime (premissa muito semelhante à da série Homicídios ao Domicílio). Mas há mais em matéria de filmes: às 19h15, Maggie Moore(s), uma comédia negra de John Slattery protagonizada por Jon Hamm e Tina Fey, e, às 21h30, A Bala de Deus, assinado por Nick Cassavetes (o filho de John Cassavetes e Gena Rowlands), que regressa ao género do thriller depois de dramalhões como O Diário da Nossa Paixão e Para a Minha Irmã.

De tudo um pouco

Até aqui, nota-se a diversidade que cumpre a promessa desta iniciativa, tal como sublinhou, em entrevista ao DN, João Magalhães, responsável de comunicação dos canais TVCine: "O TVCine FEST é um espelho da oferta eclética que podemos encontrar nos canais. As escolhas de programação revelam o nosso compromisso em apresentar conteúdos apetecíveis, variados e relevantes, quer pelo elenco, quer pelas histórias, ou pelo seu reconhecimento internacional."

E estas palavras de quem confirma que a primeira edição provou que "há espaço em Portugal para um festival como o TVCine FEST" ecoam também nas propostas de domingo, dia 8. Em termos de produções especificamente televisivas, para além de Spector (12h00), documentário centrado na figura do produtor musical Phil Spector, será lançada a série This England (14h15), um título de Michael Winterbottom (realizador das viagens gastronómicas de Steve Coogan e Rob Brydon) que explora, através do engenho da ficção, mas integrando imagens documentais, o modelo de gestão do governo de Boris Johnson na altura em que rebentou a pandemia de covid-19. No papel de Johnson, Kenneth Branagh é tão preciso na linguagem corporal do ex-primeiro-ministro britânico quanto desconcertante em alguns momentos que exageram uma certa "energia de velho"... É o peso da maquilhagem, claro, mas não deixa de ser engraçado.

Nos filmes, há também produção do Reino Unido, um simpático drama com Jim Broadbent, A Improvável Viagem de Harold Fry (17h00), de Hettie Macdonald, que segue a aventura de um reformado convencido de que uma longuíssima caminhada sua pode salvar uma amiga à beira da morte - objeto sentimental, com muitas bolhas nos pés. E a concluir o programa, entre o romance e a comédia, Sozinhos Juntos (19h15) e Uma Mentira Inocente (21h30) marcam encontro com atores como Katie Holmes, Jim Sturgess (o primeiro), Michael Shannon e Kate Hudson (o segundo), para terminar em tom leve. No fim de contas, a pergunta que se impõe é: qual a importância de manter o vínculo com a sala de cinema? Para João Magalhães, todas as experiências são importantes: "Somos fãs dos grandes ecrãs, tanto em casa como na sala de cinema. São experiências diferentes: em casa, é para um universo mais reduzido, com família, amigos ou sozinho/a, enquanto o cinema traz um lado mais imersivo e social. Orgulhamo-nos de poder cruzar essas experiências. Sendo as dez propostas do festival novidades exclusivas que surgirão em breve nos canais TVCine, é também gratificante poder dar-lhes honras de antestreia em sala de cinema."

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