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Ana Aragão expõe no Japão e explora a memória portuguesa de há 480 anos
"My Plan For Japan" é o nome da primeira exposição da artista Ana Aragão em Tóquio. A estreia em terras nipónicas surge para celebrar os 480 anos da chegada dos portugueses ao Japão. Ana Aragão explora na obra a relação entre o passado e o presente. A peça maior que leva é um biombo, inspirado nos tradicionais Nanban, que lhe levou um ano a fazer.
O namoro com o Japão já tinha começado quando Ana Aragão expôs, em 2021, no Museu do Oriente, em Lisboa, a mostra “No Plan For Japan”, sobre o país ao qual os portugueses chegaram há 480 anos. Para celebrar essa chegada, a Embaixada de Portugal no Japão desafiou agora a artista a criar para expor em Tóquio.
A exposição “My Plan For Japan” abre dia 30 de maio na icónica Galeria Hillside Forum. O edifício do arquiteto japonês, Prémio Pritzker, Fumihiko Maki, vai acolher não só obras que Ana Aragão já mostrou em Lisboa, como obras novas.
A artista desenvolveu uma peça de grandes dimensões, intitulada “Auto da Barca do Efémero”, que evoca o primeiro desembarque dos portugueses ao Japão, há 480 anos. Inspirada nos Biombos Nanban, a obra, diz Ana Aragão à Renascença, levou pelo menos um ano a ser feita.
Como é que surgiu a oportunidade de expor o seu trabalho num museu no Japão?
Foi um convite inesperado, excecional por parte da Embaixada de Portugal em Tóquio. É para as comemorações oficiais dos 480 anos da chegada dos portugueses ao Japão. E é um convite que me honra muito, obviamente, até porque é numa galeria desenhada por um Prémio Pritzker, em Shibuya, em Tóquio. Acaba por ser a realização de um sonho que eu tinha imaginado quando fiz a primeira exposição “No Plan for Japan", no Museu do Oriente, em Lisboa. Fecho um ciclo e cumpro esta espécie de vocação, ou desígnio da exposição sobre o Japão.
O que é que criou para esta exposição no Japão?
Vai ser uma mostra de trabalhos que eu mostrei no Museu do Oriente, em primeira mão, de reproduções desses trabalhos, mas terá uma peça nova principal, que é um biombo que se intitula "Auto da Barca do Efémero".
É inspirado nos biombos Namban, que são os biombos que retratam a chegada dos portugueses ao Japão, em 1543, quando os portugueses e povos intitulados "Nanban-jin", os povos do Sul que desembarcaram em terras nipónicas. No fundo é uma reinterpretação contemporânea dessa chegada, também com a representação de uma nau negra, de uma espécie de "Kurofune" [Barcos Negros, em japonês] e uma proposta de uma nova iconografia para uma viagem de novo ao Japão, mas nos dias de hoje.
Interessou-lhe explorar esse diálogo entre o passado e presente das relações entre Japão e Portugal?
Sim, sem dúvida alguma. Haver esta espécie de cumplicidade e pacto com as imagens muito conhecidas dos biombos que fazem parte do nosso património artístico e também cultural e haver essa ligação direta, à primeira vista, ou se olharmos muito rapidamente, eu acho que vamos perceber o bioma que eu criei como uma espécie de biombo Namban.
E vamos perceber que está cheio de ironias e com muitas referências. É um conjunto de referências, tanto da arquitetura portuguesa, como da arquitetura japonesa e que é uma proposta atual, e não histórica, desta relação entre Portugal e Japão.
A cor é algo que faz muito parte do seu trabalho. Que painel de cores escolheu para estas obras?
É interessante porque, neste caso, optei apenas pela caneta preta sobre fundo acastanhado da folha, mas revesti o biombo quase inteiramente, numa espécie de fundo, naquilo que acho que é qualquer coisa que se situa entre as nuvens e oceano. Não sei bem se é água, se são nuvens. É um estado da matéria entre uma coisa e outra. Está tudo revestido com folha de ouro, portanto, temos o dourado e o preto nesta grande obra. Embora eu ache que ainda me falta o vermelho, mas a obra já seguiu para o Japão!
O que representa para si estar num país tão diferente, mas que ao mesmo tempo tem esta relação ancestral com Portugal?
É de facto um privilégio muito grande poder dar a conhecer a minha visão sobre o Japão, sobre a cultura japonesa, sobre animação, sobre arquitetura, sobre temas que me fascinam como, a arte. Uma das minhas musas inspiradoras é, precisamente, a Yayoi Kusama.
Poder dar a conhecer a minha visão de um país e daquilo que é estrangeiro, e que de facto é tão diferente de nós, pôr isso um bocadinho à prova, estou muito expectante para perceber qual será a reação às minhas interpretações, sobretudo, do metabolismo japonês, o movimento de arquitetura que me interessa de sobremaneira, mas também de expressões artísticas históricas como os desenhos japoneses que eram as representações do mundo líquido, por exemplo, ou mesmo animação, filmes do Miyazaki e do estúdio Ghibli que me fascinam e encantam. São parte da cultura japonesa, obviamente, mas também consumida por nós e que são fascinantes.
Sendo a Ana Aragão também uma pessoa muito sensível à arquitetura, fale-me um pouco do espaço onde vai expor o seu trabalho?
A galeria chama-se Hillside Forum, fica em Shibuya, próximo daquele que é o maior cruzamento com mais pessoas no mundo. Isso é fascinante! Vemos nos filmes! A galeria é desenhada pelo prémio Pritzker, Fumihiko Maki. Para o catálogo desta exposição, convidei o crítico de arquitetura e professor Jorge Figueira a escrever um texto, e também o jornalista Carlos Vaz Marques, e o embaixador Vitor Sereno.
O Jorge Figueira diz uma coisa muito engraçada, que é que eu vou levar a minha visão metabólica para dentro de um icónico projeto do metabolismo, portanto, acaba por ser uma redundância. É uma coincidência muito interessante. É uma galeria com muitas salas, vai ter também um vídeo desenvolvido pelo realizador Miguel C. Tavares. Também vai contar com algumas animações do Tiago Bettencourt e será uma exposição com mais de 20 obras desconhecidas para o público japonês.
Uma parte já tinha sido vista pelo público português em Lisboa. Qual a proporção das novidades?
Digamos que é mais ou menos 20 para uma. Tudo aquilo que vou mostrar já tinha mostrado no Museu do Oriente. Por uma questão de tempo, e porque eu demoro mesmo muito tempo a fazer os meus trabalhos, não conseguir fazer as obras de novo. Mas o biombo é inteiramente novo e o biombo demorou.
É um desenho extremamente detalhado. Embora seja com peças que se dobram, mede 4 metros e meio por 2 metros. Acaba por ser uma grande obra que demorei pelo menos um ano. Essa vai ser a grande abra central e que tem o apoio de uma empresa que se chama Optiima e a exposição também tem o apoio do Instituto Camões, o Alto Patrocínio da Presidência da República, o apoio da Universidade Lusófona do Porto, entre estas colaborações com outros artistas.
Que ponte espera que esta exposição possa criar? Pode abrir outras portas no Japão?
Isso seria, de facto, o melhor dos planos! Seria essa a melhor concretização de todo este meu plano. O Japão é um sítio que me fascina por excelência e, além disso, eu revejo-me muito na cultura e numa forma de estar japonesa.
O meu gosto pelo trabalho analógico, tudo feito à mão, que no fundo é o culto da imperfeição, como eu costumo dizer. Tudo aquilo que eu faço vai ser necessariamente imperfeito e o meu trabalho é lidar com essa imperfeição naquilo que é feito à mão e com muita demora.
O Japão é precisamente o lugar certo, julgo eu, para acolher este gosto por qualquer coisa que não é imediatamente útil e que é apenas feito com o sentido da experiência estética, do pensamento, da demora, do culto da sombra, como no 'Elogio da Sombra', por exemplo, a obra fabulosa de Tanizaki.
por Maria João Costa in Renascença | 28 de maio de 2023
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Rádio Renascença