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Coreógrafo Paulo Ribeiro regressa às origens com elenco fixo de bailarinos em Cascais
O coreógrafo Paulo Ribeiro acredita que o seu trabalho vai poder “respirar plenamente” com a nova possibilidade de um projeto de elenco fixo de bailarinos e de apoio financeiro, através da instalação da companhia de autor em Cascais.
Naquele que considera ser um “regresso às origens”, no município onde passou a infância e grande parte da adolescência, o bailarino e coreógrafo de 63 anos começará na segunda-feira a ensaiar uma nova peça, revelou, em entrevista à agência Lusa.
“Finalmente posso ter uma equipa fixa de bailarinos para criar, que é algo que eu ambiciono há imenso tempo”, comentou, sobre as condições que alcançou através de um acordo com a Câmara Municipal de Cascais para quatro anos.
A Companhia Paulo Ribeiro ficará instalada até 2026 no Edifício Cruzeiro, onde a autarquia inaugurou, em janeiro, a Academia de Artes do Estoril, para acolher também a Escola Profissional de Teatro de Cascais, o Conservatório de Música e Dança de Cascais e a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras.
“Neste espaço, finalmente posso ter uma equipa fixa para criar, com um elenco de seis bailarinos a tempo inteiro”, disse o coreógrafo contactado pela Lusa sobre o futuro do seu novo projeto, num espaço que considera “magnífico”, no Monte Estoril.
O Edifício do Cruzeiro, construído há mais de setenta anos para funcionar como centro comercial, foi requalificado pela autarquia para funcionar como polo cultural, com parte das obras a finalizar até junho, indicou o criador.
“Nos tempos que correm não é um luxo, mas é um privilégio fantástico”, admitiu o coreógrafo, que além da cedência do espaço, terá um apoio financeiro de 90 mil euros anuais da autarquia para os próximos quatro anos, a somar ao apoio que obteve no concurso quadrienal da Direção-Geral das Artes, de 300 mil euros anuais.
Para o coreógrafo, um dos nomes destacados da Nova Dança Portuguesa, vão ser quatro anos para “respirar novamente e plenamente”.
“Aqui poderemos dar um passo grande, nesta possibilidade de ter estabilidade e poder criar”, avaliou o fundador da companhia de dança em nome próprio, em 1995, que foi também diretor do Teatro Viriato, em Viseu (1998-2016), diretor do Ballet Gulbenkian, antes da extinção (2003-2005), diretor da Companhia Nacional de Bailado (2016-2018) e da Casa da Dança de Almada (2019-2020).
O criador sente-se também “curioso por voltar à base, às origens”, onde viveu a infância e grande parte da adolescência, e, por isso, vê aí um simbolismo que espera venha a ser “um fator de enriquecimento para tudo o resto”.
Depois de outros projetos de direção, Paulo Ribeiro regressou à companhia em nome próprio - residente no teatro Viriato entre 1998 e 2022 –, para dar continuidade ao trabalho de pesquisa, criação artística e circulação de espetáculos, formação e programação com ligação à comunidade local.
Quando saiu de Viseu, a companhia esteve em vias de ficar instalada no Convento São Francisco, em Coimbra, o que acabou por não acontecer, segundo a autarquia, por questões técnicas, mas foi firmado um acordo de parceria para co-produções anuais.
“Acredito que a única forma de avançarmos em termos artísticos é quando temos a possibilidade de ter um elenco a trabalhar a tempo inteiro. As pessoas dividem-se em muitos projetos para poderem sobreviver, trabalham com vários coreógrafos, e é sempre muito difícil conciliar datas de espetáculos”, descreveu, sobre a situação precária de muitos profissionais das artes de palco.
A Companhia Paulo Ribeiro conta 28 anos de existência, passou um período no Teatro Viriato, onde teve a direção confiada a São castro e António Cabrita, e volta a ter um espaço de trabalho com o seu fundador, numa equipa de 11 pessoas.
“Agora venha a inspiração, e com o horizonte que temos pela frente, este oxigénio todo ajuda a que as ideias possam fluir”, disse à Lusa, já a pensar na nova obra que tem em mente, inspirada num solo anterior, e cujos ensaios deverão iniciar-se na segunda-feira.
Após quase trinta anos, recordou um período no início do projeto no Teatro Viriato, em que conseguiu ter “um elenco mais ou menos fixo, de bailarinos estrangeiros interessados” em viver naquela cidade.
“Tivemos o grupo estabilizado e muita circulação dos espetáculos, durante dois anos. Isso muda tudo”, sublinhou, sobre essa época.
Apontou ainda, a propósito, que as circunstâncias do país criam uma fragilidade que muitos coreógrafos de outras companhias internacionais, com situações estáveis, não se debatem, “como a criadora belga De Keersmaeker, que tem um elenco tão grande, que pode ter duas peças a trabalhar ao mesmo tempo”.
“Um bailarino só se conhece e potencia ao máximo ao final de dois ou três anos a trabalhar com o mesmo coreógrafo. Não é em dois ou três meses que nos podemos dar artisticamente tudo uns aos outros. É preciso tempo, e essa cumplicidade tem a ver com o amadurecimento. Nós estamos a reunir condições para que isso aconteça”, disse à Lusa.
Na nova peça que vai criar e que deverá estrear a 26 de maio, tem o nome provisório “Sem um nós não pode haver voz”.
Este trabalho coreográfico vai ser influenciado pelo universo de Ingmar Bergman, e é herdeiro direto de um solo que tinha como título uma frase do realizador sueco, “Sem um Tu não pode haver um Eu”.
“A ideia é transformar um solo pesado, que tinha uma densidade ´bergmaniana´, e não tinha, de todo, o sentido de humor e a frescura das minhas peças. Estou um bocado fascinado com a possibilidade de transformar estes materiais coreográficos e diluí-los ou aumentá-los em corpos destes bailarinos jovens e cheios de dinâmicas e de talento, criando algo completamente novo, e uma espécie de antítese da peça anterior”, descreveu.
Paulo Ribeiro começou por fazer carreira como bailarino em várias companhias belgas e francesas, e a estreia enquanto coreógrafo deu-se em 1984, em Paris, no âmbito da companhia Stridanse, da qual foi cofundador.
Em 1999, recebeu o Prémio Almada do Instituto Português das Artes do Espetáculo, pelo trabalho desenvolvido no Teatro Viriato, e, em 2009, recebeu o Prémio do Público, no Dance Week Festival, na Croácia.
Em 2010, recebeu o Prémio de Melhor Coreografia da Sociedade Portuguesa de Autores pela peça "Paisagens – onde o negro é cor".
Fonte: Lusa | 2 de março de 2023