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Aos 101 anos, o filósofo Edgar Morin publica o seu segundo livro de 2023

Meses depois de um polémico ensaio sobre a guerra na Ucrânia, edita-se em França mais uma obra do filósofo e pensador francês. Coletânea de textos inéditos abrange variados temas.

Edgar Morin, fotografado em 2009 numa visita ao Instituto Piaget em Viseu, por Manuel Roberto

Um dos grandes pensadores do último século, Edgar Morin já publicou mais de 50 obras, ensaios ou artigos no século XXI e editou um novo livro no início de 2023; prepara-se para, nas vésperas do seu 102.º aniversário, editar o segundo do ano. Depois de De Guerre en Guerre: de 1940 à l'Ukraine, um ensaio sobre a invasão russa da Ucrânia, em junho será a vez de Encore un Moment... Textes Politiques, Sociologiques, Philosophiques et Littéraires, uma coletânea de inéditos sobre temas vários.

Filósofo, sociólogo e autodefinido como “construtivista”, inscreve-se na corrente da “pensée complexe”, ou seja do pensamento complexo. Nascido Edgar Nahoum numa família judia de origem sefardita, foi militante antifascista em Espanha e membro da Resistência Francesa durante a II Guerra Mundial. É durante esse período que adota o pseudónimo Morin, depois de um engano em que um seu camarada não compreendeu bem o nome com que se identificava o jovem Edgar na clandestinidade numa reunião da Resistência — apelidou-se de Edgar Manin, tributo à obra A Condição Humana, de André Malraux, mas depois do engano decidiu não o corrigir. Assim nascia um dos futuros nomes mais conhecidos das letras francesas.

Publicou a sua primeira obra, O Ano Zero da Alemanha, em 1946, que depois foi adaptado para cinema por Roberto Rossellini em 1948. Sete décadas depois, continua no ativo — e não imune às polémicas, mas lá iremos — e editar-se-á a 7 de junho, um mês antes do seu 102.º aniversário, uma coleção de inéditos. Trata-se de uma “antologia de textos humanistas não publicados”, diz a editora francesa Denoël, um “conjunto de “breves comentários, à maneira de um Alain [pseudónimo do filósofo oitocentista Émile-Auguste Chartier] ou de um Paul Valéry, sobre os mais variados temas, ao acaso, a partir da inspiração, do humor ou de acontecimentos atuais”.

Guerra, "descuidada e cega"

Encore un Moment... Textes Politiques, Sociologiques, Philosophiques et Littéraires é o sucessor, este ano, de De Guerre en Guerre: de 1940 à l'Ukraine, um ensaio editado em janeiro e que gerou alguma contestação pela forma como defende, entre outros aspectos, uma reação pacifista à invasão russa da Ucrânia, como recorda a agência francesa AFP. Perante as críticas à sua abordagem, o filósofo publicou no site de informação francês Mediapart uma resposta em que começa por esclarecer que De Guerre en Guerre “é essencialmente sobre o físico e o humano, mas também sobre os males intelectuais que acompanham todas as guerras”.

Reiterando que já criticou publicamente “a agressão russa” e defendeu a “necessidade absoluta de reconhecer uma Ucrânia independente e soberana” quis sim contextualizar o conflito atual. O autor, que muito já versou sobre a teoria da informação, recorda que “o espetáculo das destruições de imóveis e de mortes de civis” da guerra na Ucrânia o remeteu logo para os horrores da I Guerra Mundial, filtrados pela literatura e cinema, e pelo testemunho em primeira mão que teve da II Guerra.

As suas posições mais criticadas na recente obra vêm, escreveu dia 8 deste mês, de uma intenção primordial: “Queria lembrar às pessoas que toda a guerra envolve não só falsificações ou verdades unilaterais, mas também a demonização não só do exército, mas do povo inimigo”.

“Também queria mostrar que, sem negociações atempadas, a radicalização dos conflitos armados conduziu a catástrofes” no passado, respondeu, enumerando o sucedido na Argélia ou nos Balcãs, mas também entre Israel e Palestina. “A guerra é descuidada e cega”, diz, criticando o “autocrata” Vladimir Putin mas lembrando a sua convicção de que “a radicalização do conflito, a escalada do ódio, o desprezo, a mentira, as mortes e a destruição só podem levar a uma amplificação e alargamento desta guerra e, eventualmente, à sua globalização”.

Irrequieto, Morin publicou nos últimos anos várias obras, entre as quais as suas memórias, Lições de um Século de Vida (2021, ed. Instituto Piaget) ou Réveillons-nous (2022), tendo também escrito sobre As Lições do Coronavírus em Mudemos de Via (2022). Em Portugal estão editadas, reeditadas ou traduzidas, mas também publicadas no francês original, mais de 80 obras de Morin.


por Joana Amaral Cardoso in Público | 20 de março de 2023
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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