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Mónica Lima e Basil da Cunha premiados no festival Curtas Vila do Conde

Mónica Lima a apresentar no Curtas Natureza Humana, dádiva da vida em tempos de Covid. Vencedor óbvio e incontestável.

Os melhores filmes portugueses foram premiados: Natureza Humana, de Mónica Lima e 2720, de Basil da Cunha. Na competição internacional, Il Compleanno di Enrico, do italiano Francesco Sossai venceu o prémio máximo. O cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho foi a atração da sessão de encerramento.

Mónica Lima venceu o prémio de melhor filme português e também o prémio da escolha do público neste Curtas Vila do Conde com Natureza Humana, enquanto Basil da Cunha obteve o prémio de melhor realização com 2720 , e foi também a escolha do público na competição internacional. Decisão a tocar a perfeição do júri num ano em que as sessões do cinema nacional voltaram a ter uma boa adesão do público.

De referir que Natureza Humana já tinha recebido um Tigre de melhor ficção na secção oficial de curtas do Festival de Roterdão.

Mónica Lima, depois do bem recomendável Verão Saturno (2017), conta uma história de um jovem casal que em tempos de recolher durante a pandemia tenta sobreviver ao quotidiano depois de esforços gorados para tentarem ser pais. Foi mesmo o melhor filme nesta competição. Um objeto que ainda acredita na força do rosto dos atores, neste caso dos brilhantes Crista Alfaiate e João Vicente e que faz dos pequenos gestos de intimidade grandes acontecimentos.

O franco-suíço Basil da Cunha volta ao palmarés de Vila do Conde, desta feita com o prémio de melhor realização de 2720, imersão num bairro de lata da Reboleira onde uma comunidade cabo-verdiana é abalada por uma rusga policial que interceta um jovem prestes a sair para o primeiro dia de trabalho e uma menina de sete anos preocupada com o paradeiro do mano. Cinema de travellings e com uma ética tão justa como eficaz. Não há ninguém a filmar assim em Portugal uma osmose entre corpos e uma comunidade...

Na competição internacional o prémio máximo foi para Itália com Il Compleanno di Enrico, de Francesco Sossai, curta repescada à Quinzena dos Cineastas, de Cannes 2023, uma história de mistério situada em 1999 em plena paranoia do "bug" do Milénio.

Filmes felizes e uma seleção impecável

Da competição nacional vista deste Curtas fica uma ideia legítima de uma amostra forte de um estado de renovação da nova cinematografia do cinema português. Na maior (mesmo que tenham surgido alguns trambolhões inesperados...) das curtas dos cineastas portugueses, quase toda composta por virgens de longas, sente-se realmente esse ideal do "sangue jovem". A tal lufada de ar fresco que se nota nas ficções, mas também no cinema mais experimental. Uma fornada bem mais interessante do que a a competição do último IndieLisboa. Para além dos excelentes Natureza Humana, de Mónica Lima e 2720, de Basil da Cunha, respetivamente melhor filme e melhor realização, tivemos uma mão cheia de curtas que também poderiam ficar bem no palmarés, em especial O Filme Feliz, de Duarte Coimbra, cineasta saído da Escola Superior de Teatro e Cinema e autor desse verdadeiro caso de simpatia chamado Amor, Avenidas Novas.

Desta vez, trata-se de uma espécie de celebração ao ato de filmar numa ode ao prazer da amizade. Festivo e enérgico, eis um filme que confirma Duarte Coimbra como um cineasta a seguir.

O mesmo pode ser dito de um veterano das curtas, Pedro Bastos, que em Flyby Kathy estabelece um ensaio experimental a partir do caso de Kathy Harcourt, atriz inglesa que chegou a ser uma jovem estrela do cinema porno americano e que desapareceu misteriosamente. Sobra um desejo quase selvagem de contar uma história sem as cerimónias da clássica construção narrativa.

Já com o carimbo de Cannes, da Semana da Crítica, o Curtas também mostrou um dos bons títulos portugueses do ano, Corpos Cintilantes, de Inês Teixeira, uma espécie de romance adolescente que escapa a todos os clichés. O olhar sobre este casal de jovens eventualmente a ter a primeira paixão não tem os contornos românticos habituais, parece antes privilegiar uma melancolia que é tudo menos pesarosa.

Muitos polegares para cima igualmente para Campos Belos, de David Ferreira, um suposto plano-sequência que começa por acompanhar um menino minhoto a ir para a escola. Mais tarde, a câmara muda-se para o outro lado da escola, onde acompanhamos a saída dos trabalhadores de uma fábrica. O espetador distraído pode confundi-lo como um exercício de câmara virtuosa, mas os mais atentos vão detetar uma enormíssima vibração humana.

E é também de Guimarães, com paragem em Tóquio e Peniche, que fomos parar a Vapor, de Susana Abreu, filme rock n"roll com a assinatura Bando à Parte. Uma mulher ocidental e um japonês em modo romântico e sem diálogos. Há uma meia dúzia de achados visuais de um bom gosto irrecusável...

Neste desfile de vénias, Mário Macedo e a croata Vanja Vascarat propuseram 18 minutos de um grupo de skaters fechados num centro comercial só para eles. Cul-de-Sac é sobre uma espécie de tese com os "blues" de uma certa juventude. Às vezes, faz lembrar o Gus Van Sant do período de Paranoid Park...

Sessão de encerramento de luxo

Para lá das curtas, o Curtas propôs a longa-metragem Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho, como filme de encerramento. O cineasta brasileiro esteve presente para promover esta antestreia de um documentário com estreia prevista em Portugal e no Brasil na segunda quinzena de agosto. Depois de Bacurau, este ex-crítico de cinema enceta uma viagem à memória do parque de salas da sua juventude no Recife. Uma "carona" pessoal e emotiva pelos lugares que o formaram como cinéfilo, sem esquecer a sua casa, cenário dos seus primeiros filmes. Um grande acontecimento em Vila do Conde de um cineasta que é nesta altura nome global do cinema de arte & ensaio.

Retratos Fantasmas, entre muitos méritos, consegue ser também uma bússola para uma experiência perdida do espetador em sala, servindo de tese muito particular em que a cinefilia é um affaire com os sinais do paranormal. De facto, é caso para dizer que neste Pernambuco há fantasmas e aparições com superpoderes. Ou o cinema documental a ser uma nova forma de ficção. Quem não esteve ontem em Vila do Conde, este périplo de antestreias tem ainda sessão com o realizador esta noite no Cinema Trindade, no Porto e, segunda-feira, em Lisboa, no São Jorge.


por Rui Pedro Tendinha in Diário de Notícias | 16 de julho de 2023
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias
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